Léo Jardim fez a pior cera da história, mas vascaínos têm razão em reclamar
Empate entre Inter e Vasco teve tempos distintos e expulsão incomum no fim da partida.
Léo Jardim é expulso após receber o segundo amarelo por cera em Internacional 1 x 1 Vasco [https://s02.video.glbimg.com/x240/13792733.jpg]
Léo Jardim é expulso após receber o segundo amarelo por cera em Internacional 1 x 1 Vasco
Apesar das camisas envolvidas, pouca coisa levava a crer que o embate entre Inter e Vasco tornaria contornos dramáticos. Mesmo entrando em campo com titulares, as equipes tinham as antenas viradas para os confrontos copeiros do meio de semana, e o Beira-Rio também estava bastante vazio, devido ao clima hostil de Porto Alegre, com muita chuva antes do jogo.
Mas o Campeonato Brasileiro guarda essas pérolas escondidas sob as nuvens que desabam do céu num fim de tarde de domingo, no tornozelo do continente. Nos primeiros trinta minutos de jogo, o Vasco aplicou contra o time de Roger Machado aquilo que os mais reconhecidos cientistas certamente definiriam como um implacável “arrodião”. Sem ver a cor da bola, o Inter sofreu com a pressão e a velocidade da equipe cruz-maltina. Quando Rayan marcou o gol inaugural, o placar era injusto: poderia ser o terceiro.
Na entrevista após o jogo, Roger Machado afirmou que a equipe não pode entrar tão desligada em um jogo deste nível. Mas é algo que vem marcando seu trabalho, apesar da sequência de vitórias recentes no Brasileiro: o time parece escolher em quais jogos vai ser competitivo. E, depois de sair perdendo, escapando de um vexame, não coube outro caminho a não ser jogar como se não houvesse amanhã, mesmo que o depois de depois de amanhã reservasse um confronto eliminatório diante do Fluminense, pela Copa do Brasil.
Internacional 1 x 1 Vasco | Melhores momentos | 17ª rodada | Campeonato Brasileiro 2025 [https://s03.video.glbimg.com/x240/13792730.jpg]
Internacional 1 x 1 Vasco | Melhores momentos | 17ª rodada | Campeonato Brasileiro 2025
E a partir daí é verdade que o Internacional empurrou o Vasco para sua própria área, preso como um inquilino perdido em questões contratuais, mostrou superioridade e teve uma sequência de bolas na trave, a ponto de o placar parecer injusto, apesar da implacável superioridade vascaína do início. O Vasco desperdiçou contragolpes valiosos, com Vegetti em noite muito pouco inspirada, enquanto Carbonero promovia uma série de incêndios na defesa carioca. No entanto, o relógio cadenciava as ações como se jogasse o mesmo esporte (e no mesmo time) que Roberto Dinamite, e o tempo restante para a confirmação da vitória vascaína, fundamental para se aliviar na tabela, se transformava em uma contagem regressiva cada vez mais estreita.
Eis que de repente se armou o entrevero paradigmático da noite. Léo Jardim, arqueiro do Vasco, um dos grandes responsáveis pela vitória momentânea, já havia recebido cartão amarelo por retardar o jogo e, em meio ao rebuliço por algumas substituições, permaneceu tranquilamente sentado no gramado, esperando para ver o que acontecia. O juiz mandou que levantasse, ao que ele respondeu massageando mansamente a própria costela. Tomado por súbita fúria, remota noção de justiça e talvez alguma noção de moral e bons costumes, o apitador Flávio Rodrigues de Souza resolveu expulsar o arqueiro.
Na súmula, o juiz alegou que Léo Jardim havia tido tempo para ser atendido [https://ge.globo.com/futebol/times/vasco/noticia/2025/07/28/internacional-x-vasco-arbitro-alega-que-leo-jardim-teve-tempo-para-ser-atendido-durante-substituicoes.ghtml], mas ninguém sabe se o apitador havia autorizado o atendimento. Tínhamos 45 do segundo tempo e aquele evento se mostraria decisivo, já que o Inter empatou logo depois, já com o reserva Daniel Fuzato na meta vascaína. E o jogo inteiro, obviamente, passou a orbitar em torno daquela decisão bastante incomum — para o futebol brasileiro, mas não para o homem do apito: o mesmo juiz expulsou Gustavo, então goleiro do Criciúma, em partida contra o Bahia, no ano passado [https://ge.globo.com/rs/futebol/brasileirao-serie-a/noticia/2025/07/27/arbitro-que-expulsou-leo-jardim-ja-havia-dado-vermelho-a-goleiro-em-2024-veja.ghtml].
Se o nobre leitor ainda não sabe, gostaria de deixar claro: sou a favor de qualquer forma de amorcegar o jogo. Estou do lado oposto aos que condenam a cera, pois julgo tal artimanha um recurso válido ao jogador que tenta vencer, o que é uma imposição profissional, mas também um instinto a ser preservado. A dissimulação é uma questão de sobrevivência, como já nos mostrou o último homem de Neandertal a se fingir de morto diante de um mamute. Mais importante, muitas vezes é uma forma de forçar o equilíbrio possível num cenário econômico cada vez mais desigual: se o Sporting Cristal enfrentar o Real Madrid, até eu vou me deitar em frente à TV esperando a SAMU.
No entanto, no caso de ontem, surge um problema em relação à ESTÉTICA da cera. Porque Léo Jardim provavelmente protagonizou a pior cera de todos os tempos, permanecendo por eternos dois minutos apenas sentado junto à trave, como quem encara o absurdo da existência humana ou, no mínimo, tenta resolver problemas mundanos graves, como o tarifaço de Trump contra o Brasil ou para onde vão as pombas quando começa a fazer frio. Ele não se retorceu, nem esticou a perna pra cima, oferecendo a panturrilha para um companheiro. Apenas ficou ali, desacreditando do poder da atuação e esperando que a regra jamais cumprida continuasse ignorada. Expulso, saiu caminhando — esquecendo a costela, Trump, as pombas e qualquer questão filosófica.
A decisão parece ter sido certa, mas os vascaínos também têm pleno direito a reclamar, afinal de contas o clube foi eleito como mártir da rodada – quase nenhum goleiro foi expulso por cera até ontem; quase nenhum será expulso a partir de hoje. Após o jogo, o técnico e psicólogo Fernando Diniz criticou a decisão, afirmando que o juiz não é médico [https://ge.globo.com/futebol/times/vasco/noticia/2025/07/27/diniz-analisa-empate-do-vasco-contra-o-internacional-resultados-nao-estao-acompanhando-as-atuacoes.ghtml]. É verdade, mas o juiz muitas vezes precisa ser médium. Ou, mesmo meio perdido, aparentar que está muito irritado com tudo aquilo. E, se nada disso funcionar, assumir que é alguém que não sabe muito bem o que fazer, mas que naquele momento precisa urgentemente fazer algum coisa. Às vezes ele resolve abraçar o caos, e nesse caso corre o risco de até acertar.
PC Oliveira não vê erro em expulsão de Léo Jardim: “O árbitro não é médico, mas também não é trouxa” [https://s02.video.glbimg.com/x240/13792813.jpg]
PC Oliveira não vê erro em expulsão de Léo Jardim: “O árbitro não é médico, mas também não é trouxa”