A água com gás mais famosa do mundo pode perder o rótulo de “mineral natural”, que construiu sua reputação há mais de um século. Em um relatório de agosto deste ano, a Agência Regional de Saúde (ARS) da Occitanie (sul) convida a Nestlé Waters a considerar a “cessação da produção de água mineral natural em Vergèze”, de onde é extraída a célébre água Perrier, devido à degradação regular da qualidade sanitária de suas fontes e, em particular, a um risco de contaminação por vírus.
A recomendação, revelada nesta segunda-feira (16) pelo jornal Le Monde e a unidade de investigação do sistema público de rádios francesas Radio France, é um novo golpe na reputação da marca. A filial francesa da empresa suíça, também proprietária da Vittel na DE, tem sido alvo de denúncias desde janeiro sobre a utilização, no passado, de tratamentos de purificação de suas águas. Ainda que não sejam perigosos, os métodos são proibidos para as águas minerais, que devem ter uma qualidade de pureza natural que permita que sejam consumidas.
Em abril, a Nestlé Waters chegou a interromper a exploração de um de seus poços nas instalações de Vergèze, após a descoberta de bactérias de origem fecal. No relatório revelando pela Radio France e o Le Monde, a ARS da Occitanie considera que estas “contaminações bacterianas”, embora “pontuais”, são “inaceitáveis para a água mineral natural”. No documento, o órgão recomenda à Nestlé Waters que examine “estrategicamente outro possível uso alimentar da exploração das atuais captações de água mineral” na região.
A empresa também é proprietária da marca Maison Perrier, que comercializa águas com sabores e gaseificadas artificialmente. Como estão sujeitos a tratamentos de purificação, estes produtos não têm a designação de água mineral. Segundo a Radio France e o jornal Le Monde, a ARS Occitanie concluiu em agosto que a utilização de alguns tratamentos não autorizados, que incluem lâmpadas UV e filtros de carbono, tinha cessado nas instalações do grupo em Vergèze. Por outro lado, considerou que a microfiltragem, embora tenha sido flexibilizada pelo governo em 2023, “não é autorizada” por ter um “efeito desinfetante comprovado”.
Nestlé se posiciona: “Operamos em Vergèze de acordo com as exigências definidas pelas autoridades e sob o seu controle”, reagiu a Nestlé Waters, que não quis comentar o relatório antes de sua versão final e publicação oficial. O senador socialista Alexandre Ouizille, relator da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as práticas dos fabricantes de água engarrafada, disse nesta segunda-feira que o relatório era “devastador” para a Nestlé Waters e para as autoridades. O governo francês foi notificado pela Nestlé em 2021 sobre o uso de tratamentos de purificação proibidos na água, segundo a empresa. Na época, sem divulgar o assunto nem informar os consumidores, as autoridades flexibilizaram as regulamentações. As denúncias fragilizam ainda mais a confiança dos consumidores no grupo Nestlé e nas bebidas da marca Perrier, já que toda água mineral com gás da marca é proveniente da fonte de Bouillens – chamada de “fonte Perrier” – em Vergèse, explorada desde 1903.