John mantém legado vivo e entra na lista de grandes goleiros negros da história do Botafogo
Um dos destaques do time em 2024, camisa 12 carrega em sua posição o legado de ídolos como Manga, Wagner e Jefferson. John, do Botafogo, relata o significado de ser goleiro: “É tudo”
As instituições que comandavam o futebol brasileiro há um século resistiram durante anos à entrada dos jogadores negros no esporte. Foram os negros, no entanto, que escreveram as mais belas páginas do futebol no país.
Mesmo com diversos negros no olimpo do futebol brasileiro, uma posição específica ainda lida com o preconceito de forma mais presente: a de goleiro. Durante muito tempo, não havia vergonha para se dizer de forma preconceituosa que goleiros pretos não eram confiáveis. Essa retórica, no entanto, não está presente na história do Botafogo.
O atual titular, John, leva consigo um legado de ídolos como Manga, Wagner e Jefferson, considerados, por boa parte da torcida, os três melhores goleiros da história do clube. Quando comecei no futebol, eu não tinha muito essa dimensão de preconceito. Claro que eu sempre presenciei no dia a dia, mas, para mim, dentro do esporte, isso era meio impossível. Quando tive a primeira oportunidade de sonhar em ser um goleiro profissional, me lembro que um treinador me falou: “Se você tiver uma oportunidade de agarrar essa chance dentro do Botafogo, vai. Porque foi um time que sempre abraçou goleiros negros”. Aquilo me marcou, porque para mim não tinha essa coisa de ser goleiro branco ou negro. O que contava era o talento da pessoa – relata Jefferson.
O ídolo alvinegro deu sua bênção a John, um dos destaques do Botafogo em 2024. Logo que chegou ao clube, o atual camisa 12 recebeu uma mensagem de Jefferson. Os dois passaram a conversar regularmente pelas redes sociais. No clube, a representatividade dos ídolos inspira os destaques da atualidade.
Desde que eu conheço o Botafogo, a gente sempre lembra de goleiros negros. É tradição. Quando vim para cá, me contaram essa história. Fico muito feliz de seguir essa tradição – John. John se diz orgulhoso por fazer parte do legado de goleiros negros do Botafogo.
É difícil encontrar a origem do racismo direcionado a uma posição específica do futebol, mas pesquisadores do assunto referem-se à Copa do Mundo de 1950 como um marco. À época, a meta era defendida por Barbosa, que atuava do Vasco e era um dos grandes nomes daquele time. A derrota por 2 a 1 para o Uruguai foi atribuída a uma suposta falha dele no segundo gol, marcado por Ghiggia.
Durante o processo de preparação da Seleção para a Copa de 1954, começou a ser construída a ideia racista de que jogadores negros não são confiáveis para atuar no gol. Desde 1950, o Brasil disputou 18 edições de Copas do Mundo. Goleiros negros foram titulares em apenas duas delas: em 1966, com Manga, do Botafogo, e em 2006, com Dida. Só cinco atletas pretos da posição foram convocados para a principal competição de seleções.
Luiz Antônio Simas explica origens do racismo com goleiros no Brasil. Entre os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, apenas cinco têm goleiros titulares negros, uma proporção que não reflete um país em que mais de 50% da população é preta. Oferecer oportunidades iguais e combater o racismo são desafios constantes no meio esportivo.
Ainda que “a passos curtos”, como o próprio Jefferson afirma em entrevista, o debate racial vem conseguindo avanços no sentido de trazer a discussão sobre essa e outras questões que permeiam o meio do futebol, inclusive abordando jogadores de outras posições. Na Espanha, por exemplo, Vinicius Junior enfrenta ataques racistas constantes nos estádios. A luta contra o preconceito racial no esporte é uma batalha diária, mas cada avanço é uma vitória para a igualdade e a inclusão.
É fundamental que histórias como a de John, que mantém vivo o legado de grandes goleiros negros do Botafogo, sejam contadas e celebradas. A representatividade no esporte é essencial para inspirar novas gerações e promover a diversidade. A voz dos ídolos do passado ecoa nas conquistas dos atletas do presente, tornando o futebol um campo de possibilidades e superação de preconceitos enraizados. Como afirmou Jefferson, “para mim não tinha essa coisa de ser goleiro branco ou negro. O que contava era o talento da pessoa”. E é esse talento que faz de John um exemplo de determinação e orgulho para o Botafogo e para o futebol brasileiro como um todo.