Média de mortes de quilombolas dobra entre 2018 e 2022, diz pesquisa

Três meses após o assassinato de Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, do Quilombo de Pitanga dos Palmares, na Bahia, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a Terra de Direitos divulgaram, nesta sexta-feira ,17, um estudo que mostra o crescimento da violência em comunidades tradicionais. Segundo a nova edição da pesquisa Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil, a média anual de assassinatos praticamente dobrou nos últimos cinco anos, se comparado ao período de 2008 a 2017. 

A morte de Mãe Bernadete, em agosto, não está contabilizada no estudo. Em 2023, há um levantamento preliminar de sete mortes. A pesquisa mostra que, entre 2018 e 2022, houve 32 assassinatos em 11 estados. Ainda de acordo com o estudo, as principais causas desses ataques foram conflitos fundiários e violência de gênero.

Ao menos 13 quilombolas foram mortos no contexto de luta e defesa do território.  As entidades pretendem entregar o estudo a autoridades do Executivo federal e estaduais e secretarias de Justiça dos estados, além do Poderes Legislativo e Judiciário a partir desta sexta-feira.

Na primeira edição da pesquisa (2008 a 2017), havia um mapeamento de 38 assassinatos ocorridos no período de dez anos (2008-2017). A média anual de assassinatos, que era de 3,8, passou a ser de 6,4 ao ano. Em 15 anos, 70 quilombolas foram assassinados.

Racismo

Segundo uma das pesquisadoras, a socióloga Givânia Maria da Silva, coordenadora do coletivo nacional de educação da Conaq, o levantamento foi feito em campo nas próprias comunidades. Ela identifica que os números vão além do que é noticiado pelos meios de comunicação e espelham uma estrutura racista da sociedade brasileira.

A questão da terra no Brasil é fundamental na discussão, assinalam as entidades pesquisadoras. “Ao falar da política de terra, a gente vê o quanto essa questão é atravessada pelo racismo. No Brasil, a impressão que eu tenho é que falar de terra, tendo pessoas negras como proprietárias, parece que ainda é mais grave”, acentua.

O coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, sublinha que demonstrações de racismo estrutural e institucional formam o pano de fundo da violência. Ele acrescenta que a morosidade do processo de regularização fundiária proporciona que a violência se amplie. Por isso, é necessário, explica, que a gestão pública atue tanto no combate à violência como nas ações de garantia de direitos. “Não ter política pública gera mais violência”, opina.

Os estados do Maranhão ,9, Bahia ,4, Pernambuco ,4, e Pará ,4, têm os maiores números de casos. “Se a gente fosse atualizar, a Bahia estaria em primeiro lugar. A Mãe Bernadette morreu da mesma forma que o filho dela. O filho morreu reivindicando o território e ela buscando justiça pela morte do filho. É mais um direito silenciado a partir do assassinato”, afirmou.

Comunidades como alvos

O filho de Mãe Bernadete, Jurandir Wellington Pacífico, de 43 anos, também entende que a falta da titulação da terra propiciou o assassinato da mãe dele. “As terras quilombolas são fontes de energia e também são alvos da grilagem e do tráfico”, disse o gestor cultural, que também é liderança do Pitanga dos Palmares. “Minha mãe era uma representante mundial da causa e que sempre lutou pelo empoderamento feminino”, acrescenta.

A socióloga Givânia Silva entende que a pesquisa pode trazer mais visibilidade às necessidades dos governos federal e estaduais de darem mais atenção à problemática, uma vez que houve perda de orçamento para segurança pública desde 2016.

As entidades realizadoras do estudo explicam que, além de assassinatos, o estudo traz um levantamento de violações de direitos sofridos por comunidades quilombolas em que houve identificação de morte causada por crimes.

Segundo a pesquisa, em 10 das 26 comunidades em que foram registrados assassinatos não há processos abertos no Instituto Nacional de Reforma e Colonização Agrária (Incra), autarquia responsável pela regularização fundiária dos territórios quilombolas. Nessa situação, sete assassinatos (70%) foram motivados por conflitos fundiários.

Entre os 11 quilombos que estão totalmente ou parcialmente titulados, os conflitos fundiários representaram 27% dos assassinatos. O estudo chama atenção para 1.805 processos abertos no Incra para regularização fundiária de territórios quilombolas, segundo a Fundação Palmares

Proteção dos defensores

As entidades recomendam que o Estado e municípios elaborem planos de titulação dos territórios quilombolas, com metas concretas anuais, orçamento adequado e estrutura administrativa para a titulação dos territórios quilombolas. O levantamento reitera a necessidade de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos.

Nessa linha, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania reinstalou a Comissão Nacional do Enfrentamento à Violência no Campo. O grupo, em reunião nesta semana, reiterou a necessidade de consolidação da proteção coletiva de povos indígenas e quilombolas.

A comissão pretende definir protocolo de investigação de crimes praticados “contra defensores de direitos humanos e a morosidade das ações voltadas à reforma agrária e demarcação de territórios tradicionais que acaba por escalar tensões e conflitos”.

Os membros do grupo devem ter encontros mensais para elaborar uma proposta de anteprojeto de lei sobre a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, aos Comunicadores e aos Ambientalistas. O prazo para conclusão do trabalho é de seis meses.

A página do Incra (autarquia responsável pela titulação dos territórios quilombolas) aponta que a política de regularização fundiária de terras quilombolas é “de suma importância para a dignidade e garantia da continuidade desses grupos étnicos”. O endereço disponibiliza documentos como o acompanhamento de processos de regularização quilombola e a relação de processos de regularização de territórios quilombolas abertos.

Dor e luto

Filho da Mãe Bernadete, Jurandir Pacífico, mesmo em dias de dor e luto, busca honrar a memória de luta da mãe. No ano que vem, pretende inaugurar um instituto que leva o nome dela com o objetivo de manter todo o legado cultural e social da mãe. Além disso, quer ajudar comunidades com documentação.

“O instituto terá a responsabilidade de desenvolver e executar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, que é fundamental para registro e titulação das terras quilombolas”, frisou. É assim também que ele quer fazer valer, na prática, o que repete diariamente em sua comunidade: “Mãe Bernadete, presente”.

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BYD cancela contrato com empreiteira após polêmica por trabalho escravo

Na noite de segunda-feira, 23, a filial brasileira da montadora BYD anunciou a rescisão do contrato com a empresa terceirizada Jinjiang Construction Brazil Ltda., responsável pela construção da fábrica de carros elétricos em Camaçari, na Bahia. A decisão veio após o resgate de 163 operários chineses que trabalhavam em condições análogas à escravidão.

As obras, que incluem a construção da maior fábrica de carros elétricos da BYD fora da Ásia, foram parcialmente suspensas por determinação do Ministério Público do Trabalho (MPT) da Bahia. Desde novembro, o MPT, juntamente com outras agências governamentais, realizou verificações que identificaram as graves irregularidades na empresa terceirizada Jinjiang.

Força-tarefa

Uma força-tarefa composta pelo MPT, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), além do Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), resgatou os 163 trabalhadores e interditou os trechos da obra sob responsabilidade da Jinjiang.

A BYD Auto do Brasil afirmou que “não tolera o desrespeito à dignidade humana” e transferiu os 163 trabalhadores para hotéis da região. A empresa reiterou seu compromisso com o cumprimento integral da legislação brasileira, especialmente no que se refere à proteção dos direitos dos trabalhadores.

Uma audiência foi marcada para esta quinta-feira, 26, para que a BYD e a Jinjiang apresentem as providências necessárias à garantia das condições mínimas de alojamento e negociem as condições para a regularização geral do que já foi detectado.

O Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que sua embaixada e consulados no Brasil estão em contato com as autoridades brasileiras para verificar a situação e administrá-la da maneira adequada. A porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning, em Pequim, destacou que o governo chinês sempre deu a maior importância à proteção dos direitos legítimos e aos interesses dos trabalhadores, pedindo às empresas chinesas que cumpram a lei e as normas.

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