O uso intenso do Whatsapp para prática religiosa tem fortalecido a propagação da fake news no segmento evangélico, segundo relatório de pesquisa “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicado em primeira mão pela Pública.
A pesquisa mostra que 49% dos evangélicos recebem mensagem com conteúdo falso ou enganoso em grupos de igreja. Isso quer dizer que metade dos evangélicos recebem notícias falsas em grupos de comunidade de fé além de espalhar para outras pessoas.
A coleta feita em 2019, consideram 1650 respostas coletadas em congregações Batistas e das Assembleias de Deus e grupos de diálogo do Rio de Janeiro e Recife. Um formulário online para pessoas de todas as religiões e sem religiões também foi aplicado online.
Na pesquisa online, participaram pessoas de diferentes religiões e com nível superior – o segmento que possui maior propagação de fake news. Nesse grupo, os dados sobre recebimentos de notícias falsas em grupos ligados à religião foram ainda maiores, com 77,6% dos evangélicos que afirmam receber notícias falsas em grupos religiosos. Em comparação a outras religiões, dados mostrando que 38,5% dos católicos, 35,7% dos espíritas e 28,6% de fiéis de religiões afro-brasileiras afirmam já ter recebido notícias falsas em grupos.
Sobre grupos no Whatsapp, a pesquisa aponta que entre os evangélicos, 92% participam de grupos ligados a sua religião. Em comparação 71% dos católicos, 57% dos espíritas e 66,7% dos fiéis de outras religiões disseram fazer o mesmo. . “Não é a religião que interfere na maior presença de desinformação nos grupos de WhatsApp dos evangélicos, mas elementos relacionados à prática da religião, como o uso das redes sociais”, apontou o coordenador da pesquisa, o sociólogo e diretor do Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ, Alexandre Brasil.
O vínculo interpessoal também é analisado pelos pesquisadores. 33,3% dos evangélicos consultam pessoas conhecidas como fonte de informações invés de veículos jornalísticos e/ou mecanismo de busca na internet. E 13,12% disseram que os pastores e irmãos da igreja representaram a fonte mais confiável de notícias. “É importante lembrar que onde circula informação também circula desinformação. Não há como evitar que esses fluxos de mensagens circulem de forma separada, pois o intuito é que tenha aparência de informação confiável. O uso intenso do WhatsApp, somado à uma forte presença da confiança interpessoal são fatores que parecem sim tornar os evangélicos, em algum nível, suscetíveis à desinformação”, explicou Alexandre Brasil.
Não se incomodam
Pesquisadores explicam que a pesquisa partiu da hipótese de que grupos onde há maior organicidade e confiança entre os participantes, são potencialmente espaços em que há maior circulação de desinformação. O grupo evangélico foi escolhido por ter um perfil de “intensa vida comunitária, pela presença de laços de confiança e pela realização de reuniões regulares.” “Também se considerou a existência de reportagens que indicavam sites e influenciadores ligados ao segmento evangélico como destacados disseminadores de fake news”, acrescentou.
O relatório também ressalta que os evangélicos têm uma grande representatividade nas decisões eleitorais, considerando que 31% da população brasileira faz parte da religião evangélica, de acordo com Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), realizado em 2018.
Entre o grupo evangélico, 23.6% disseram não ter costume em checar notícias. Segundo o relatório, quase 30% dos entrevistados admitiram já terem compartilhado notícias falsas, sendo que 8,1% já fizeram “mesmo sabendo que era mentira, mas por concordarem com a abordagem”.
Com relação aos conteúdos, 61,9% dos evangélicos entrevistados disseram que notícias falsas com temas políticos são mais recorrentes.
A Pública mostra que as conexões entre essas redes de desinformação com evangélicos conservadores quanto com outros segmentos aliados ao governo. A reportagem revela que o grupo de Whatsapp e de outras redes sociais continuam sendo utilizados para propagação de conteúdos falsos, como propaganda antivacina e disputas negacionistas na pandemia. Também é compartilhado ataques à democracia, a defesa do voto impresso e outras narrativas bolsonaristas.
O combate a fake news nas redes evangélicas tem sido feito pela Coletivo Bereia, pioneiro no Brasil em verificação de fakes news nesse segmento. A iniciativa de jornalistas cristãos faz parte da Rede Nacional de Combate à Desinformação. “O Coletivo Bereia foi criado em outubro de 2019 (ano da coleta de dados da pesquisa) a partir da demanda de ação que os resultados da pesquisa da UFRJ impôs. Consideramos o projeto uma prestação de serviço identificada como jornalismo colaborativo de checagem de conteúdo especializado em religião. Desde o primeiro mês de atuação os resultados de público e parcerias foram altamente positivos, o que atribuímos ao ineditismo e a extrema relevância desta atividade”, diz Magali Cunha, jornalista e pesquisadora de Comunicação e Religiões, que coordena o coletivo.