Técnico do sub-17 do São Paulo conta relação com Muricy e critica uso de redes
sociais por jogadores
Mário Ramalho é sobrinho de multicampeão e hoje dirigente do Tricolor; ele diz
que a ânsia por sucesso atrapalha o processo de formação dos atletas:
“Autopromoção o tempo todo”
Mário Ramalho explica como evitar que os jogadores da base se deslumbrem
[https://s04.video.glbimg.com/x240/14106727.jpg]
O sobrenome Ramalho é muito familiar ao torcedor do São Paulo
[https://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/], principalmente na
área técnica. Mário Ramalho, comandante do sub-17, é sobrinho de Muricy e um
formador de jogadores por natureza. Em entrevista ao ge, o treinador revelou os
maiores desafios de um técnico de base, suas inspirações e os papos que tem com
o tio, hoje seu chefe, sobre o esporte.
Em um futebol no qual os garotos estão expostos cada vez mais cedo a procura de
clubes europeus, holofotes da mídia e redes sociais, Mário explicou que mais do
que os desafios táticos e técnicos, segurar a onda dos jogadores se tornou uma
competência relevante para os formadores.
O treinador crê que a exposição das redes sociais é ainda pior do que o assédio
de clubes estrangeiros, pois os jogadores buscam mostrar seu sucesso a todo
custo e o tempo todo. Nas redes, os jovens buscam passar uma imagem de sucesso,
principalmente, para aqueles que estão em volta.
– Vejo uma tendência muito grande nos garotos de sentirem a necessidade de serem
protagonistas o tempo todo. De ser um “case” de sucesso para a família, para as
pessoas que acreditam nele e estão perto e se permitirmos isso, o jogador ficará
com uma pressão interna para desenvolver a carreira dele absurda.
– Nas mídias sociais, há necessidade de as pessoas se autopromoverem o tempo
todo, acho que não precisa ter clubes de fora fazendo convites para que o atleta
trabalhe para seu próprio ego. Acho que as redes sociais no que vivemos hoje, já
é suficiente para o atleta pensar só nele, pensar em jogar futebol para mudar de
vida – completou o comandante tricolor.
Para controlar os ânimos dos garotos, Mário aposta na sinceridade e
transparência. Além disso, o treinador acredita que uma das grandes
responsabilidades de sua profissão é tomar decisões, por mais duras que elas
sejam.
– Nosso papel é orientar e decidir também, quando tiver que tiver vou tirar, é
falar a verdade nua e crua para eles, encarar a verdade é trazer uma
responsabilidade para o atleta que tem que assumir, logo fazer com que ele
amadureça no contexto possível, não sendo pai, mas sendo um treinador. Temos um
papel importante para que eles não se percam no meio de tudo isso – indicou o
comandante.
Mário usou como exemplo Henrique Carmo, um jogador que foi seu comandado, subiu
para o profissional, se destacou e depois foi vendido. Em uma ocasião, ele o
escalou em uma posição na qual o atacante não se sentia confortável e, apesar de
desagradar ao atleta, isso o forçou a desenvolver novas características.
– Ele [Henrique] sempre queria jogar pela ponta direita para cortar para o meio
e finalizar. Nisso fizemos uma viagem para a Bolívia e falei que ele iria jogar
pelo lado esquerdo. Ele ficava bravo comigo, perguntava o porquê daquilo, dizia
que não conseguia fazer o que ele mais gostava e eu disse que ele tinha que
desenvolver ou fazer a finalização com o pé direito ou levar para o fundo e
cruzar para não perder o centroavante, então trabalhamos bem esses elementos
para aproveitar o que o jogador tem de bom, mas sempre trazer um algo a mais.
Um dos trunfos do técnico do sub-17 do São Paulo
[https://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/] é ter trabalhado fora
do futebol antes de assumir o papel de treinador. Mário tentou ser jogador, mas
acabou seguindo o lado acadêmico e cursou educação física.
Depois disso, trabalhou como instrutor de natação, em clubes de recreação, deu
aulas de musculação, foi coordenador de ONG e de projetos sociais ligados ao
futebol de forma educacional, além de seis anos em escolas. Isso fez com que
Mário Ramalho trouxesse uma bagagem diferente para os grandes clubes do futebol.
– Eu tento trazer essa bagagem de toda minha carreira, as vezes até tomo o
espaço do meu preparador físico para fazer uma brincadeira com eles, algo como
um jogo de rua, que a gente chama de jogos pré-desportivos.
– Um jogo que faz o atleta pensar, usar outras referências, faz interagir, dar
risada, pular corda, queimada, pique-bandeira, polícia e ladrão, qualquer coisa
que for necessário para trazer essa realidade para o campo e desenvolver outras
competências que ajudam na hora do jogo – explicou Mário.
Ao contrário do muitos pensam, Mário não teve uma grande convivência com Muricy
durante sua infância e juventude, justamente pelo tio viver longe de casa por
causa do futebol.
– A proximidade quem tem é filho, esposa, esse tipo de proximidade, e ele como
qualquer outro profissional do futebol fica muito ausente, então como atleta por
exemplo ele ficou seis anos no México. Depois como treinador, a maior parte do
tempo ele sempre trabalhou fora de São Paulo
[https://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/]. A minha família é de
São Paulo [https://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/], então o
contato que tínhamos era em momentos pontuais.
A contratação pelo São Paulo
[https://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/] também não teve nada a
ver com o tio, já que, quando chegou ao clube, Muricy sequer estava trabalhando
no Tricolor.
– Quando eu vim para cá ele nem estava no São Paulo
[https://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/]. Me viram trabalhar no
Santos, fiz o processo seletivo aqui e a primeira coisa quando vim fazer a
entrevista, quando um coordenador me perguntou se eu era sobrinho do Muricy, eu
deixei claro que não tinha nada a ver com ele, que queria seguir minha carreira,
para fazer minha história, e é o que tento fazer.
Mário faz questão de separar bem as relações e não quer ser conhecido como o
sobrinho de Muricy, mas sim pelo trabalho que faz.
> – Não quero que as pessoas relacionem minha carreira com o Muricy, apesar de
> ser uma coisa legal, mas quero construir minha história de maneira
> independente, consolidada e com mérito, é isso que espero.
Isso não quer dizer que o tio não sirva de inspiração para ele. Mário vê em
Muricy um grande profissional vitorioso e leva diversas lições, dentre as
principais: a transparência no trabalho e autonomia e coragem para tomada de
decisões.
– Seja transparente com as pessoas, se ensinam ou não, seja autêntico e honesto
nas tuas decisões. E a segunda coisa é: não tenha medo de decidir. O treinador
não pode ter medo de decidir, se o atleta perceber que temos medo de decidir ele
perde a confiança em você, pois as vezes você está num ambiente de pressão, com
medo das consequências, então se não tivermos a coragem de decidir, perdemos o
comando.
Além do próprio tio, Mário tem como inspirações e referências os trabalhos de
Fernando Diniz e Renato Gaúcho, um pela forma autoral de montar as equipes e o
outro pela gestão dos elencos.
– Quando se fala de coragem, autonomia, desenvolver autonomia nos jogadores,
quando se fala de identidade de trabalho, o Diniz é muito diferente. É um cara
extremamente importante para o futebol de hoje. É um treinador que traz muita
identificação com o nosso futebol do Brasil, um jogo que fica com a bola, que
tem emoção, que expressa toda indignação quando perde.
– Renato Gaúcho, pela liderança que ele tem com todos os grupos que ele
trabalha, que confronta as realidades do sistema sem medo, que recupera jogador.
Ele é um cara que quando se fala de relações institucionais, com atletas, com a
mídia, com dirigentes, tem uma competência muito importante – completou o
treinador do sub-17 do São Paulo
[https://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/].
VEJA OUTRAS RESPOSTAS DO TREINADOR:
* Jovens para ficar de olho
– O Brenno, estou com ele desde o sub-15, ele às vezes não era nem relacionado
para os jogos e quando era relacionado era reserva, e hoje é titular. É um
centroavante técnico, com bom biotipo para jogo aéreo, é ambidestro, no
acabamento das jogadas perto do gol ele tem uma boa desenvoltura.
– O João Nery passou por uma missão difícil, o Ângelo sempre foi um jogador de
Seleção, muito diferente tecnicamente. O João é um jogador mais de espaço, gosta
de espaço para correr, é um jogador muito potente e leve. É um jogador de muito
arraste, muito inteligente para defender, traz um equilíbrio defensivo muito
grande.
– O Ângelo, como você falou, é um jogador que já foi vendido porque é diferente.
É um lateral com característica de meia, com muito recurso técnico, com
criatividade absurda, decide com drible, com passe, com finalização.
* Como aliar comprometimento tático à liberdade criativa
– A tática é para organizar, conceituar, para o atleta entender como vai gerir
os espaços, as tendências do jogo, a dinâmica do jogo, mas as decisões com a
bola no pé ou até mesmo sem ela, o jogador precisa ter autonomia e quem
desenvolve isso somos nós mesmos. Uma coisa que não podemos ser, nós como
treinadores, é protagonistas do processo. Isso quem deve ser é o próprio atleta.
– Trazer na identidade do jogo o que o São Paulo
[DE.globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/ acredita ser o ideal,
um jogo pra frente, um jogo autônomo, leve, que agrada de ver, com criatividade,
então preciso deixar eles fazerem e não só no jogo, mas no dia a dia, nos
treinos, na minha relação com eles, para que se sintam à vontade em criar e
desenvolver o próprio jogo. Desse jeito o jogo fica mais agradável. Confesso que
é um jogo de maior risco.
– É pensar no atleta que é a peça mais importante de tudo isso.
* Pular etapas ou respeitar o passo a passo do processo de formação?
– Há atletas que se desenvolvem depois dos outros. Temos vários exemplos aqui, o
Antony é um exemplo disso, eu não trabalhei com ele, mas vejo as pessoas falando
que nas idades menores ele não era o cara que se destacava, que mais jogava,
pois a fase de desenvolvimento até fisiológica dele era mais tardia que a dos
outros, e a partir dos 16 anos isso começou a se igualar. Normalmente, quando
isso acontece, o atleta tem uma capacidade de aprendizagem ainda maior do que
aqueles que ficaram prontos lá atrás.
– É o treino que desenvolve o atleta, o jogo é um complemento do treino.




