Justiça de SP libera obra de contenção na Sena Madureira para evitar deslizamento de terra após remoção de árvores pela prefeitura
Em nova decisão, relator do caso determinou multa de R$ 100 mil para cada árvore retirada da área durante as intervenções.
Em nova decisão, Justiça mantém suspensão de obra do túnel na Sena Madureira
Em nova decisão, Justiça mantém suspensão de obra do túnel na Sena Madureira
A Justiça de São Paulo decidiu, em segunda instância, autorizar obras de contenção na Rua Sena Madureira, na Vila Mariana, para reduzir os danos causados no local pela retirada de árvores por parte da prefeitura da capital.
Na nova decisão, publicada nesta sexta-feira (6), o relator do caso, desembargador Paulo Ayrosa, considerou que a remoção das árvores deixa o solo exposto a danos, podendo causar o desabamento do talude, ou seja, deslizamento de terra, na área entre as ruas Afonso Celso, Sousa Ramos e Coronel Luis Alves.
> “As árvores já foram cortadas e removidas, sendo elas que mantinham a estabilidade do solo no local, ficando ele (talude) exposto, colocando em risco as pessoas que residem na Comunidade Sousa Lopes, e os imóveis lindeiros existentes na região, diante da iminente temporada de chuvas”, explica Ayrosa, em sua decisão.
O relator deixou claro que as únicas intervenções autorizadas são aquelas voltadas apenas para a contenção do solo e a segurança da comunidade local, estabelecendo uma multa de R$ 100 mil para cada árvore retirada da área durante o processo.
A ação foi movida pela Associação de Moradores da Comunidade Souza Lopes, pelo deputado Eduardo Suplicy (PT) e pela vereadora Luna Zarattini (PT), que pediram a suspensão das obras na Sena Madureira.
Por meio de nota divulgada à imprensa, a Prefeitura de São Paulo classificou a decisão do relator como uma “vitória” e disse que notificará o consórcio contratado para que a obra seja retomada no espaço liberado.
A Secretaria de Mobilidade e Trânsito (SMT) afirmou que a decisão foi “coerente e importante para a execução da obra”.
Protesto contra obra na Rua Sena Madureira, na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo, no último domingo (10). — Foto: Arquivo pessoal
A Prefeitura de São Paulo iniciou no dia 6 de novembro a obra para a construção de dois túneis na Rua Sena Madureira, na Zona Sul. Operários começaram a derrubar as árvores do canteiro central apesar de protesto feito por moradores.
Com base num estudo de uma consultoria ambiental, a gestão não reconhece a área como sendo de preservação permanente, diferentemente do que afirmam documentos assinados pelo próprio município.
Do alto, é possível ver o clarão em alguns pontos da rua da Vila Mariana. Os cortes no canteiro central começaram hoje, e os tapumes, que cercam a obra, viraram alvo de protesto de moradores do entorno.
O projeto da gestão Ricardo Nunes prevê melhorias para o trânsito na região, mas também o corte de 172 árvores, e a remoção de cerca de 150 famílias que vivem em duas comunidades da região.
A obra criará uma ligação entre a Sena Madureira e a Avenida Ricardo Jafet. Para isso, serão construídos dois túneis que, juntos, somam um 1,6 km de extensão.
O primeiro vai da Rua Botucatu até a altura da Rua Mairinque. E o segundo, da Rua Mairinque até a Rua Embuaçu, passando por baixo da Rua Domingos de Morais. De acordo com a prefeitura, a construção vai reduzir os congestionamentos e beneficiar mais de 800 mil pessoas que circulam pelos bairros da Vila Mariana, Ipiranga e Jabaquara.
Para abrir caminho para os carros, 78 árvores nativas devem desaparecer, além de outras 94 espécimes exóticas. Os cortes foram autorizados, mediante compensação ambiental, pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, mas moradores do entorno estão fazendo uma série de protestos contra o desmatamento.
Manifestantes fazem protesto contra obra da Prefeitura que derruba árvores na Rua Sena Madureira — Foto: Arquivo pessoal
A arquiteta e urbanista Elisa Ramalho Rocha, integrante do Conselho de Meio Ambiente da Vila Mariana, conta que essas árvores fazem parte de um corredor verde que interliga os parques Ibirapuera e da Aclimação:
“Importante para ave-fauna, importante para manter a temperatura, importante para promover a biodiversidade entre essas duas áreas verdes. Deveria ser valorizada a existência desse corredor. A gente precisa preservar e enriquecê-lo com outras árvores nativas, em vez de removê-lo”, afirmou.
O túnel também vai passar por uma área que, desde a revisão da Lei de Zoneamento, no ano passado, é reconhecida como Zepam (Zona Especial de Proteção Ambiental).
Em um mapa de 1930 da cidade, disponível no site Geosampa, é possível ver que, por ali, passa o Córrego Embuaçu. O próprio estudo de impacto ambiental, que serviu como base para Prefeitura liberar a obra, destaca a “relevância dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos na área”.
O documento ressalta ainda “a importância de preservar os espaços verdes próximos a corpos d’água, que tem papel vital na manutenção da biodiversidade, no controle de temperatura e na melhoria da qualidade do ar”.
O Córrego Embuaçu era um dos últimos a céu aberto na cidade, mas, já no início da obra, parte dele foi concretada.
A Prefeitura não reconhece a área como APP (Área de Proteção Permanente). Para Elisa Ramalho Rocha, um erro: “Existe uma nascente e um curso d’agua no local. De acordo com a legislação federal, não há dúvidas de que nós temos sim uma APP naquele local”, explicou.
GCM reprime protesto contra corte de árvores na Sena Madureira e prende ativistas
A obra também prevê a remoção de duas comunidades instaladas há pelo menos quatro décadas na região: a Souza Ramos e a Luiz Alves. Segundo os moradores, 150 famílias vão ter que se mudar. Elas reclamam que não foram avisadas oficialmente, e que ninguém apresentou um plano de remanejamento.
“Foi pela chegada dos tratores que a gente viu que estava acontecendo alguma coisa”, disse a babá Márcia de Lima, que vive há 35 anos no local. Ela tinha a esperança de, na verdade, ver a casa regularizada, já que a revisão da Lei de Zoneamento também reconheceu a área como de Interesse Social. “Nosso sentimento é de desespero. Nossa habitação é a única coisa que a gente tem”, completou ela.
CONTRATO JÁ FOI ALVO DE DENÚNCIA DE CORRUPÇÃO
A obra tinha sido contratada em 2011, pela gestão de Gilberto Kassab. Era para ter ficado pronta em 2012, mas não ficou, e o prefeito seguinte, Fernando Haddad, largou mão do projeto quando assumiu, em 2013.
Desde então, a obra estava parada. Nesse meio tempo, veio à tona uma denúncia de corrupção envolvendo a construção. Em 2018, em um desdobramento da operação Lava-Jato, o ex-presidente da empresa Galvão Engenharia, Dario Queiroz Galvão Filho, revelou ter pago R$ 1 milhão em propina a Gilberto Kassab para ganhar a licitação e o contrato. Kassab sempre negou.
O caso foi investigado e arquivado pelo Supremo Tribunal Federal, por falta de provas. É este mesmo contrato que a gestão Ricardo Nunes retomou no mês passado. A continuidade do acordo, com adequações e atualizações, foi discutida na Câmara Municipal e aprovada pelo Tribunal de Contas do Município. O argumento da Prefeitura é de que a entregar a obra novamente à Galvão Engenharia sai mais barato do que fazer uma nova licitação. Em valores atualizados, o túnel deve custar R$ 531 milhões – 140% a mais que o valor original da obra, que continua exposto no canteiro da Rua Sena Madureira.
O QUE DIZ A PREFEITURA
A gestão Ricardo Nunes garante que nenhuma família ficará desalojada, e que os moradores terão duas opções: receber uma indenização ou aceitarem a realocação em uma nova moradia. O local dessa nova habitação não foi revelado, na nota enviada à TV Globo. A prefeitura disse também que vai preservar 362 árvores existentes no local, e compensar os cortes previstos com o plantio de 266 mudas, dentro do perímetro da obra. Segundo a administração municipal, não foi confirmada a existência de nenhuma nascente hídrica na área, o que implicaria na preservação permanente do espaço.