Releia últimas colunas de Luis Fernando Verissimo no jornal Zero Hora
Escritor porto-alegrense escreveu semanalmente na publicação, até janeiro de
2021, quando sofreu um AVC. Verissimo morreu neste sábado, aos 88 anos.
Luis Fernando Verissimo, um dos maiores escritores do Brasil, morre aos 88 anos
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Luis Fernando Verissimo, um dos maiores escritores do Brasil, morre aos 88 anos
Luis Fernando Verissimo
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escreveu colunas semanais no jornal Zero Hora até janeiro de 2021. A parceria
com o jornal começou no final dos anos 60, quando o escritor passou a colaborar
em diferentes formatos e editorias da publicação. O autor morreu neste sábado
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em Porto Alegre, aos 88 anos.
* Morre Luis Fernando Verissimo aos 88 anos
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Em janeiro de 2021, devido a um AVC, afastou-se da função. Sua última coluna
inédita foi “A Caixinha”, publicada no dia 21. Pelos meses seguintes, o jornal
republicou textos antigos, até outubro de 2021.
Editora-chefe do jornal, Dione Kuhn homenageou Verissimo em um texto publicado
no jornal. “Muito obrigada, Verissimo, por essa parceria bem-sucedida que se
encerra após mais de cinco décadas. Seus milhares de admiradores estão na
torcida pela sua recuperação e pelo seu retorno à literatura”, escreveu.
Retrospectivas
Publicado em 1º de janeiro de 2021
Retrospectivas de fim de ano servem para passar o passado a limpo e organizar
nossas lembranças, que sem elas seriam histórias sem nexo. O retrospectivista
mais desatento da História foi Luís XVI, que na véspera da Revolução Francesa
escreveu no seu diário: “Tudo calmo, nenhuma novidade no reino”.
A tradição de recapitular os principais acontecimentos do ano teria começado no
ano 1, quando um viajante no deserto anotou no seu caderno de viagem a presença
daquela estranha estrela no céu da Judeia, brilhando mais do que as outras, como
que mostrando um caminho, e disse “Epa”.
No jornalismo uma retrospectiva de fim de ano é obrigatória, e fácil de fazer.
Basta juntar fatos e feitos que se destacaram durante o ano, e pronto. O ano de
2020, que termina agora, por exemplo, esteve cheio de notícias destacáveis, como
todos os anos. É só reuni-las e teremos um típico ano com seus altos e baixos,
esperando sua inclusão na retrospectiva. Como todos os anos. Certo?
Você deve estar brincando com os pobres autores de retrospectivas e com a
humanidade em geral. Nenhum outro ano na nossa história foi tão diferente dos
outros quanto 2020. Nenhuma outra retrospectiva foi – e continua sendo – tão
inverossímil. Um vírus mal-intencionado surgiu não se sabe de onde decidido a
acabar conosco e, mesmo se não conseguir, alterar a vida sobre a Terra e a
relação entre as pessoas de maneira inédita, com efeitos imprevisíveis no futuro
de cada um.
Retrospectivas por vir terão que recorrer à ficção ou ao delírio para contar
como foi 2020 e seus desdobramentos. Elas podem muito bem ser sobre a guerra da
vacina que fatalmente acontecerá em poucos anos, ricos contra pobres lutando
pela sobrevivência. Prevê-se que retrospectivas do futuro se ocuparão do
comportamento de jovens em 2020 e depois, que desafiaram as recomendações de
como enfrentar o vírus assassino e continuaram fazendo festas sem qualquer
proteção, sugerindo que o vírus, além de todos os seus crimes, criara uma
geração de desinformados, de alienados ou de suicidas.
1 de 2 Releia última coluna escrita por Luis Fernando Verissimo no jornal Zero
Hora — Foto: Reprodução
Releia última coluna escrita por Luis Fernando Verissimo no jornal Zero Hora —
Foto: Reprodução
Cabelos azuis
Publicado em 7 de janeiro de 2021
Quando as histórias em quadrinhos começaram a ser impressas a cores notou-se que
seus heróis ou tinham cabelos loiros, ou, estranhamente, cabelos azuis. Vez que
outra aparecia alguém de cabelo preto nas historinhas coloridas, mas era raro. O
comum era o azul. Não me lembro de, garoto, dar muita atenção ao fato.
Era natural que, além dos seus poderes, os super-heróis também pudessem escolher
a cor dos seus cabelos, inclusive o azul, por que não? Só anos mais tarde me dei
conta: cabelos pretos significavam que o personagem era negro ou latino. Amarelo
ou azul, que o personagem era indiscutivelmente branco. Naquele tempo, na
América, a distinção racial era importante. Continua sendo, mas confesso que sei
pouco sobre o que os super-heróis de hoje têm na cabeça, e de que cor.
Talvez ainda seja o azul. Corte rápido. Li que no Ano-Novo o céu de Trancoso, na
Bahia, se encheu de aviões particulares querendo descer, a ponto de criar um
problema para as autoridades da Aeronáutica. Que, sem entender de hierarquia
social e da lista da Forbes, não sabia a quem dar prioridade para o pouso.
Felizmente não houve uma tragédia, que eliminaria boa parte do PIB nacional.
O pessoal chegava a Trancoso para se divertir em várias aglomerações e quem
aparecia com máscara era vaiado e chamado de maricas. As festas atravessaram a
noite de ano-bom e qualquer um podia entrar, desde que mostrasse prova de ter
sonegado impostos no ano que acabava e de saber a senha da elite brasileira. Que
– isto pouca gente sabe – é “cabelos azuis”. A senha não significa que a elite
brasileira tenha cabelos permanentemente azuis que a identificam e garantem seus
privilégios.
Os cabelos azuis do código dos ricos significam o mesmo que significavam nas
histórias em quadrinhos: são fronteiras bem definidas e intransponíveis de
classe. E se você protestar que essas fronteiras protegem uma elite criminosa na
sua inconsciência, vai ver é por inveja das festas que eles dão. Sem falar nos
aviões particulares.
A caixinha
Publicado em 14 de janeiro de 2021
Discute-se a melhor maneira de punir o presidente Trump por ter incitado a
invasão do Congresso e criado as cenas de caos que os americanos não vão
esquecer tão cedo. Ele poderia ser processado ou impichado (de novo). Estou
escrevendo antes da escolha do castigo.
A última notícia que se tem é de que Trump estaria trancado no seu quarto na
Casa Branca, recusando-se a receber assistentes, amigos e parentes. Do lado de
fora da porta, teria se formado uma espécie de comitê que tenta convencê-lo a se
entregar ou pelo menos conversar. Trump resiste. A qualquer tentativa de
comunicação, ele começa a cantar. Convites para saírem todos dali e irem jogar
golfe também são ignorados.
Trump só respondeu quando perguntaram se ele precisava de alguma coisa.
— Preciso de mais quatro anos de governo.
— Mas o senhor perdeu as eleições.
— Invenção da imprensa sem caráter. Se eu tivesse contado os votos, teria
vencido.
— O senhor não precisa de mais nada mesmo? Algo para os cabelos? Tintura?
Armação?
— Tenho tudo do que eu preciso, obrigado. Inclusive a caixinha…
—A caixinha?
—A caixinha. Com os dois botões. Um dispara foguetes contra a Rússia, o outro
dispara foguetes contra o Congresso americano.
A revelação de que Trump tem a caixinha dentro do quarto fechado provoca uma
correria dentro da Casa Branca. Ele tem a caixinha! Ele tem a caixinha! Ele não
tem a caixinha! Alguém viu a caixinha?
Perguntam para ele:
— Presidente, o senhor usaria armas nucleares contra a Rússia e o Congresso? —
Se me provocarem…
2 de 2 Escritor brasileiro Luis Fernando Verissimo — Foto: Mateus Bruxel/
Agência RBS
Escritor brasileiro Luis Fernando Verissimo — Foto: Mateus Bruxel/ Agência RBS
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