Megacondomínios em São Paulo: a vida nos empreendimentos gigantes da capital

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Megacondomínios: a vida nos empreendimentos com milhares de unidades e mais gente do que a maioria das cidades no Brasil

O DE visitou três condomínios de grande porte na Zona Norte de São Paulo e conversou com moradores e especialistas para saber as curiosidades e entender os reflexos que esses grandes projetos têm na metrópole.

A cidade de São Paulo é “mega” em inúmeros aspectos: tem a maior concentração populacional do Brasil, é responsável pela maior fatia do Produto Interno Bruto (PIB) do país e possui uma frota de quase 10 milhões de veículos. Na área imobiliária, não poderia ser diferente.

A capital, além ser extremamente verticalizada, passou a receber grandes empreendimentos nos últimos anos — muitos deles, condomínios com dezenas de prédios que, juntos, formam populações maiores do que muitas cidades brasileiras.

O DE visitou três megacondomínios na Zona Norte, conversou com moradores e especialistas para entender como eles funcionam, de que forma impactam a cidade e quais seus pontos positivos e negativos (confira abaixo).

Foram considerou como megacondomínios os empreendimentos com, no mínimo, mil apartamentos. Isso porque arquitetos e urbanistas consultados explicaram que ainda não há um consenso na área sobre a classificação de projetos dessa magnitude.

Nesta reportagem você vai ver:

‘Uma cidade dentro da cidade’: o que são megacondomínios?

Moradores: experiências e opiniões sobre a vida intramuros

Questão urbanística: o que os especialistas dizem sobre esse tipo de empreendimento

Como é a vida em um megacondomínio na cidade de SP

‘UMA CIDADE DENTRO DA CIDADE’

Segundo um levantamento feito pela Secretaria Municipal da Fazenda a pedido do DE, a capital paulista registrou um aumento de 75% no número de empreendimentos habitacionais com mais de mil unidades nas últimas duas décadas (gráfico abaixo).

Esses megacondomínios podem ser classificados de duas formas: clubes e econômicos. Eles são voltados para públicos com condições socioeconômicas e padrões de vida distintos, se diferenciando por aspectos como equipamentos de lazer, tamanho dos apartamentos e oferta de vagas de garagem, por exemplo.

Condomínios-clube:

Construídos em áreas mais valorizadas da cidade, que possuem preço elevado de m²;
Investimento em equipamentos de lazer, como academia, piscina, quadras, salão de beleza;
Oferta total de serviços — restaurantes, mercados, farmácias, lojas, aulas esportivas e, em alguns casos, escolas de ensino básico e de idioma;

“São condomínios que apostam nos seus equipamentos de lazer para evitar que as pessoas saiam, para evitar o deslocamento penoso numa cidade como São Paulo. Você resolve quase tudo intramuros”, explica Angélica Arbex, coordenadora de estudos sobre atividade condominial da Lello Condomínios.

Segundo a professora e arquiteta Eunice Helena Abascal, da Universidade Mackenzie (FAU/Mack), esse tipo de megacondomínio tem a proposta de ser “uma cidade dentro da cidade”, o que ela avalia não ser algo interessante para o desenvolvimento urbano do município, já que promove uma certa segregação.

A docente explica ainda que o modelo de oferta de serviços dentro de condomínios já é antigo, mas foi se adaptando ao longo do tempo.

“Nos anos 1970, por exemplo, muitos tinham serviços endógenos (em seus interiores), mas a população dos bairros tinha acesso a eles. Farmácias, lojas, etc. Logo depois que sugiram, por razões de privacidade e, muitas vezes, por demandas de segurança, foram gradeados”, diz Eunice.

Condomínios econômicos:

Construídos em áreas periféricas da cidade, onde os terrenos são mais baratos;
Apartamentos menores e vagas de garagem disponíveis para apenas uma parcela dos moradores;
Baixa variedade de equipamentos de lazer e oferta de serviços;
Maioria dos moradores nunca viveu em condomínio;

Por terem preços mais acessíveis, esses megacondomínios ficam em regiões menos valorizadas pelo setor imobiliário, como nos extremos das zonas Leste e Norte de São Paulo, onde ainda há grandes terrenos disponíveis para construção.

“É muito interessante que a maioria dos moradores, é a primeira vez que moram em condomínio. Então, para eles entenderem questões relacionadas a regulamento interno, uso de área comum, fechamento de área de serviço, tudo isso, você vai fazendo uma educação”, diz Angélica Arbex.

“Então, é um jeito totalmente diferente de fazer gestão e de fazer o condomínio operar e funcionar. O primeiro ano da vida em um empreendimento econômico, ele é muito dedicado a formar cidadãos para viver em condomínio”, explica a coordenadora do Mapa dos Condomínios, da Lello.

A VIDA INTRAMUROS

O DE visitou três megacondomínios em Pirituba, na Zona Norte da capital. Dois deles já em pleno funcionamento, com mais de 17 mil moradores — população maior do que 63,5% dos municípios brasileiros, segundo dados do Censo 2022 do IBGE —, e outro em processo de construção, num terreno de 1,7 milhão de m², o equivalente a 16 estádios Morumbis.

Portal dos Bandeirantes

No comecinho da avenida Raimundo Pereira de Magalhães, uma das maiores da capital, o Portal dos Bandeirantes se destaca. Fundado no início da década de 1980, foi um dos primeiros exemplos de megacondomínio na capital e é um dos que mais representa essa ideia de cidade dentro da cidade.

Isso porque é um fluxo constante de 15 mil moradores distribuídos em mais de 2,5 mil apartamentos e 27 torres. O entra e sai nos horários de pico faz jus ao tamanho. A fila que se forma na entrada de visitantes se assemelha a um pedágio rodoviário.

O condomínio tem enfermaria, semáforo, ponto de ônibus, mercadinho, espaço para carro de aplicativo, ginásio esportivo, sinalização de trânsito e até vaga na rua para recarga de carro elétrico. Até meados de 2010, ele tinha ainda mais cara de minicidade, porque contava com padaria, locadora de DVD, salão de beleza e pizzaria. Tudo isso lá dentro e exclusivo para os moradores.

E um dos pontos que mais chamam a atenção é o sistema interno de correios do Portal dos Bandeirantes. “O número total de encomendas que a gente recebe mensalmente é em torno de 26 mil. Quase mil por dia. Aqui é uma cidade. Isso é uma cidade”, contou André Luiz Gonçalves, líder de triagem e transbordo.

Grand Reserva

O Grand Reserva é composto por 50 torres que formam 25 pequenos condomínios. Eles foram entregues por fases, ao longo de anos, e cada um possui salão de festas, garagem e administração própria. Mas compartilham serviços, como mercado, farmácia, coleta de reciclagem, aluguel de bicicletas, além de uma praça com equipamentos infantis. “A sensação sempre foi de que eu não estava em São Paulo”, contou a professora Marília Myrrha, moradora do Grand Reserva que atuou como síndica de implantação na primeira fase de funcionamento do condomínio.

A caminho da praça central para brincar de escorregar na grama com a filha de 8 anos, Marília relatou que o que mais lhe chamou a atenção para comprar um apartamento ali foi a possibilidade de criar a pequena Helena em uma região que considera tranquila, segura e bem localizada, com escola, posto de saúde e transporte público no entorno. “O pessoal que utiliza o posto fala super bem, chama os médicos pelo nome. Então, vira uma coisa muito ‘bairrista’ mesmo, parece que a gente não tá em São Paulo”, disse a professora.

Para ela, o grande problema do condomínio é a falta de lugar para estacionar nas ruas. O mesmo foi relatado pela pedagoga Tainá Corrêa, que mora em uma das unidades que não têm direito a vaga de garagem.

“Na questão do trânsito, pega muito, principalmente de manhã. Nem todos os condôminos têm vaga. Algumas pessoas colocam na rua, como eu. Então, eu não saio de fim de semana com o carro porque, quando, voltar não tem onde colocar”.

“Vão construir um megacondomínio um pouquinho mais pra cima. Aí a Avenida Raimundo [Pereira de Magalhães], que já é tumultuada, vai ficar entupida, principalmente nos horários de pico”, avaliou ela, se referindo ao empreendimento Sete Sóis.

Sete Sóis

Considerado o maior projeto da construtora brasileira MRV, o Sete Sóis prevê a construção de 11 mil apartamentos nos próximos 10 anos. O tamanho do terreno em que a obra está sendo feita é impressionante. Se levada em consideração a média de moradores por domicílio no Brasil (2,79), 30.690 pessoas devem habitar o megacondomínio quando a obra estiver finalizada. Isso significa que a população do Sete Sóis poderá ser maior do que a de 80% dos municípios brasileiros, de acordo com dados do Censo 2022 do IBGE.

A ideia do empreendimento é ser um bairro de 1,7 milhão de m² aberto à comunidade com os seguintes equipamentos: Uma nova malha viária de 15 quilômetros e uma ciclovia com mais de 8 km de extensão;
Mais de 9 mil m² de lojas comerciais e mais de 20 mil m² divididos em 7 lotes comerciais para futuros estabelecimentos de maior porte;
Mais de 20 praças com quadras poliesportivas e pistas de skate;
100 mil m² de praças e um parque linear que se estende por todo o complexo.

Uma das premissas do projeto é permitir o acesso a serviços e facilidades a uma caminhada de até 15 minutos de distância. O grande terreno fica ao lado da estação Pirituba, da Linha 7-Rubi da CPTM. A previsão é de que 11 prédios sejam construídos já em 2025, todos enquadrados no programa Minha Casa, Minha Vida a fim de também contemplar famílias de baixa renda.

QUESTÃO URBANÍSTICA

Assim como a professora Eunice Abascal, da Universidade Mackenzie, o urbanista e também professor Daniel Todtmann Montandon, que participou da revisão do Plano Diretor de São Paulo em 2014, também considera que os megacondomínios não são interessantes do ponto de vista do desenvolvimento urbanístico da cidade.

“Quando você tem projetos de grandes unidades habitacionais que são propostos em regiões mais distantes, na beira da Rodovia Raposo Tavares, lá em Pirituba, um projeto que vem com pouca ou quase nada de geração de empregos, não tem áreas institucionais (equipamentos públicos) de forma proporcional, eles são, de fato, um espaço da cidade sem o que a gente chama de urbanidade, então eles são um grande problema”, afirma Montandon.

“O ideal seria que a gente tivesse os empreendimentos habitacionais e eles tivessem mais integrados na cidade, em lotes vazios, subutilizados, que estão na malha urbana da cidade, que sejam perto do transporte público coletivo”, explica o especialista.

Segundo o Ministério das Cidades, o direito à moradia só é exercido plenamente quando, além de habitação, também há acesso à mobilidade, infraestrutura urbana, equipamentos comunitários e serviços públicos, além da habitação. Por isso, a pasta considera necessária a articulação entre políticas sociais, ambientais e de desenvolvimento urbano.

Um estudo divulgado pelo ministério em dezembro de 2017 aponta que empreendimentos habitacionais localizados em áreas periféricas são mais onerosos ao poder público do que aqueles nas áreas centrais, porque exigem maiores investimentos em infraestrutura e serviços, além de terem impactos negativos na mobilidade urbana e qualidade de vida.

Na tentativa de estabelecer uma melhor proporção entre terrenos privados e públicos, a lei de zoneamento aprovada em 2016 instituiu o conceito de lote máximo. Portanto, donos de terrenos com área superior a 20 mil m² passaram a ser obrigados a destinar 30% do espaço para áreas públicas, seja para implantação de parques, praças, escolas ou qualquer outro uso institucional.

A medida também estabelecia que lotes acima de 40 mil m² deveriam ser parcelados.

“Esse mecanismo do lote máximo, ele tem uma eficácia para empreendimentos que não são habitação de interesse social (HIS), mas ele foi flexibilizado na revisão do zoneamento [neste ano]”, afirma o professor Montandon.

“É importante você ter a destinação de área pública, você ter uma boa geração de praça, de áreas institucionais, de sistema viário, porque você gera uma melhor proporção de áreas públicas e privadas, o que traz muito mais qualidade urbanística. Você tem que fazer a mescla de usos (do solo), tem que ter transporte público chegando, de alta capacidade”, avaliou o urbanista.

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