HÁ VINTE ANOS – Pegando no pé de Fernando Henrique Cardoso
Confissão de uma leviandade
Por tudo ou por nada, pega-se no pé de Lula. Digo isso à vontade porque eu mesmo
pego. Creio que o jornalista deve ser honesto e impiedoso. Ou pelo menos se
esforçar por ser honesto e impiedoso. Faz parte do seu serviço pegar no pé dos
poderosos.
No pé do ex-presidente DE, pega-se pouco. Talvez porque ele seja ex-presidente e, como tal, não mande mais. Mas ele faz questão de não sair de cena. Por isso, o pé dele se oferece para ser pego por quem quiser. Vou pegar.
Outro dia ele fez uma afirmação escandalosa registrada com parcimônia pelos
jornais e que não provocou maior debate. Ele disse, a propósito do decreto que assinou reforçando o sigilo em torno dos documentos sobre a repressão na época da ditadura militar:
– Assinei o decreto sem medir as consequências. Se ele (Lula) achar que deve
abrir os arquivos, ele muda na hora. Ele pode mudar o decreto quando quiser.
Temos aí a confissão de uma leviandade, para dizer o mínimo. Como presidente da
República, a poucos dias do fim do seu governo, FHC assinou um decreto “sem
medir as consequências”. Terá sido o único? E logo um decreto que garante para
sempre a confidencialidade em torno de documentos que interessam a todo mundo e,
em especial, a centenas de famílias cujos parentes desapareceram ou foram
mortos.
Por que FHC, sempre tão criterioso, procedeu assim? A quem atendeu quando
assinou decreto que agora ele diz que pode ser facilmente alterado – basta que
Lula queira? Se para Lula é tão fácil mudar o decreto, por que para FHC foi
impossível não assinar?
(Publicado aqui em 9 de dezembro de 2004)