Ministros de Bolsonaro foram atores-chave em convocação para movimentos golpistas em quartéis – Polícia Federal revela coordenadores do ato em 2022

General da reserva do Exército Mario Fernandes, que foi ministro de Jair Bolsonaro, e o coronel George Hobert Oliveira Lisboa, que trabalharam na Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR), tiveram participação direta na convocação de apoiadores do ex-presidente para movimentos golpistas em frente aos quartéis do Exército, no final de 2022. Os arquivos analisados pela Polícia Federal revelam que ambos atuaram na produção de um banner convocando bolsonaristas a “marchar pelo Brasil” em 9 de novembro de 2022, como consta em um relatório da PF sobre a tentativa de golpe de Estado.

A atuação da Presidência da República na convocação da população para o ato contradiz a narrativa bolsonarista de que os movimentos em frente aos quartéis em 2022 ocorreram de forma espontânea. A presença de Fernandes e Hobert na organização dos atos indica uma coordenação por trás das manifestações. Mensagens datadas do dia 7 de novembro de 2022 obtidas pela PF mostram que Hobert forneceu orientações para a montagem do banner, incluindo a frase “Concentração no QG do Exército”. O coronel também explicou a intenção de colocar a data “9 de novembro” na parte inferior do flyer.

Imagens dos arquivos do celular revelam um rascunho à caneta do panfleto e uma ilustração colorida, enviadas com 1h15 de diferença entre si. Mais tarde, o general Mario Fernandes elogiou o trabalho de Hobert e solicitou que ele parabenizasse o terceiro indivíduo envolvido na elaboração do banner. Em áudio, Fernandes expressou sua satisfação com o resultado e fez menção ao planejamento de faixas com frases como “Liberdade sim, censura não”, “Respeito a constituição, contagem pública dos votos” e outras, indicando um possível uso nas manifestações junto ao Quartel-General do Exército.

No dia 9 de novembro, o QG do Exército em Brasília foi cenário da chegada de cerca de 100 caminhões vindos de outros estados, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF). No mesmo período, a Polícia Federal iniciou uma operação contra uma rede criminosa suspeita de planejar os assassinatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Moraes. O propósito seria executar os crimes em 15 de dezembro de 2022, três dias após a diplomação do petista. Durante a Operação Contragolpe, cinco pessoas foram presas por envolvimento em planos de golpe de Estado.

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Como Bolsonaro foi utilizado como bucha de canhão: os bastidores de uma estratégia política controversa

Uma vez usada, a bucha de canhão vai para o lixo. Essa é uma estratégia recorrente do presidente Jair Bolsonaro: sempre que se vê em um momento difícil, ele e seus apoiadores relembram o atentado sofrido por ele em 6 de setembro de 2018, em Juiz de Fora, Minas Gerais.

Naquelas eleições, a facada serviu como um impulso para Bolsonaro, proporcionando uma cobertura midiática sem precedentes e, consequentemente, milhões de votos. Mesmo hospitalizado, o então candidato soube administrar o silêncio e ganhar eleitores sem precisar fazer grandes discursos ou campanhas elaboradas.

Durante seus quatro anos de mandato, Bolsonaro não hesitou em exibir publicamente as cicatrizes de sua cirurgia, lembrando os eleitores de sua bravura e despertando emoções diversas. Essa estratégia ajudava a garantir a fidelidade dos votos conquistados e desviar a atenção de temas delicados que ele preferia não abordar.

A notícia do indiciamento de Bolsonaro pela Polícia Federal em crimes como tentativa de golpe de Estado certamente traria à tona debates e questionamentos incômodos para o presidente. Diante disso, por que não recorrer novamente à narrativa da facada, como fez seu filho Eduardo Bolsonaro em uma postagem recente nas redes sociais?

É evidente que Bolsonaro e seus advogados enfrentam um dilema: ignorar as acusações e correr o risco de parecerem culpados ou admitir a tentativa de golpe e se indignarem com a situação. Independentemente disso, a tentativa de assassinato de figuras políticas como Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes revela um cenário turbulento e cheio de intrigas.

Apesar das reviravoltas políticas e das disputas internas, uma coisa é certa: Bolsonaro foi utilizado como uma bucha de canhão pelos militares que almejavam impedir a volta da esquerda ao poder em 2018. O presidente se tornou peça fundamental nesse xadrez político, sendo manipulado e, posteriormente, descartado pelos próprios aliados.

No entanto, a resistência de parte do Alto Comando do Exército e a tentativa de golpe fracassada evidenciam a fragilidade de tais estratégias. A democracia prevaleceu, mas a trajetória de Bolsonaro como bucha de canhão revela as intricadas relações de poder e o jogo político que ainda permeiam a sociedade brasileira.

A história do presidente e sua ascensão ao poder remete a um enredo complexo, no qual os interesses políticos se sobrepõem à ética e à transparência. Resta saber como Bolsonaro lidará com as acusações e os desafios que permeiam seu mandato, bem como qual será o desfecho desse enredo cheio de reviravoltas e surpresas.

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