Vamos queimar todo o lixo?
No Brasil, cresce a tendência de prefeituras de grandes cidades adotarem a incineração dos resíduos domésticos; entenda a polêmica
Uma grande cidade gera, todos os dias, milhares de toneladas de resíduos domésticos, que nos habituamos a chamar de lixo. Segundo a prefeitura de São Paulo, são diariamente coletadas 12 mil toneladas de resíduos domiciliares, ou cerca de 360 mil toneladas por mês.
Foi a Lei n.º 12.305/2010 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e determinou o fim dos lixões. O pior exemplo, dentre os muitos ainda existentes no Brasil, foi o Lixão Estrutural, situado próximo à Cidade Estrutural, cerca de 15 km do centro de Brasília. Durante mais de 50 anos, ele serviu de local de lançamento de todo tipo de resíduos, sem qualquer controle. Foi considerado o maior lixão a céu aberto da América Latina.
A Lei n.º 12.305, posteriormente revista e modificada, foi o instrumento legal que passou a obrigar as prefeituras a colocarem os resíduos indiferenciados em aterros sanitários controlados, reduzindo o potencial de contaminação ambiental.
Como sabemos, em solo brasileiro, há leis que “pegam” e outras que “não pegam”. Há, também, outras que ficam no entremeio entre esses dois polos. Pode-se dizer que esse é o caso da Lei n.º 12.305. Ainda há depósitos — clandestinos ou oficializados — de resíduos dos mais diversos tipos, lançados sem controle. Para muitas cidades, o problema é de alocação de espaço onde os resíduos devem ser depositados.
Programas oficiais de reciclagem acabam tendo uma abrangência modesta, embora possuam um enorme potencial de geração de renda e inclusão social, quando associados a cooperativas de catadores. Além dos ganhos sociais, programas de reciclagem geram benefícios ambientais, ao reduzirem a quantidade de materiais lançados nos aterros, reintegrando-os nas cadeias produtivas. Em muitos casos, fica evidente a falta de vontade política.
INCINERAÇÃO
Uma alternativa que tem sido considerada é a implantação de usinas de recuperação energética (URE), que utilizam a incineração de resíduos indiferenciados (lixo urbano) para gerar energia. A incineração reduz o volume de resíduos a serem depositados em um aterro controlado, ao mesmo tempo em que gera energia elétrica. Parece o melhor dos mundos, certo? Só que não é exatamente assim.
Quando os resíduos urbanos são incinerados, praticamente todo o tipo de material é queimado. Isso pode emitir uma série de poluentes atmosféricos. Mesmo com um controle rigoroso, incineradores podem liberar compostos tóxicos, como dioxinas e metais pesados. A queima de plásticos nos incineradores também gera emissões de CO₂ de origem fóssil, contribuindo para o aumento dos gases de efeito estufa no inventário da cidade.
A incineração produz cinzas finas (fly ash) que contêm elementos contaminantes, como metais pesados, que demandam disposição em aterros com maior nível de segurança. Em termos práticos, a incineração não elimina o uso de aterros controlados. Ela diminui o volume, mas concentra a toxicidade do material (cinzas) gerado.
As dioxinas liberadas na atmosfera têm elevado poder cancerígeno e estão associadas à redução da imunidade e à geração de problemas neurológicos e de desenvolvimento de fetos e crianças. É um resíduo que se acumula nos tecidos adiposos do corpo, o que faz com que os seus efeitos tóxicos aumentem ao longo do tempo.
Há tecnologias que pretendem reduzir — ou mesmo eliminar — as emissões relacionadas à incineração de resíduos. O fundamental é que, em cada município onde essa alternativa for considerada, a população seja corretamente informada sobre o que se pretende fazer e como isso será feito.
Lembrando que não há “solução mágica” e, para que decisões apropriadas sejam tomadas, a informação correta é essencial.