De brasão de cidade a nome de escola de samba, conheça fruta que é símbolo de
resistência no Cerrado
Da mesma família da graviola e da pinha, marolo já foi desprezado durante
ascensão do café, mas voltou a ganhar destaque nos anos 80.
O marolo oferece benefícios nutricionais importantes, como vitaminas A,
C, E e do complexo B, além de ferro, fósforo e cálcio — Foto: Rosa
Cartagenes/iNaturalist
Com nome de origem guarani que significa “fruta mole”, o marolo (Annona
crassiflora) é um daqueles presentes raros da natureza que carregam história,
tradição e um aroma inconfundível.
Também conhecido como araticum, bruto, cascudo ou pinha-do-cerrado, o fruto
pertence à família das anonáceas, a mesma da graviola e da pinha, e é encontrado
especialmente no Cerrado brasileiro.
“É uma fruta muito querida por quem cresce em regiões onde ela nasce
espontaneamente. O cheiro é forte, doce, inconfundível. Quem conhece, nunca
esquece”, diz a botânica Carolina Ferreira.
Marolo é fruto típico de Paraguaçu (MG) — Foto: João Camilo
Na cidade de Paraguaçu (MG), o marolo é mais que uma fruta: é símbolo de
identidade. Apesar de já ter sido desprezada durante o auge da produção de café
– quando muitos pés foram arrancados – a planta voltou a ganhar destaque nos
anos 80, com o renascimento do orgulho local e o surgimento da tradicional Festa
do Marolo.
> “Ser chamado de ‘maroleiro’ já foi ofensa, sinônimo de caipira sem ambição.
> Hoje, é motivo de orgulho. O marolo virou símbolo no brasão da cidade e até
> nome de escola de samba”, conta Carolina.
A polpa do marolo é amarelo-clara, espessa, macia e tem um sabor que lembra o
doce de frutas tropicais com um toque terroso. O aroma forte pode causar
estranhamento para quem nunca provou, mas é exatamente esse cheiro marcante que
dá identidade à fruta.
Por fora, os frutos são cobertos por pequenos pelos marrons-avermelhados que
desaparecem à medida que amadurecem. Outro traço curioso está nas flores:
grandes, com pétalas carnosas que se abrem à noite.
O marolo pertence à família das anonáceas, a mesma da graviola e da
pinha, e é encontrado especialmente no Cerrado brasileiro — Foto: Thomaz Ricardo
Favreto Sinani/iNaturalist
“As flores são classificadas como termogênicas, uma vez que há um aquecimento no
interior da flor que pode chegar até 10 graus acima da temperatura ambiente – o
que atrai os besouros”, explica Carolina.
O marolo cresce naturalmente nos cerrados do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil,
incluindo Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Maranhão, Tocantins, Pará, Bahia e
Piauí.
Adaptado aos solos ácidos e pobres em nutrientes, a planta se desenvolve bem em
regiões de clima tropical, com solo profundo e bem drenado.
A árvore pode atingir de 4 a 8 metros de altura e começa a frutificar entre o
quarto e o quinto ano após o plantio.
Versátil, o marolo pode ser consumido in natura ou usado em receitas como
licores, doces, tortas, geleias, sucos, sorvetes e iogurtes — Foto: Reprodução/EPTV
Em Paraguaçu, a criatividade dos cozinheiros transformou a fruta em estrela de
receitas que passam de geração em geração.
Além do sabor exótico, o marolo oferece benefícios nutricionais importantes. A
fruta contém vitaminas A, C, E e do complexo B, além de ferro, fósforo, cálcio,
fibras e lipídeos.
Na medicina popular, suas folhas e sementes são usadas em infusões para tratar
reumatismo, sífilis e diarreia, além de combater patologias no couro cabeludo.
O marolo cresce naturalmente nos cerrados do Centro-Oeste e Sudeste do
Brasil — Foto: João Arthur Rabello/iNaturalist
No entanto, a botânica Carolina Ferreira faz um alerta: “Estudos apontam efeitos
tóxicos em algumas partes da planta, então o uso medicinal deve ser feito com
cuidado. Ainda faltam ensaios clínicos que comprovem segurança e eficácia”.
Embora ainda não esteja oficialmente listado como espécie ameaçada, o marolo
vive sob risco constante.
> “O avanço das monoculturas e a destruição do Cerrado são grandes ameaças à sua
> existência”, alerta Carolina.
Adaptado aos solos ácidos e pobres em nutrientes, a planta se desenvolve bem em
regiões de clima tropical — Foto: Eric Fischer Rempe/iNaturalist
Apesar disso, há esperança. Segundo a Universidade Federal de Lavras, o marolo
tem potencial para movimentar mercados locais, desde que haja pesquisa,
incentivo e políticas públicas que garantam o plantio sustentável e o
envolvimento das comunidades.
De flor termogênica a símbolo cultural, de medicina popular a sobremesa
requintada, o marolo é uma joia do Cerrado ainda pouco explorada.
Proteger essa fruta e todo o ecossistema ao seu redor é preservar não só uma
espécie, mas uma herança viva da biodiversidade e da cultura brasileira. Como
diz Carolina Ferreira: “O marolo é resistência, sabor e história em forma de
fruta. E merece muito mais do que um papel de coadjuvante”.