Negros do Paraná inspiram movimentos antirracistas e letramento racial por meio da educação
Em Curitiba, histórias que nasceram da resistência mostram como o conhecimento pode transformar destinos individuais e o futuro de uma comunidade inteira.
Histórias de Iyagunã e Kandiero valorizam cultura e memória negra no Paraná
As histórias de negros do Paraná que lutam por mais letramento racial e menos racismo encontram na educação o espaço que precisam para contribuir com uma sociedade que ainda discrimina pela cor da pele.
Entre estas histórias estão as de Iyagunã Dalzira, de 83 anos, e do Mestre Kandiero, vozes do movimento negro que têm tido papel relevante na luta antirracista, especialmente em Curitiba – o Paraná é o estado com a maior população negra do Sul do Brasil, somando 34% de população autodeclarada negra, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Iyagunã concluiu os estudos na Educação de Jovens e Adultos (EJA) aos 47 anos, a graduação em Relações Internacionais aos 63, o mestrado aos 70 e o doutorado aos 81. Kandiero, escritor, pesquisador e ativista, transformou a própria luta na política do livro, abrindo caminhos para o letramento racial – processo educativo que busca desenvolver a consciência racial, a compreensão das desigualdades históricas e estruturais.
Na vida de Iyagunã, mineira de nascença e paranaense de coração, a história na educação começou com a busca pela alfabetização. A oportunidade de deixar o analfabetismo para trás veio por meio de um curso de costura, feito por correspondência.
“Esse curso me proporcionou 14 apostilas de português. Porque percebia que a comunicação estava terrível. E aí eu fui lendo, fui estudando, estudando, aí que despertou a vontade de estudar, de ir em frente, porque aí você percebe que tem coisas mais importantes, né? Para descobrir.”
Iyagunã Dalzira, uma das lideranças do movimento negro em Curitiba — Foto: RPC
Como mulher preta, ela conta que sempre precisou provar ser boa. E para isso, buscou nos livros a força e os argumentos que muitos a negavam. Com isso, ela virou exemplo de perseverança e, também, resistência.
E não ficou só no exemplo. A história ganhou espaço físico e, em 2024, foi inaugurado o Centro de Educação para Relações Étnico-raciais do Colégio Estadual do Paraná (CEP).
Com um ambiente de inspiração tão vívido, a vida dela passou a incentivar iniciativas como o Movimento Coletivo Preto, de um grupo de estudantes que resgata histórias, provoca reflexões e desenvolve arte.
Alunos do CEP, em Curitiba, criaram o Movimento Coletivo Preto — Foto: RPC
“Ela é uma das nossas principais referências, né? É, ela tem uma história de vida muito linda. quando nós tratamos das questões raciais, aqui no CEP, né, pela ótica da educação antirracista, nós pensamos sempre em mostrar toda a produção positiva de pessoas negras, né, com prioridade para Curitiba, Paraná, Brasil, né, e mostrar todas as produções de excelência que foram realizadas,” explica Cesar Augusto Cruz, chefe da divisão educacional do CEP.
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Em outro lugar de Curitiba, uma estante de livros ajuda no letramento racial. Trata-se da primeira estante afro da Biblioteca Pública do Paraná (BPP), que tem 168 anos de história.
A estante, inaugurada em setembro de 2023, reúne mais de 500 livros de autores negros do estado, do Brasil e do mundo.
A iniciativa, que leva o nome da resistência negra Maria Águeda, foi idealizada pelo Mestre Kandiero, que doou todos os livros do espaço e que estão disponíveis de graça. Maria viveu no século 19 e foi presa e assassinada por se recusar a obedecer a elite da época.




