Idosas resistem a construção de prédio novo em área nobre de Fortaleza e viram
as últimas moradoras de condomínio antigo
As idosas afirmam que têm vivido uma situação de constrangimento depois que os
outros moradores aceitaram a proposta da empresa e começaram a derrubar
parcialmente seus próprios apartamentos. A construtora que pretende levantar o
novo prédio diz que as tentativas de negociação com elas ainda não avançaram.
Duas idosas se tornaram as últimas moradoras de um condomínio com 24
apartamentos em um bairro nobre de Fortaleza após um impasse sobre a demolição
dos prédios. A área onde elas moram é visada por uma construtora para um novo
edifício. O advogado de uma delas afirma que elas têm vivido uma situação de
constrangimento depois que os outros moradores aceitaram a proposta da empresa e
começaram a derrubar parcialmente seus próprios apartamentos.
Ao DE, moradores favoráveis ao acordo afirmam que não houve intenção de causar
estado de ruína no prédio, mas sim remover as portas e janelas para revender os
itens, uma vez que, após aceitar a proposta da construtora, os proprietários
desocuparam seus apartamentos.
Conforme os documentos aos quais a reportagem teve acesso, em uma assembleia
geral realizada em janeiro de 2025, 22 dos 24 condôminos dos prédios aceitaram a
proposta da construtora para demolir as duas unidades e construir um novo
edifício de 21 andares, no qual os moradores receberiam apartamentos novos.
Os apartamentos 104 e 202 recusaram a proposta de permuta da construtora,
afirmando que preferiam a venda do imóvel, e se opuseram à desconstituição do
condomínio na assembleia. São justamente as unidades onde vivem as moradoras
idosas, que têm 85 e 75 anos, respectivamente. Na assembleia, elas estavam
representadas pelas filhas.
A disputa envolve dois edifícios, chamados Ângela e Kátia, que fazem parte de um
bloco de cinco prédios localizado a cerca de 250 metros da avenida Beira-Mar, um
dos metros quadrados mais caros da capital cearense. Os edifícios têm cerca de
50 anos, com apartamentos de 140m², sendo doze unidades por prédio.
Após o resultado, os moradores das outras unidades começaram a desocupar seus
apartamentos. Desde então, as duas idosas vivem praticamente sozinhas no
edifício Ângela, que tem apenas dois dos doze apartamentos ocupados. Todos os
outros apartamentos do edifício Kátia estão vazios.
Uma das justificativas para a demolição dos prédios antigos e a construção do
novo seria o estado de conservação das unidades. Laudos técnicos contratados por
alguns moradores apontaram que os prédios correm risco crítico pela falta de
manutenção. Já o laudo contratado por uma das idosas aponta que o prédio precisa
de reformas, mas não corre risco estrutural.
O laudo da Defesa Civil, órgão responsável pela análise de risco dos edifícios,
falou em risco moderado – quando não há dano grave à estrutura ou perigo de
desabamento, mas são necessárias reformas para evitar que a edificação se
deteriore.
Após a assembleia, em algumas unidades, os proprietários também realizaram uma
espécie de demolição parcial, retirando esquadrias, como portas e janelas,
retirando o piso e derrubando algumas partes, como áreas da cozinha. O DE teve acesso a imagens que mostram alguns apartamentos
com piso arrancado, sem grades nas varandas, sem janelas, algumas paredes
quebradas e colunas parcialmente danificadas.
A discussão acerca da demolição do condomínio começou em 2013, quando a
construtora Reata teve a primeira reunião com os moradores dos edifícios Kátia e
Ângela. Nos anos seguintes, a empresa chegou a fazer algumas propostas, que
foram recusadas. O acerto avançou a partir de 2018, quando investidores ligados à construtora
compraram algumas unidades no condomínio. Nos anos seguintes, uma nova proposta
começou a ter adesão de outros moradores.え
A ideia apresentada pela construtora era a seguinte: demolir os edifícios Ângela
e Kátia e construir uma nova torre, de mais de 20 andares, com três apartamentos
por andar. As obras, conforme a construtora, teriam previsão de durar cerca de
24 meses. Nesse meio tempo, a empresa iria dar uma ajuda de custo aos moradores
deslocados para o pagamento de aluguel.
Quando os moradores se reuniram em janeiro de 2025 foi apresentado um orçamento
de reformas com valor superior a R$ 2,1 milhões, que incluía, além dos consertos
estruturais, obras de substituição da tubulação de gás e de fiação para
adequação dos prédios aos padrões atualmente exigido. Dividido, o montante
sairia por cerca de R$ 138 mil por apartamento ao todo, ou R$ 11 mil mensais.
A alternativa foi recusada e, logo na sequência, os moradores votaram pela
dissolução do condomínio. As únicas que se opuseram foram as filhas das duas
idosas, que representavam as mães nas reuniões.
Antes de ser nomeada liquidante, Renata Maia foi síndica do condomínio. Ela
afirmou que anualmente os prédios precisavam de obras de manutenção no telhado,
sobretudo na quadra chuvosa, por causa das fissuras e outros problemas que causavam infiltrações nos apartamentos do terceiro andar.
Ela também conta que grande parte dos outros moradores são idosos e, com o
passar dos anos, eles passaram a sofrer com problemas de mobilidade, uma vez que
os prédios Ângela e Kátia não possuem itens como elevadores. Isso somado às
constantes reformas que os edifícios exigiam teria convencido a maioria a aderir
à proposta da construtora.
Conforme o advogado da moradora Maria Elisier, Stênio Gonçalves, houve um
esforço por parte de interessados para provocar a sensação de “o prédio está
para cair”. Durante a reunião que decidiu pela dissolução do condomínio, foram apresentados slides com os resultados de uma vistoria feita em novembro de 2024 por um engenheiro civil e um engenheiro elétrico contratados pelo próprio condomínio.