Jovita Belfort: a angustiante busca por Priscila após 21 anos sem respostas

jovita-belfort3A-a-angustiante-busca-por-priscila-apos-21-anos-sem-respostas

Todos os dias antes de dormir, eu enterro a Pri”, diz Jovita Belfort

Jovita Belfort relata o sofrimento que envolve o desaparecimento da filha, que
está há 21 anos sem solução

O desaparecimento de Priscila Belfort, irmã do ex-lutador de MMA Vitor Belfort,
é um dos casos que ilustram o sofrimento dos familiares das mais de 700 mil
pessoas que estão desaparecidas no Brasil. Em entrevista ao DE, Jovita
Belfort conta sua trajetória ao longo dos 21 anos de procura pela filha.

SOBRE O CASO

* Priscila Belfort desapareceu no dia 9 de janeiro de 2004, após sair para
almoçar no centro do Rio de Janeiro.
* Familiares alegam falhas na investigação.
* Até hoje o caso segue sem solução.
* O documentário Volta Priscila foi lançado recentemente em uma plataforma de
streaming.

Priscila Vieira Belfort, atualmente com 50 anos, está desaparecida desde os 29
anos e é um dos casos que não só chocou o Brasil, mas que impulsionou mudanças
na forma em que as autoridades e o Estado lidam com os inúmeros desaparecimentos
que ocorrem por dia. A mãe, Jovita Belfort, conta que, analisando a evolução dos
últimos anos, na época do sumiço da filha a polícia não conseguiria resolver o
caso.

“A gente não tinha nenhuma ONG e nenhuma política expressiva. A gente tinha no
Rio de Janeiro um pequeno grupo dentro do homicídio que trabalhava com essa
questão de desaparecimento e busca de paradeiro, mas ela [a unidade] não tinha
nem veículo próprio, ela ficava a mercê de sobrar algum veículo do grupo de
homicídios”, lembra.

Jovita se apegou a mudar a realidade de outras famílias que vivem o mesmo
tormento. Hoje ela faz parte da Coordenação de Desaparecidos, órgão subordinado
à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, responsável
pela implementação de programas para a diminuição do número de pessoas
desaparecidas no estado do Rio de Janeiro.

No entanto, ela explica que nem sempre sua trajetória foi assim, assolada pela
dor do desaparecimento da filha. Jovita conta que chegou a ouvir do filho,
bicampeão do UFC, a frase que marcou seu coração. “Mãe, você não sabe o que é
ser órfão de pais vivos. Você está morta, mas eu estou vivo, você tem netos”.

Ao longo desses 21 anos ela conta que já pensou em todas as possibilidades do
paradeiro da filha, e que todas as manhãs é um recomeço da luta. “Toda a noite
quando eu vou dormir, eu enterro a Pri. E de manhã eu tenho que desenterrá-la
para ter força, para ter esperança e para buscá-la”.

Umas das lutas compradas por ela foi a criação da delegacia especializada em
desaparecidos no Rio. “Começamos pela delegacia especializada, porque sem ela
não vem as outras coisas. A primeira coisa que você pensa e faz é um boletim de
ocorrência quando seu filho desaparece, mas para uma mãe entrar numa delegacia
de homicídios, enquanto que você tem a esperança de encontrar seu filho vivo, é
completamente desumano”.

DESAPARECIMENTO E ESPECULAÇÕES

Jovita relembra os momentos de desespero dos dias que sucederam o
desaparecimento da filha e afirma que a cada especulação aumentava a angústia.
“A peregrinação que dura até hoje começou quando ligaram e pediram um resgate
para liberar ela. Desse momento em diante, por ter sido uma investigação muito
midiática, subimos morros, surgia uma cabeça e um corpo que poderia ser dela… A
suposta assassina confessa…”.

Uma das mágoas que ela carrega das investigações é o fato de umas das
especulações girarem em torno de uma dívida de drogas. Jovita alega que a filha
nunca foi envolvida com drogas, e que falta na mídia a explicação de que essa
hipótese surgiu por uma dívida do namorado.

“Na época, só foi visto uma linha, a do tráfico. A vida da Priscila não foi
especulada. Antes de desaparecer, ela estava na casa do namorado há mais de 20
dias. Se você me perguntar, como é que foi a vida da Priscila 20 dias antes, eu
não sei te dizer. Eu sei o que aconteceu dentro da minha casa, quando ela voltou
depois do réveillon, já meia desiludida com o namorado. Eles já estavam meio
brigados, e segundo ela, ali já tinha terminado o namoro”, lembra Jovita.

Sobre a hipótese do aborto, ela afirma que a filha jamais tomaria essa decisão
sem comunicar as amigas. “Eu tenho casos de pessoas que desapareceram em
clínicas clandestinas. As pessoas enterram para não existir registro do crime,
mas ela jamais faria nada sozinha sem a presença das amigas”, acredita a mãe

ESPERANÇA

O que motiva Jovita todos os dias é saber que em cada mãe que encontra seu filho
desaparecido, é um pouco da Priscila que volta.  Ela conta que, a cada avanço
nas políticas públicas em prol dos desaparecidos, sente-se motivada em continuar
a luta.

Jovita explica que esperar a morte é natural, porque faz parte da vida. Mas o
desaparecimento, ninguém espera. “Faz parte da vida a morte, mas desaparecer
não. Se fala muito em terrorismo, mas uma família de desaparecido vive com esse
terrorismo diário. Imagina por um instante se a pessoa que você mais ama na vida
simplesmente some e não aparece mais?”.

> “Lógico que, se eu posso escolher o fim da história, eu vou escolher ela viva,
> mas eu quero uma resposta, inclusive dela morta. Porque aí eu vou dormir sem
> pensar onde ela está, sem pensar no que aconteceu, se ela está comendo, se ela
> está bebendo, se ela tá sentindo frio, se ela tem sapato…. É tanta coisa, a
> minha cabeça vai descansar, o meu corpo vai descansar, meu fígado, meu
> pâncreas, meu coração, isso tudo vai descansar”.

🔔Receba as notícias do Diário do Estado no Telegram do Diário do Estado e no canal do Diário do Estado no WhatsApp