Bombas e risos nas trincheiras: conheça o humor dos jornais feitos por soldados
e para soldados na Primeira Guerra Mundial
Início do conflito completou 111 anos nesta segunda (28). Pesquisador da UnB se
debruçou sobre material produzido por combatentes, que mesclava humor à
realidade brutal da guerra.
Mundo lembra 100 anos do fim da 1ª Guerra Mundial
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> “TÁXIS! TÁXIS! TÁXIS! Nossa nova frota de carros altamente decorados está
> agora à disposição do público. Eles são elegantemente equipados por dentro e
> por fora, e podem ser facilmente reconhecidos pela Cruz Vermelha pintada de
> cada lado. Apite três vezes ou ligue”.
O anúncio recheado de ironia aparece no “The Wipers Times”, de 1916, e
transforma em táxis de luxo as ambulâncias usadas para transportar feridos de
guerra. A piada é pesada, mas foi feita pelos próprios soldados britânicos da
Primeira Guerra Mundial.
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O The Wipers Times foi um dos diversos jornais feitos por soldados e para
soldados nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial.
Esta segunda-feira (28) marcou os exatos 111 anos do começo efetivo do conflito
europeu, com a invasão da Sérvia pelo então Império Austro-Húngaro.
A guerra de trincheiras durou mais de três anos – e os jornais produzidos no
front foram tema de pesquisa do professor da Universidade de Brasília Bruno Leal, que detalhou as
publicações em entrevista ao DE.
Segundo o professor, os soldados escreviam sobre a realidade da guerra, sempre
com muito humor.
> “[Os soldados] tiravam, mesmo que por poucos momentos, as suas cabeças da
> violência da guerra, dos perigos da trincheira, e concentravam-se em criar,
> inventar, produzir algo com o qual eles poderiam rir e fazer os outros rirem”,
> diz o professor.
COMO ERAM AS TRINCHEIRAS
1 de 6 Soldados fazem reparo em trincheira após ataque a bomba. — Foto:
Flickr/U.S National Archives
Soldados fazem reparo em trincheira após ataque a bomba. — Foto: Flickr/U.S
National Archives
As trincheiras eram construções fortificadas em buracos de mais ou menos 3
metros de profundidade, por até 2 metros de largura.
O local servia para bloquear o avanço de tropas inimigas, cercado com
metralhadoras, arame farpado, minas e outros obstáculos.
Não existem registros precisos do número de mortes nas trincheiras. Algumas
estimativas falam em mais de 8 milhões de soldados vítimas desses sangrentos
confrontos.
JORNAIS DE TRINCHEIRA
2 de 6 Três soldados canadenses são flagrados lendo jornal e sorriem para a
foto. 21 de Fevereiro de 1918, em Lens. — Foto: Rider-Rider/reprodução
Três soldados canadenses são flagrados lendo jornal e sorriem para a foto. 21 de
Fevereiro de 1918, em Lens. — Foto: Rider-Rider/reprodução
Segundo o professor Bruno Leal, a guerra de trincheiras foi uma guerra onde
também houve tédio e ócio – principalmente, quando as unidades pouco avançavam
no campo de batalha.
“Os jornais de trincheira foram uma reação a esses momentos de inatividade”, diz
o pesquisador da UnB. Alguns jornais eram feitos à mão, enquanto outros eram
impressos.
O britânico The Wipers Times, citado no início da reportagem, circulou na
Bélgica entre 1916 e 1918. Ele era impresso próximo do front de batalha, em uma
impressora que foi encontrada abandonada em Ypres e depois consertada.
3 de 6 Primeira Guerra Mundial: soldados alemães defendem trincheira na
fronteira com a Bélgica — Foto: U.S National Archives
Primeira Guerra Mundial: soldados alemães defendem trincheira na fronteira com a
Bélgica — Foto: U.S National Archives
O professor Bruno Leal conta que as publicações não tinham uma periodicidade
exata. Nem sempre havia insumos e equipamentos adequados, e os editores podiam
morrer ou ser feridos.
O pesquisador da UnB também diz que os jornais evitavam fazer críticas diretas
aos seus superiores ou à condução da guerra, para evitar a censura.
Com tom de humor, os textos tratavam de temas como a qualidade da comida do
batalhão, a falta de equipamentos, as doenças, o drama dos feridos e as coisas
que eles sentiam falta.
> “Os soldados criaram os seus próprios jornais porque isso lhes dava uma
> ocupação divertida e prazerosa”, fala Bruno Leal.
MAIS DE 600 JORNAIS IDENTIFICADOS
4 de 6 Capa de edição do jornal de trincheira Le Poilu, de novembro de 1918. —
Foto: Gallica/reprodução
Capa de edição do jornal de trincheira Le Poilu, de novembro de 1918. — Foto:
Gallica/reprodução
Bruno Leal explica que a historiografia já identificou 107 jornais de trincheira
nos exércitos britânicos, 400 nos franceses, 100 nos alemães e pelo menos 50
entre os italianos.
Na França, um jornal muito popular foi o “Le Bochofage”, que circulou na região
de Champagne entre julho de 1916 e dezembro de 1918.
Outro jornal francês foi o “La Greffe Générale – ou l’organe des blessés de la
face”, editado por soldados que sofreram mutilações no rosto.
> “Boa parte dos textos do jornal era sarcasmo puro, e o seu lema geral não
> deixava dúvidas quanto ao tom editorial: ria mesmo assim”, diz Bruno Leal.
O jornal canadense The Listening Post, do 7º Batalhão da Força Expedicionária,
foi um dos mais lidos. “Ele teve mais de 20 mil exemplares vendidos na Frente
Ocidental”, fala Bruno Leal.
5 de 6 Capa de edição do The Listening Post, de 20 de abril de 1917. — Foto:
Library and Archives Canada/reprodução
Capa de edição do The Listening Post, de 20 de abril de 1917. — Foto: Library
and Archives Canada/reprodução
Em uma cômica coluna do The Listening Post, de 1917, o título “Ordens que você
nunca verá no batalhão” traz o seguinte texto:
> “A partir desta data, a Cantina funcionará somente nos seguintes horários: 6h
> às 11h, 11h às 15h, 15h às 23h, 23h às 6h. Durante os horários restantes, não
> serão vendidas bebidas alcoólicas com teor superior a 2%. A Cantina não terá
> mais suprimentos de salsichas alemãs, golas de linho ou ovos de avestruz.”
6 de 6 Bruno Leal, pesquisador e professor da Universidade de Brasília (UnB). —
Foto: arquivo pessoal
Bruno Leal, pesquisador e professor da Universidade de Brasília (UnB). — Foto:
arquivo pessoal
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