Impacto das Tarifas dos EUA na Exportação de Mangas Brasileiras: O Risco da Fruta ‘Virar Lama’

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O risco de mangas brasileiras ‘virarem lama’ com impacto de tarifas dos EUA:
‘Estou dando de graça e ninguém quer’

As mangueiras estão cheias de frutas para colher, mas produtores do Vale do São
Francisco, entre Pernambuco e Bahia, já estão sem ter para quem vender. A manga
é a fruta brasileira mais exportada

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Moraes

As mangueiras estão cheias na propriedade de Hidherica Torres, em Casa Nova, no
lado baiano do Vale do São Francisco.

As frutas que pesam nos galhos já tinham destino certo assim que colhidas nos
próximos dias: os Estados Unidos. Tinham.

Na terça-feira (29/7), Hidherica foi informada pela empresa exportadora que suas
mangas não teriam mais saída aos portos americanos.

Como os produtos brasileiros terão uma tarifa extra de 50% para entrar nos EUA
[https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/07/30/trump-assina-decreto-que-impoe-tarifa-de-50percent-ao-brasil.ghtml]
a partir de 6 de agosto, a venda, na prática, ficou inviabilizada.

“A gente está correndo tentando ver possibilidade de mandar para o Canadá ou
Europa”, diz Hidherica.

“Mas estou com medo de a manga ficar jogada no chão e o trator passar por cima.
Enfim, virar lama”, completa.

Na terça, o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, afirmou em
entrevista que alguns produtos não cultivados em solo americano poderiam ter a
tarifa de importação zerada — entre os exemplos, ele citou a manga.

Mangas tommy que iriam para os EUA estão na árvore em Casa Nova, Bahia —
Foto: Hidherica Torres/Acervo Pessoal

Mangas tommy que iriam para os EUA estão na árvore em Casa Nova, Bahia — Foto:
Hidherica Torres/Acervo Pessoal

Já na quarta-feira (30/7), o presidente Donald Trump assinou o decreto que impõe
tarifa de 50% ao Brasil, mas com várias exceções, incluindo aeronaves, suco de
laranja e petróleo
[https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/07/31/tarifaco-de-trump-quem-se-deu-bem-e-quem-se-deu-mal-entre-as-excecoes-da-taxa-de-50percent.ghtml].
As frutas, porém, não foram beneficiadas.

Mesmo antes de a tarifa entrar em vigor, o Vale do São Francisco, principal
região produtora e exportadora da fruta no país, já sente os efeitos da guerra
comercial — e não só entre os produtores que exportam diretamente aos EUA.

Pequenos produtores que abastecem o mercado nacional e outros países já veem
suas mangas encalharem e o preço desabar — como a produção que ia aos EUA já
está sendo redirecionada, o mercado de manga começa a superlotar do produto.

Com muita oferta, o preço cai – a um nível que às vezes nem paga os custos de
produção, disseram produtores à BBC News Brasil.

Os compradores chegaram a oferecer menos de R$ 0,80 pelo quilo da manga do tipo
tommy a José Nilton Gonçalves, pequeno produtor de Lagoa Grande, em Pernambuco.
No começo do ano, chegou perto do R$ 6. “Desse jeito, não dá nem para tirar a
despesa”, conta.

Líder da Associação Comunitária dos Agricultores de Malhada Real, em Lagoa
Grande, Cristiano Ferreira completa que todos os tipos da fruta já estão sendo
afetados, mesmo os que não iriam aos EUA. “Todo mundo já vai sentir, do grande
ao pequeno.”

Das mangas produzidas no Vale de São Francisco, 92% vão para exportação, segundo
o Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina (SPR), que representa o setor.

Em 2024, o Brasil exportou 258 mil toneladas de manga, faturando US$ 349,8
milhões (R$ 1,95 bilhão), segundo dados reunidos pelo Observatório da Manga da
Embrapa. Isso faz da manga a fruta brasileira mais vendida no mundo.

O principal destino é a Europa, representando cerca de 80% das vendas ao
exterior durante o ano. Cerca de 15% vão para os EUA.

Mas a produção com foco na manga exportada aos EUA é mais cara e concentrada em
três meses do ano, justamente a partir de agora.

Os americanos costumam comprar mangas de vários países conforme a sazonalidade
da colheita. A janela brasileira é em agosto, setembro e outubro.

Para vender aos EUA, os produtores precisam plantar principalmente a manga do
tipo tommy, a preferida dos americanos.

Além disso, precisam passar por uma série de inspeções e certificações exigidas,
especialmente sobre a presença da mosca-da-fruta nas plantações, e serem
mergulhadas num tanque a 60 graus Celsius para eliminar larvas. Na prática, é
mais caro produzir para eles.

“Ou seja, fica difícil o produtor mandar essa fruta para outros mercados. Além
disso, o volume nesta época para os EUA é muito grande e já está causando baixa
nos preços no mercado interno e em outros países”, diz Jailson Lira, presidente
do SPR.

A expectativa do Vale do São Francisco em 2025 era exportar 36,8 mil toneladas
de manga aos EUA, em 2,5 mil contêineres que saem dos portos de Salvador (BA) e
Pecém (CE) até outubro.

O faturamento desse comércio com os EUA seria no patamar do ano passado, de US$
45,8 milhões (R$ 255 milhões), segundo previsão do SPR.

Projetos de agricultura irrigada fizeram do Vale do São Francisco uma das
regiões mais prósperas do sertão nordestino — Foto: Dado Galdieri/Bloomberg via
Getty Images

‘ESTOU DANDO MANGA DE GRAÇA’

O Vale do São Francisco tem grandes empresas exportadoras de manga, onde as
frutas passam pelas etapas sanitárias antes da exportação.

Muitas dessas empresas têm plantações próprias. Mas, em geral, elas acabam
comprando a produção inteira de pequenos e médios produtores para suprir a
demanda.

Isso faz com que o prejuízo no topo da cadeia (exportadores) venha a se
refletir, sem muita demora, na ponta (agricultores).

“Se a manga não tem saída, as grandes empresas vão vender só aquilo que elas já
têm, não compram do pequeno e médio”, explica o produtor rural Eduardo Nakahara,
da Frutecer, uma empresa exportadora mais focada no mercado europeu.

“E com o pessoal que vende para EUA mandando suas mangas para a Europa, todo
mundo é afetado”, completa.

Em Lagoa Grande, Pernambuco, produtores estão com medo de que os frutos
estraguem — Foto: Adailton de Lima/Acervo Pessoal

Mesmo com a preferência dos europeus não sendo a manga tommy, uma vez nos
supermercados, o cliente não costuma se apegar ao tipo da fruta vendido, explica
Aleska Martins, produtora rural em Petrolina. A que tiver mais em conta acaba
entrando no carrinho.

A pernambucana produz manga do tipo keitt, menos doce e menor, e vende para
exportação à Europa, sem presença no mercado americano.

Mas os pés nos 60 hectares da família em Petrolina já estão cheios de manga sem
saída.

“A gente vendeu a R$ 6 o quilo neste ano, agora estava lutando para vender a
0,80 centavos”, diz.

Segundo os produtores, as empresas importadoras da Europa estão cancelando
pedidos por já estarem com receio de ter “uma enxurrada de manga vinda do
Brasil”.

Martins está numa corrida contra o tempo porque precisa iniciar o preparo da
terra para a próxima colheita. Isso é, podar as árvores, repousar a terra e
preparar o terreno.

Para isso, ela tem oferecido as frutas a parceiros comerciais, de empresas de
polpas a mercados, que poderiam recolher as mangas.

“Estou dando de graça para quem quiser pegar, para limpar minha planta. E mesmo
assim não estou conseguindo”, disse na terça-feira. Ela explica que as empresas
justificam que o custo para retirar as mangas do pé não será compensado com a
venda a preços tão baixos.

Na terra de Adailton de Lima, em Lagoa Grande, o problema é o mesmo. “O mercado
está cheio, aí ninguém quer nossa manga. Tá caminhando para amadurecer no pé”,
diz ele, produtor do tipo palmer, uma das preferidas do mercado brasileiro.

O agrônomo Gilson dos Santos, produtor e consultor do setor de mangas no Vale do
São Francisco, explica que o Brasil não é capaz de absorver tanta manga que vai
sobrar. E nem a Europa, já que “outros países estão tendo uma boa safra neste
ano, como a Espanha, na região de Málaga”, diz.

“Isso abriu uma grande especulação no mercado, produtores ficam desesperados e
oferecem manga de maneira desesperada com medo de não vender as frutas”, conta.

Presidente do sindicato, Jailson Lira faz críticas ao governo federal, que,
segundo ele, estaria tentando “medir forças com os EUA”, em vez de negociar uma
saída ao setor. O presidente do sindicato também diz que não foi apresentado um
plano para os produtores.

A BBC News Brasil entrou em contato com os governos de Bahia e Pernambuco, além
do governo Federal, mas as gestões não se posicionaram.

O produtor Eduardo Nakahara avalia que, se mantidas, as tarifas terão grande
impacto em toda a economia da região do Vale do São Francisco, uma das regiões
mais prósperas do sertão nordestino, justamente devido à agricultura irrigada
que produz mangas, uvas e outras frutas.

Para ele, o momento seria para o povo brasileiro abraçar a manga como uma fruta
nacional.

“Imagina fazer uma campanha para incentivar as pessoas a comprarem manga, fazer
tudo de manga. Em vez de pedir um suco de morango no restaurante, pede de
manga”, diz.

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