Justiça expõe dados de vítimas de violência: Tribunais investigam casos

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Tribunais apuram exposição de nomes de vítimas; CNJ diz que erros podem ser levados à corregedoria nacional

Reportagem revelou que dados pessoais de mulheres, crianças e adolescentes vítimas de estupro e agressão estão expostos, contrariando a lei. Vejam o que dizem os tribunais.

Contra a lei, Justiça expõe dados pessoais de mulheres e crianças vítimas de violência

Tribunais de Justiça de ao menos dois estados informaram que corregedorias vão investigar ou já investigam os casos revelados pelo DE de exposição de dados de processos que deveriam estar sob sigilo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que situações como essas também podem ser analisadas pela Corregedoria Nacional de Justiça.

Reportagem publicada no domingo (1º) revelou que sistemas mantidos pelo CNJ expuseram dados pessoais de mulheres, crianças e adolescentes vítimas de estupro e agressão, casos que, por lei, deveriam tramitar sob segredo de justiça.

A apuração identificou 120 mandados de prisão com nomes, endereços e detalhes da violência sofrida pelas vítimas, além de cinco processos judiciais com informações semelhantes. Os dados foram expostos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), que reúne todos os mandados de prisão emitidos no país, e o Jus.br, portal que centraliza os processos judiciais dos tribunais de todo o Brasil.

Antes da publicação da reportagem, o DE procurou os tribunais responsáveis pelos processos e o CNJ para solicitar posicionamento sobre os casos.

Em nota, o CNJ afirmou que reconhece a importância de proteger dados de vítimas e grupos vulneráveis e que tem editado normas para evitar exposições indevidas nos sistemas judiciais. Segundo o órgão, os dados que apareceram nos mandados foram inseridos pelas autoridades judiciais responsáveis pelas decisões, em campos de preenchimento livre. O órgão afirmou que reforçará orientações aos tribunais para evitar novos casos de exposição e que situações como essa podem ser analisadas pela Corregedoria Nacional de Justiça.

Sobre a solicitação da reportagem ao acesso na íntegra dos mandados de prisão, o CNJ afirmou que a única forma de consulta aos mandados de prisão é individual, por meio do sistema eletrônico. O CNJ disse buscar avanços na política de dados abertos, mas ressaltou que informações como CPF não são, nem serão, disponibilizadas, por estarem protegidas por lei.

Os Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Amazonas informaram que os casos apontados pela reportagem foram encaminhados às respectivas corregedorias para apuração. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro informou que vai apurar se houve alguma irregularidade no preenchimento do mandado citado e ressaltou que o BNMP é um sistema desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça.

Já o Tribunal de Justiça de Rondônia afirmou que corrigiu o mandado e reforçou seu compromisso com a proteção dos dados das vítimas. O Tribunal de Justiça de Sergipe afirmou que irá aprimorar seus fluxos internos para evitar novas exposições, enquanto o de Alagoas disse que orienta a não inclusão de nomes de vítimas nos mandados e que vai oficiar os juízes criminais para revisão e eventual correção dos documentos.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul informou que solicitou a retirada dos mandados da consulta pública, e o do Ceará afirmou que tem mantido esforços contínuos de orientação com magistrados para prevenir a exposição de dados.

O Tribunal do Distrito Federal afirmou que a corregedoria reforçará o sigilo nos casos e que solicitará a retificação do mandado com a exposição da vítima. Já o Tribunal do Maranhão informou que expediu uma orientação para que os juízes cumpram a LGPD, o sigilo da Lei Maria da Penha e as normas de proteção de dados do CNJ para o BNMP.

Até a publicação desta reportagem, os tribunais do Amapá, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte não responderam aos questionamentos enviados pelo DE.

Infográfico – Veja três casos em que vítimas que deveriam ter dados sob sigilo foram expostas em sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). — Foto: Arte/g1

Veja abaixo, os posicionamentos na íntegra:

Tribunal de Justiça de Alagoas

A orientação do Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Sistemas Carcerário e Socioeducativo (GMF) do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) é que não sejam incluídos os nomes das vítimas nos mandados de prisão cadastrados no Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP).

Com a informação de que foram encontrados mandados constando nome de vítimas, o GMF encaminhará ofício a todos os juízes criminais para que analisem seus mandados de prisões e, se for o caso, retifiquem esses dados.

Tribunal de Justiça de Sergipe

O BNMP possui um preenchimento padrão para todos os Tribunais do país, no qual não consta o nome das vítimas entre seus campos. Porém, nas hipóteses em que o nome da vítima conste do dispositivo da decisão que motive a expedição do mandado de prisão, identificou-se que aquele dado pode vir a constar do mandado confeccionado no sistema.

O Tribunal de Justiça de Sergipe reforça o seu compromisso com a preservação da identidade das vítimas de processos em segredo de justiça e aprimorará seus fluxos para evitar que tais circunstâncias voltem a acontecer.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

O sistema de gerenciamento processual eproc atribui sigilo automaticamente aos processos que tenham classificação pertinente à matéria com sigilo (como violência doméstica). O sigilo no eproc, portanto, é garantido.

Por outro lado, o BNMP, sistema de responsabilidade do CNJ, não conta com campo específico do nome da vítima, de forma que, a menos que conste expressamente em decisão judicial transcrita no mandado (e para isso há alerta sobre a restrição do nome das partes quando redigida a decisão no eproc), o nome da vítima não constará no mandado de prisão.

Com relação aos três processos enviados, a Corregedoria-Geral da Justiça analisará os casos.

Tribunal de Justiça de Rondônia

O Tribunal de Justiça de Rondônia reitera seu compromisso em buscar todos os meios para resguardar os sigilos dos dados relacionados às vítimas protegidas por lei. Eventuais inconsistências ou erros materiais são prontamente corrigidos, como no caso do mandado apontado pela reportagem, que já foi sanado.

Tribunal de Justiça do Amazonas

Os mandados judiciais acima mencionados foram emitidos antes da vigência da Lei n.º 14.857, de 21 de maio de 2024, que incluiu o art. 17-A na Lei n.º 11.340/2006, determinando, no prazo de 180 dias (a partir da sua publicação), o sigilo do nome da ofendida nos processos que apuram crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Conforme solicitado, em relação aos Mandados de Prisão emitidos, a Presidência do Tribunal de Justiça do Amazonas encaminhará à Corregedoria-Geral de Justiça para a apuração dos fatos e providências cabíveis.

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