Voto de Fux sobre Bolsonaro é semelhante ao do caso Débora do Batom, e diferente do voto no caso de outros 65 réus por golpe no 8/1
Assim como fez no caso do ex-presidente, Fux afirmou que STF não deveria julgar Débora e foi contra puni-la por golpe de Estado. Em outros 65 casos, concordou com o julgamento pela Corte e apoiou a condenação dos réus por esse crime. Houve também diferenças na interpretação sobre tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Para especialista, há espaço para interpretações diferentes.
Como voto de Fux impacta julgamento da tentativa de golpe?
Em 67 decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) entre o início do julgamento dos réus do 8 de janeiro, em setembro de 2023, e a condenação de Jair Bolsonaro (PL), nesta semana, o ministro Luiz Fux adotou posições diferentes sobre ao menos três temas, segundo um levantamento do de.
* Golpe de Estado: em 65 das 67 decisões, Fux concordou com a condenação dos réus por golpe de Estado. As duas únicas exceções foram os casos de Bolsonaro e dos demais sete réus do núcleo crucial da trama golpista; e o de Débora do Batom, ocorrido em maio de 2025.
* Competência do STF: também em 65 das 67 decisões, Fux concordou com o STF julgar os réus. As exceções, novamente, são os de Bolsonaro e Débora.
* Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: em 13 decisões, Fux argumentou que esse crime está contido no de golpe de Estado e, por isso, defendeu que a pena por esse crime fosse descontada da pena total dos réus. Ao votar no julgamento da trama central, teve outra posição: propôs a condenação de Mauro Cid e Braga Netto por tentativa de abolição do Estado, mas não por golpe de Estado.
O de levantou as 67 ações penais por meio do sistema de busca de decisões do STF. Foram procuradas aquelas que tratassem, ao mesmo tempo, dos crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Para isso, foram procuradas as decisões que citassem os termos 359-L e 359-M, que são os artigos desses dois crimes no Código Penal, e os termos “abolição violenta” e “golpe de estado”.
É possível haver outras decisões que não apareceram nessa busca. O de pediu ao STF a lista completa das ações contra as 279 pessoas que, segundo a Corte, foram condenadas por golpe de Estado, mas não recebeu até a publicação desta reportagem.
Ministro Luiz Fux, do STF, em julgamento da trama golpista – 11/09/2025 — Foto: EVARISTO SA / AFP
FUX CONDENOU 65 POR GOLPE, NÃO VIU PROVAS CONTRA DÉBORA E QUESTIONOU EXISTÊNCIA DO CRIME AO JULGAR BOLSONARO
Assim como aconteceu no caso de Bolsonaro e dos outros sete réus julgados com o ex-presidente, Fux foi contra condenar Débora por golpe de Estado, por entender que não havia provas suficientes.
Débora Rodrigues dos Santos ficou conhecida como Débora do Batom por após ser flagrada usando um batom para pichar a estátua da Justiça, que fica em frente ao STF, durante a invasão à Corte e a outros prédios públicos nos ataques de 8 de janeiro. Ela foi condenada a 14 anos de prisão por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e de deterioração de patrimônio tombado.
No caso de Débora, Fux escreveu que não ficou provado que ela aderiu “volitivamente [voluntariamente] às condutas de associação criminosa armada, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito ou de golpe de Estado.”
Estátua ‘A Justiça’, de Alfredo Ceschiatti, pichada por vândalos do 8 de janeiro, em frente à sede do STF, em Brasília — Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
No julgamento de Bolsonaro, Fux escreveu: “não há provas suficientes para imputar ao réu Jair Messias Bolsonaro os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359- M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado.
No caso do ex-presidente, entretanto, o ministro foi além: argumentou entender que não se pode falar em golpe porque não houve a deposição de um governo legitimamente constituído.
> “Jamais poder-se-ia cogitar do artigo 359-M [golpe de Estado], por ausência de deposição de governo legitimamente constituído. Deposição de governo é o que exige a lei”, disse Fux ao votar pela absolvição de Bolsonaro.
Além disso, Fux argumentou que Bolsonaro não poderia ser punido por golpe de Estado porque era presidente à época dos fatos, e a lei não pune “o chamado autogolpe”, quando, segundo o ministro, o mandatário viola os limites e deveres do cargo para se perpetuar no poder.
> “Condutas praticadas pelo réu durante o seu mandato como Presidente da República não podem configurar o crime previsto no art. 359-M do Código Penal [golpe de Estado], pois este, ao criminalizar a tentativa violenta de ‘depor o governo legitimamente constituído’, pressupõe a prática de conduta tendente a remover o mandatário do cargo ocupado”, escreveu Fux.
A posição sobre golpe é diferente da adotada nos 65 outros casos analisados pelo de. Em todos esses, Fux concordou com o relatório do ministro Alexandre de Moraes que defendeu a condenação dos réus por golpe de Estado.
Em setembro de 2023, quando os julgamentos dos réus de 8 de janeiro começaram, Fux escreveu, referindo-se a um dos réus:
> “(…) o que ele cometeu foi um atentado de violação à democracia, e não um ato de patriotismo. Assim, as crianças vão saber o que é ser patriota e o que é ser um anarquista.”
Ao julgar outro réu no mesmo dia, disse:
>”Se esse golpe desse certo, chorariam de novo as mães de há muito, que sequer souberam do destino dos seus filhos, mortos e perseguidos por delitos de opinião.”
Para o Procurador da República e mestre em Direito Pedro Kenne, não existe uma obrigação de que o juiz siga a mesma interpretação em todos os julgamentos – especialmente em se tratando de investigações diferentes, como as do 8 de janeiro e da trama golpista.
>”Como o Juiz deve analisar o caso com base na denúncia, e com base na responsabilidade individual de cada réu, não há proibição de que ocorram resultados como esse, e que à primeira vista podem parecer uma contradição incompreensível. É preciso lembrar que divergências – e, inclusive, discussões acaloradas – são comuns no Direito, uma área humana essencialmente argumentativa. A Lei traz previsões, mas a realidade é muito complexa, e não raro veem-se os fenômenos e a sua interpretação de maneira muito diferente.”
FUX CONCORDOU QUE STF JULGASSE RÉUS DO 8/1, EXCETO DÉBORA E NÚCLEO CRUCIAL
Há outra semelhança entre a posição de Fux nos casos de Bolsonaro e dos demais réus do núcleo crucial da trama golpista e de Débora do Batom: em ambos, o ministro foi contra o julgamento pelo STF. Nos demais 65 casos analisados pelo de, ele não se manifestou nos processos sobre esse ponto.
O argumento usado por Fux nos casos de Débora e de Bolsonaro é semelhante: os dois não tinham prerrogativa de foro, e deveriam ser julgados pela primeira instância. Caso o STF decidisse julgá-los, afirmou o ministro, o julgamento deveria ocorrer no Plenário, e não na Primeira Turma – como acabou acontecendo.
>”É que entendo que a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções não subsiste após o afastamento do cargo e, não se tratando de acusada dotada do foro por prerrogativa de função, não se configuram presentes as hipóteses do art. 102, I, ‘b’ e ‘c’, da Constituição, devendo a ação penal ser julgada perante o juízo competente de primeira instância. Ainda, caso superada essa preliminar anterior, entendo que a análise do presente caso compete ao Plenário do STF”, escreveu o ministro no caso de Débora.
>”As premissas envolvem casos de incompetência absoluta indispensável, razão pela qual, de duas uma: ou o processo deve subir ao Plenário ou descer para a primeira instância”, escreveu Fux no caso de Bolsonaro e dos outros sete réus da tentativa de golpe.
Professor titular da faculdade de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Gustavo Binenbojm acredita que Fux decidiu seguir a maioria sobre a competência de o STF julgar esses casos, mesmo sem concordar.
>”Às vezes, os ministros, como estão no colegiado, falam ‘eu me curvo a maioria’. No caso da Débora, não vou dizer que houve contradição, mas há uma novidade [porque o caso dela] não tinha nenhuma diferença em relação a todas as demais pessoas que foram julgadas ali [nas ações do 8 de janeiro]”, afirma.
Eloísa Machado, professora de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) vê contradição em Fux ter passado a entender que o STF não deveria julgar os réus do 8/1 – posição que defendeu também no julgamento de Bolsonaro.
A interpretação é semelhante à de Thiago Bottino, mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
>”O caso da Débora não tem nenhuma diferença em relação aos outros réus do 8 de janeiro. Se o ministro Fux estava julgando e condenando todos eles sem questionar a competência do Supremo ou a competência da turma e depois mudou, é muito difícil entender, porque o caso dela não tem nenhuma particularidade que justificasse isso. A única diferença, talvez, é porque teve uma repercussão maior”, diz Bottino.
FUX TEVE POSIÇÕES DIFERENTES SOBRE ABOLIÇÃO VIOLENTA DO ESTADO
As 66 condenações do 8 de janeiro mostram que Fux teve opiniões diferentes também sobre o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Em 13 delas, julgadas depois do caso Débora do Batom em maio de 2025, Fux defendeu que esse crime está contido no de golpe de Estado.
Por isso, o ministro, nesses 13 casos, defendeu que as duas penas não fossem somadas, propondo reduzir o tempo de prisão dos réus. Essa postura não foi adotada nos outros 53 casos de réus do 8 de janeiro.
No caso do julgamento do núcleo crucial, ele tomou uma outra posição, e condenou Mauro Cid e Braga Netto por tentativa de abolição, mas não por golpe de Estado.