Entenda como maré baixa consegue ampliar em até 4 quilômetros faixa de areia em praia do Ceará
A zona de areia durante as marés baixas na Praia de Arpoeiras, em Acaraú, traz paisagens diferentes no mesmo dia. Aspectos geológicos, formação de delta na maré e influência do sol e da lua ajudam a formar o efeito de ‘praia seca’.
Faixa de areia na Praia de Arpoeiras (CE) varia em até 4 km durante o dia.
Movimentos do nível do mar há milhares de anos, proximidade com o rio e a interação entre Terra, sol e lua são aspectos que ajudam a explicar o fenômeno da “praia seca” em Arpoeiras, no município de Acaraú. Com este conjunto de fatores, a praia do litoral oeste do Ceará chega a ter até 4 km de areia durante as marés baixas.
A região conta com a formação de um delta de maré, caracterizado pela chegada das águas do rio no mar e a concentração de uma planície de sedimentos. Para entender esta história, é preciso imaginar como estava o litoral cearense há cerca de 20 mil anos.
Os aspectos que levaram à formação do delta de maré no Acaraú são:
– a queda do nível do mar há milhares de anos
– o acúmulo de sedimentos trazidos pelo rio Acaraú neste período
– a característica rasa e plana da plataforma continental na região
Há cerca de 20 mil anos, o nível do mar esteve mais baixo pela última vez na costa brasileira, como detalha Jeovah Meireles, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC). O período, conhecido como Último Máximo Glacial, tinha temperaturas médias até 6° C mais frias que hoje e grandes camadas de gelo, levando a uma grande queda no nível do mar, que estava cerca de 120 metros abaixo.
Para chegar ao mar naquela época, uma pessoa precisaria andar pelo menos 40 km a partir do que hoje é a costa cearense, exemplifica Jeovah Meireles. Dos últimos 20 mil anos para cá, o nível do mar veio subindo até os limites conhecidos atualmente. Enquanto o nível do mar esteve neste ponto mais baixo, outro elemento estava em ação: o rio Acaraú, que fica próximo à atual Praia de Arpoeiras, levando sedimentos para a região.
Ele detalha que outra região do Ceará também teve um processo de formação de delta de maré: a praia do Icapuí, situada no litoral leste, por influência do estuário Barra Grande. O delta de maré do Acaraú também acumula sedimentos que vêm de longe, pelo mar e pela direção dos ventos – do oeste para o leste.
Outra característica da região é que a praia está sobre uma plataforma continental rasa e plana. Estas condições topográficas favorecem o cenário atual: um grande espaço por onde caminhar quando a maré está baixa. Conforme Jeovah Meireles, esta grande zona intermareal (a faixa de areia que fica visível na maré baixa), também pode estar associada aos movimentos tectônicos. Como explica, pequenas subidas na plataforma continental podem deixar este “fundo do mar” mais raso.
A variação das marés é um fenômeno cíclico e diário, com alternância entre a maré alta e a maré baixa. Estes movimentos dependem da posição da Terra em relação à Lua e ao Sol. A atração gravitacional da Lua e do Sol faz com que as massas de água da Terra acompanhem estes movimentos.
Na Praia de Arpoeiras, os dias de lua cheia e de lua nova trazem o fenômeno da “praia seca” mais acentuado. A faixa de areia ganha até 4 km de extensão. Nos períodos do Quarto Minguante e do Quarto Crescente, essas distâncias caem para até 2 km de faixa de areia. O sol também influencia nas marés. Por isso, regiões mais próximas à Linha do Equador tendem a ter variações maiores entre os níveis do mar.
Embora chame a atenção de visitantes pela beleza e pela tranquilidade, a Praia de Arpoeiras exige cuidados para que o turismo seja sustentável. Um dos alertas trazidos pelo geógrafo Jeovah Meireles é para quem visita sem conhecer as dinâmicas da praia: para ele, é importante ter o cuidado de não caminhar por toda a extensão da areia e ficar atento aos momentos em que a maré volta a encher. Durante os períodos em que ele pesquisou o delta de maré em Icapuí, ele recorda que os pescadores locais gritavam para que ele saísse quando a água começava a encher a praia novamente.
É importante alertar as pessoas a tomarem cuidado e terem todo o respeito por ser um ambiente de exceção, de elevada produtividade pesqueira, onde essas populações têm essa relação de convivência, de estratégias para a produção de alimentos e seus modo de vida”, comenta o professor. Ele reforça, também, os danos que uma atividade de turismo predatório poderia trazer em um ambiente de sistemas ambientais conectados e diversos. Um exemplo seria o trânsito de veículos na areia. Além do risco para o usuário quando a maré subir, o contato dos combustíveis com a praia é apontado como um risco para a biodiversidade da região. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará: