Manifestações contra a cultura russa: até o strogonoff paga conta da guerra

Boicote a um regente russo, cancelamento de palestra sobre o escritor Fiódor Dostoiévski e até mesmo a retirada do strogonoff do cardápio de um restaurante são exemplos de práticas que têm sido adotadas para manifestar posição contrária à guerra na Ucrânia. Essas ações, no entanto, extrapolam a esfera política e podem ser entendidas como práticas xenofóbicas, na medida em que discriminam a cultura russa e podem estimular comportamentos mais agressivos. 

O advogado Danilo Kozemekin é brasileiro, neto de russos, vive em São Paulo e observa aumento crescente de ataques racistas. Ele conta que foi criado pelos avós e compartilha valores e práticas da comunidade russa, sobretudo em torno da convivência na igreja ortodoxa. “O que mais me assusta e me deixa bem triste é que as ameaças começaram nas igrejas”, relata. Danilo acrescenta que foram deixadas mensagens na caixa postal com referências nazistas. “Diziam que nós merecíamos ter morrido na Segunda Guerra Mundial”.

Para Vanessa Matijascic, professora de relações internacionais do Centro Universitário Armando Alvares Penteado (Faap), é preciso diferenciar sanções econômicas e políticas relacionadas à guerra. “Essa dicotomia é muito problemática, porque você simplifica algo, você extrapola uma esfera que é intervenção política de determinado presidente, em determinado tempo, e vai atribuir isso a todas as expressões russas, a todo o povo russo indiscriminadamente. Não dá para pegar um evento político e, a partir disso, transformar todas as outras esferas numa penitência”, afirma.

A professora chama a atenção para generalizações que podem se aproximar de práticas discriminatórias históricas, como as que ocorreram no período do nazismo e fascismo. Vanessa avalia que essas posições preconceituosas incorrem na mesma sistemática. “Eu acredito que isso tem a ver com o contexto mundial, um pouco antes da pandemia, de ascensão de grupos, em determinados países, de extrema direita ou essa extrema direita ganhando um pouco mais de espaço”, alerta.

Danilo Kozemekin lembra que, apesar de as ameaças de agressão terem aumentado no contexto da guerra, elas já ocorriam anteriormente por meio das redes sociais da comunidade russa. É o que ele chama de russofobia. “Dentro da cultura pop, por exemplo, o russo sempre é o mau, o vilão”, exemplifica referindo-se aos filmes, sobretudo do período da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a Rússia. Vanessa acrescenta outros elementos históricos, especialmente no século 20, como a propaganda nazista de Adolf Hitler.

A professora ressalta o papel da imprensa, no sentido de mostrar diferentes posições para que o consumidor da informação possa formar sua opinião. Ela lamenta que por se constituírem como empresas, muitas vezes isso não ocorre. Vanessa explica, por exemplo, a partir da corrente chamada de Realismo em Relações Internacionais, que é natural entender a intervenção russa na Ucrânia, já que esse país começou com o pedido para entrada da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan.

Ela reconstrói a geopolítica do pós-guerra, em 1945, e dos acordos que se sucederam, entre eles a formação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para explicar sua opinião. “No continente americano, basicamente, grande parte das questões mais nevrálgicas dentro de áreas militares de defesa perpassam os Estados Unidos, porque é a potência da região. E com relação aos chamados espaços pós-soviéticos também, e a Ucrânia é um caso claro sobre isso”, compara a pesquisadora. Essa leitura, no entanto, muitas vezes fica secundarizada no noticiário, construindo uma narrativa dicotômica da guerra.

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Tribunal Penal Internacional emite mandado de prisão contra Netanyahu e líder do Hamas por crimes de guerra

O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu, nesta quinta-feira, 21, mandados de prisão internacional para o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o ex-ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, e o líder do Hamas, Mohammed Deif, por supostos crimes de guerra e contra a humanidade.
 
Os mandados foram expedidos após o procurador do TPI, Karim Khan, ter solicitado a prisão deles em maio, citando crimes relacionados aos ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 e à resposta militar israelense em Gaza. O TPI afirmou ter encontrado “motivos razoáveis” para acreditar que Netanyahu e Gallant têm responsabilidade criminal por crimes de guerra, incluindo a “fome como método de guerra” e os “crimes contra a humanidade de assassinato, perseguição e outros atos desumanos”.
 
Netanyahu e Gallant são acusados de terem privado intencionalmente a população civil de Gaza de bens essenciais à sua sobrevivência, como alimentos, água, medicamentos, combustível e eletricidade, entre outubro de 2023 e maio de 2024. Essas ações resultaram em consequências graves, incluindo a morte de civis, especialmente crianças, devido à desnutrição e desidratação.
 
Mohammed Deif, líder militar do Hamas, também foi alvo de um mandado de prisão. O TPI encontrou “motivos razoáveis” para acreditar que Deif é responsável por “crimes contra a humanidade, incluindo assassinato, extermínio, tortura, estupro e outras formas de violência sexual, bem como crimes de guerra de assassinato, tratamento cruel, tortura, tomada de reféns, ultrajes à dignidade pessoal, estupro e outras formas de violência sexual”.
 
Os mandados de prisão foram emitidos para todos os 124 países signatários do TPI, incluindo o Brasil, o que significa que os governos desses países se comprometem a cumprir a sentença e prender qualquer um dos condenados caso eles entrem em territórios nacionais.
O governo israelense rejeitou a decisão do TPI, questionando a jurisdição do tribunal sobre o caso. No entanto, os juízes rejeitaram o recurso por unanimidade e emitiram os mandados. O gabinete de Netanyahu classificou a sentença de “antissemita” e “mentiras absurdas”, enquanto o líder da oposição, Yair Lapid, a chamou de “uma recompensa ao terrorismo”. O ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett também criticou a decisão, considerando-a uma “vergonha” para o TPI.
O conflito na Faixa de Gaza, que se arrasta há mais de um ano, deixou milhares de mortos e devastou a região. A decisão do TPI simboliza um avanço na responsabilização por crimes graves, embora sua eficácia prática seja limitada, dado que Israel e os Estados Unidos não são membros do TPI e não reconhecem sua jurisdição.

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