Mineração ilegal investigada pela PF expõe destruição por trás do paredão verde
da Serra do Curral, cartão-postal de BH
Diário do Estado investiga grupo acusado de explorar minério sem licença em áreas de
preservação. Serra apresenta contraste entre a fachada verde voltada para a
cidade e a destruição em seu fundo e entorno.
Mineração ilegal investigada pela PF expõe destruição por trás da Serra do
Curral
Diário do Estado
A Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte e patrimônio
natural de importância histórica e ambiental, volta ao centro do debate público
após a deflagração, na última quarta-feira (17), da Operação Rejeitos, da
Polícia Federal, contra um esquema de mineração ilegal em Minas Gerais.
O caso evidencia como a serra, que ainda ostenta um paredão verde voltado para a
capital, convive com o contraste da degradação provocada pela exploração
predatória em seu fundo e entorno.
Segundo as investigações da PF, um grupo usava empresas de fachada, servidores
públicos e articulações políticas para explorar minério de ferro sem licença em
áreas de valor histórico e ambiental, incluindo a Serra do Curral.
Mensagens interceptadas por investigadores revelam que a organização pretendia
ampliar o controle sobre a serra com o chamado “Projeto Taquaril”. O grupo
articulou, inclusive, o engavetamento do projeto de lei que criaria o Monumento
Natural da Serra do Curral e protegeria o local contra novos licenciamentos.
Entenda nesta reportagem os principais aspectos do impasse na Serra do Curral a
partir dos tópicos abaixo:
– Símbolo da capital mineira
– Papel estratégico na segurança hídrica
– Tombamento travado
– ‘Corrupção sistêmica’
Diário do Estado, em BH – Reprodução/TV Globo
SÍMBOLO DA CAPITAL MINEIRA
A Serra do Curral não é apenas um conjunto de montanhas. Com 14 quilômetros de
extensão, ela circunda Belo Horizonte e faz parte da Serra do Espinhaço,
declarada Reserva da Biosfera pela Unesco. A vegetação da serra, uma transição
entre Mata Atlântica e Cerrado, abriga espécies de fauna e flora ameaçadas.
A importância da serra é também histórica: a capital mineira nasceu aos seus
pés, numa área que antes se chamava Curral Del Rey. Desde 1898, quando Belo
Horizonte foi inaugurada, a serra permaneceu como referência na paisagem.
Em 1998, a Serra do Curral foi escolhida em votação popular como símbolo
belo-horizontino, com peso comparável ao Pão de Açúcar para os cariocas. O paredão verde voltado para a cidade ilustra até o brasão oficial de BH e
aparece ao fundo de algumas das principais avenidas e praças.
Por trás da bela fachada preservada, no entanto, o cenário é bem diferente.
Áreas voltadas para Sabará e Nova Lima estão
marcadas por décadas de mineração, que abriram clareiras, escavações e depósitos
de rejeito.
A paisagem expõe o que pode se chamar de “degradação disfarçada”: a serra
continua símbolo da capital, mas já está parcialmente destruída. Entre
belo-horizontinos, a área devastada ganhou até o apelido nada carinhoso de
Gotham City, a sombria cidade fictícia do universo do Batman.
PAPEL ESTRATÉGICO NA SEGURANÇA HÍDRICA
A Serra do Curral também tem papel estratégico para a segurança hídrica de Belo
Horizonte. Em suas encostas está a Adutora do Taquaril, responsável por
transportar 70% da água consumida na cidade. O avanço da mineração pode
comprometer esse sistema.
Em 2022, mesmo diante de alertas técnicos, o Conselho Estadual de Política
Ambiental (Copam) concedeu licenças para a mineradora Tamisa instalar um
empreendimento que previa a supressão de 41 hectares de Mata Atlântica em sua
primeira fase.
A decisão gerou protestos de ambientalistas e moradores, que também alertaram
para riscos de poluição do ar e aumento de ruídos em bairros próximos. Depois, a
licença da mineradora foi suspensa.
TOMBAMENTO TRAVADO
Apesar da relevância cultural e ambiental, o tombamento definitivo da Serra do
Curral em âmbito estadual não avança.
O estudo para proteção está pronto desde 2020, mas segue parado no Conselho
Estadual do Patrimônio Cultural (Conep). Projetos de lei e até uma proposta de
emenda à Constituição tramitam há anos na Assembleia Legislativa, sem previsão
de votação.
Pela legislação federal, a serra já está tombada provisoriamente, o que deveria
impedir sua descaracterização.
Na prática, porém, até a deflagração da Operação Rejeitos na última
quarta-feira, decisões administrativas vinham permitindo novos licenciamentos.
Ao mesmo tempo, exploração irregular se infiltra em brechas do sistema de
fiscalização.
‘CORRUPÇÃO SISTÊMICA’
A operação da PF motivou a exoneração de autoridades
ligadas ao licenciamento ambiental e cultural em Minas Gerais.
Entre os nomes que perderam seus cargos, está o do ex-presidente do Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), João Paulo Martins, e o de servidores da Fundação Estadual do Meio Ambiente
(Feam) e do Instituto Estadual de Florestas (IEF).
Segundo a PF, eles favoreceram mineradoras mediante pagamento de propina e
manipulação de documentos.
Para a investigação, o caso representa um quadro de “corrupção sistêmica”, em
que agentes públicos, empresários, políticos e consultores se organizam para
fraudar processos e legitimar empreendimentos ilegais.
O objetivo, segundo os investigadores, era ampliar a mineração em regiões
estratégicas do estado, incluindo áreas de alto valor ambiental e cultural.
Agora, após a operação, deputados estaduais se articulam para instalar uma CPI
para investigar as possíveis irregularidades na mineração de Minas Gerais,
incluindo na Serra do Curral.
Enquanto as investigações prosseguem, a Serra do Curral permanece em disputa. O
monumento natural preservado no horizonte da capital mineira segue vulnerável à
exploração predatória que compromete toda a região da serra que não pode ser
vista pela cidade.