Jovens denunciam ex-colegas de escola por criar falsas ‘nudes’ delas e compartilhar em app de mensagens, no Ceará
Os criminosos pegavam fotos das redes sociais delas e usavam inteligência artificial para manipular as imagens.
Um grupo de jovens denunciou dois ex-colegas de escola que criaram falsas “nudes” delas e compartilharam em um aplicativo de mensagens. Conforme as mulheres, o grupo possuía inúmeras imagens de diferentes pessoas, mas elas já identificaram sete vítimas. O DE conversou com duas delas.
As imagens eram retiradas das redes sociais das vítimas e manipuladas com uso de inteligência artificial. As sete vítimas já identificadas e os dois homens denunciados são todos estudantes de uma mesma escola em Fortaleza.
Em nota, a Polícia Civil informou que investiga denúncias de crimes contra a dignidade sexual, em ambiente virtual, registrados em Fortaleza. Os fatos foram comunicados por meio de boletins de ocorrência (BO) na Delegacia do 27° Distrito Policial, unidade responsável pela apuração do caso.
A corporação também orientou que, caso existam outras vítimas, elas também registrem um boletim de ocorrência, que pode ser feito presencialmente em qualquer delegacia.
Depois de criadas, as falsas nudes eram compartilhadas em um grupo de um aplicativo de mensagens onde estavam os dois denunciados. O grupo foi descoberto por um amigo — tanto das vítimas, quanto dos criminosos —, que também é ex-estudante da mesma escola. Conforme uma das vítimas, esse amigo teve acesso ao grupo através do celular de um dos criminosos e flagrou uma imagem manipulada da própria mãe. Revoltado, ele contou para as ex-colegas.
Uma das vítimas é uma jovem de 20 anos, que vai ter a identidade preservada. Ela disse ter ficado surpresa não apenas com a criação das imagens, mas também com quem eram os responsáveis. “Esse ano mesmo eu saí, conversei com eles e tudo. Eles pareciam pessoas que não iriam fazer coisas assim. Quando a gente recebeu esses vídeos, todo mundo ficou sem acreditar… Eles ficavam rindo. Dá pra ver nas mensagens eles falando: ‘A gente tem o poder nas mãos’, coisa assim do tipo”, disse.
“Eu cheguei a aconselhar ele sobre faculdade, quando ele queria trocar de faculdade, sobre emprego, trabalho. A gente conversava porque a gente cresceu junto”, reforçou a vítima.
Ela disse também que uma das fotos que os criminosos pegaram foi de um “status” que ela postou em um aplicativo de mensagens. “Um print [captura de tela] de foto que eu tirei no banheiro do shopping com as minhas amigas. Eles vinham guardando coisas para fazer isso. Das outras meninas, por exemplo, eram postagens de Instagram e tudo, que eles pegavam delas, que elas estavam de biquíni e botavam no aplicativo”, explicou a jovem.
Uma segunda vítima ouvida pelo DE revelou que teve uma crise de ansiedade quando soube da existência do grupo e do material compartilhado entre os criminosos. “Ah, eu acho que pra mim foi uma das piores notícias que eu recebi recentemente. Eu senti que o meu corpo gelou”, disse. “Eu simplesmente tremia, o meu corpo gelou, e eu comecei a passar mal. Eu tive uma crise de ansiedade. Meu marido estava na sala comigo, me ouviu chorando, me ouviu com falta de ar”, reforçou a vítima.
Ela disse que o choque foi agravado quando viu quem era um dos responsáveis por fazer as imagens — alguém que foi próximo a ela durante o ensino médio. “Foi um baque muito grande, tanto por eu ter visto esse tipo de exposição que não é real, o que torna muito pior, como quando eu soube que era um amigo meu, alguém que eu compartilhava minha vida, na inocência, achando que era uma pessoa boa pra mim”, lamentou a jovem.
Advogado comenta sobre punições aplicáveis a quem comete crimes sexuais na internet. O advogado Filipe Brayan alertou que é preciso desmistificar que crimes cometidos pela internet sempre saem impunes. “Há uma falsa percepção da sociedade que aqueles comportamentos realizados nas redes sociais não são passíveis de punição, não são alcançados pela lei ou que o autor daquele comportamento dificilmente vai ser descoberto pela justiça, o que não é verdade”, disse. “Hoje em dia já há uma delegacia especializada em crimes cibernéticos. Lá, há procedimentos cujo o nome da vítima vai permanecer em sigilo e o conteúdo não vai ser disponibilizado para acesso. Também há softwares adequados para descobrir o verdadeiro autor daquele conteúdo, que se descoberto pode responder até a três crimes, o primeiro deles de violência psicológica contra a mulher”, destacou.
Ele explicou que sujeitar uma mulher a constrangimentos usando a imagem dela, mesmo que gerada por inteligência artificial, em contextos sexuais pode gerar pena de até dois anos de prisão. “Além disso, aquele que produziu um conteúdo utilizando a imagem da vítima em ato sexual, ato libidinoso, responde a um outro crime que a pena é até de um ano de prisão. Mas se esse conteúdo gerado for disponibilizado em qualquer rede social, grupo do WhatsApp, já há um novo e terceiro crime, cuja pena é de até cinco anos de prisão”, reforçou. “Juntando os três tipos de crimes que podem ser cometidos com apenas um único ato, chegamos a pena de até oito anos de prisão. Aquele que produziu o conteúdo vai ser sujeito ao crime de violência psicológica contra a mulher, ao crime de produção de conteúdo libidinoso por inteligência artificial e ao crime de publicação desse conteúdo”, complementou.