Tarifas e ameaças de anexação de Trump mudam cenário eleitoral no Canadá
Partido do governo, antes sem chances contra os conservadores, agora são competitivos com candidato que enfrenta o presidente americano
As tarifas e ameaças de anexação do Canadá pelo presidente americano, Donald Trump, mudaram radicalmente o cenário eleitoral do país. Antes sem chances, o Partido Liberal, do governo, escolheu no domingo (9) um novo líder e disputa de igual para igual as intenções de votos nas pesquisas, algo que não aconteceu no último ano e meio.
Mark Carney, ex-presidente dos bancos centrais do Canadá e da Inglaterra, venceu as eleições para líder do Partido Liberal, e consequentemente para primeiro-ministro do Canadá, por margem avassaladora. O economista, que nunca teve cargo eletivo nem no gabinete, derrotou a ex-ministra das Finanças Chrystia Freeland com 86% dos votos.
Ele assumirá a chefia do governo, no lugar do primeiro-ministro Justin Trudeau, que renunciou por causa de sua impopularidade. As eleições precisam acontecer até outubro. Carney deve antecipá-las para o fim de abril ou início de maio, para aproveitar a onda favorável criada por Trump, que despertou os brios patrióticos dos canadenses.
Pierre Poilievre, o líder do Partido Conservador, o principal da oposição, também defende retaliações tarifárias contra os Estados Unidos. O problema, no entanto, é a afinidade ideológica e de estilo em relação a Trump. Vídeos divulgados pelos liberais mostram Poilievre usando expressões idênticas às de Trump: “país falido”, “esquerda radical”, “fake news”, “censura da esquerda”.
“Trump pensa que pode nos enfraquecer com seu plano de dividir e conquistar”, disse Carney, em seu discurso da vitória de domingo à noite. “O plano de Poilievre é nos dividir e nos deixar prontos para sermos divididos. Porque uma pessoa que reza no altar de Donald Trump vai se ajoelhar na frente dele, não enfrentá-lo.”
“Os americanos querem nossos recursos, nossa água, nossa terra, nosso país. Se eles tivessem sucesso, destruiriam nosso modo de vida”, continuou o novo líder liberal. “E o Canadá nunca será parte da América, de jeito nenhum.” Carney acrescentou: “O governo canadense corretamente retaliou com tarifas que terão o máximo impacto nos Estados Unidos e o mínimo impacto no Canadá. Meu governo manterá as tarifas até os americanos nos mostrarem respeito. Nós não pedimos essa briga. Os canadenses estão sempre prontos quando alguém tira as luvas (expressão que vem do hóquei e significa partir para a briga).”
“No comércio como no hóquei o Canadá vai vencer”, concluiu o líder liberal, numa referência à vitória canadense sobre a seleção americana por 3 a 2 na prorrogação no dia 20, na partida que teve a maior audiência do esporte na TV. Torcedores canadenses vaiaram quando o hino americano foi tocado.
Sóbrio e tecnocrático em uma era de populismo, Carney é um político improvável. Passou boa parte da vida fora do Canadá. Nunca foi integrante do Parlamento nem do gabinete liberal, o que o acabou ajudando frente a sua rival na disputa pela liderança do partido, ex-ministra de Trudeau, dada a impopularidade do atual primeiro-ministro. Em uma pesquisa feita há oito meses, 93% não sabiam quem ele era, quando lhes mostraram sua foto. Entretanto, Carney tem as credenciais econômicas desejadas pelos canadenses. Ele presidiu o Banco Central canadense durante a crise financeira global de 2008 e 2009, e o Banco da Inglaterra durante as turbulências causadas pelo Brexit.
O que levou à impopularidade do governo e à preferência dos eleitores pelo Partido Conservador foi o alto custo de vida. Agora, no entanto, os canadenses estão preocupados em manter seus empregos, diante das tarifas de Trump. E por isso estão em busca de quem apresente mais condições de enfrentar o presidente americano.