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Modernos e atarefados: maioria dos avós vê netos só nos finais de semana

Última atualização 26/07/2022 | 11:18

Rígidos ou mais amorosos, os avós estão cada vez menos parecidos com o estereótipo de velhinhos em casa o dia todo assistindo novela. Os novos avós estão mais modernos, mais saudáveis e menos interessados ou disponíveis a se limitar aos cuidados dos netos. Muitos, inclusive, precisam continuar trabalhando, fazendo com que as visitas dos netos limitem-se aos finais de semana para mais de 40% dos entrevistados em uma pesquisa realizada no ano passado pela revista Gente.

As mudanças socioeconômicas aceleraram esse processo que tende a ser cada vez mais recorrente, afinal, as mulheres têm menos filhos e as pessoas vivem mais. O resultado? Mais idosos e menos crianças nas famílias pela primeira vez no mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgados há dois anos. No Brasil, a reforma da Previdência é um dos fatores que sinalizam mais alterações na relação entre avós-netos.

A advogada Amelina Prado afirma que as alterações na legislação previdenciária atrelaram as  regras de concessão de aposentadorias e pensões à idade. Antes, segundo ela, o  tempo de serviço compensava esse fator etário que se era de 35 anos de contribuição para homens e 30 para as mulheres. A exigência atual é de idade mínima de 65 anos de idade para eles e de 62 para elas. Além de os trabalhadores se aposentarem mais velhos, a média de valores a serem recebidos foi achatada com os novos cálculos em vigor.

“Isso veio como uma proposta de economia aos cofres públicos e impacto positivo com previsão de economia e de redução em R$ 855 bilhões em 10 anos. Embora seja plausível a proposta de economia, o impacto foi maior no âmbito social, por causa da redução da renda no momento em que mais precisa. Pessoas que trabalharam toda a vida e tinham perspectiva de média salarial de renda de aposentadoria agora tem ele com 60% do valor comparado à regra anterior”, detalha a especialista.

A figura dos avós em um contexto de pandemia, desemprego e inflação elevada faz deles os chamados arrimos de família nos quesitos emocional e financeiro. A diarista Glany Nogueira, de 46 anos, tem seis filhos e dois netos, sendo um de um ano e três e outro prestes a nascer. Ela até gostaria de planejar uma futura aposentadoria e ajudar nos cuidado com o neto, mas o trabalho exige muita dedicação em tempo integral para conseguir arcar com as necessidades da família.

“Eu só vejo o meu netinho de oito em oito dias. Enquanto isso, os pais acabam se virando. Quando eles sentem muitas saudades, me ligam para conversarmos”, diz.  Ativa, a jovem avó Glany aproveita o pouco tempo de descanso para viajar sempre que possível. O motivo não se restringe a conhecer novos lugares e ter experiências diferentes, mas aproveitar a companhia o namorado com quem se relaciona há quatro anos.

Comidinha e amor de avó

Na categoria de avó tradicional, mas com traços de contemporaneidade, a aposentada Odila Alves é daquelas que mimam os netos e bisnetos. Ela, que se tornou viúva há cinco anos, reforçou o zelo com a família para esquecer um pouco a saudade do companheiro de décadas de casamento. Aos 86 anos, ela se mantém animada para festas e com a aparência pessoal mesmo em meio à produção por encomenda de quitandas e salgados para complementar a aposentadoria.

“A gente tem que obrigar a natureza a parecer que nascemos bonitas porque a gente gosta da pele arrumadinha, passar um batom, fazer unha e cortar o cabelo. Não posso deixar sem fazer porque se não eu olho no espelho e penso ‘nossa, eu estou feia demais, então vou me arrumar direito’. Tem que ficar bonita porque se não o bicho pega”, confidencia aos risos. O sorriso fica ainda mais largo quando ela relembra as visitas feitas pela família com “presentes” em forma de comida que a alegram durante todo o dia ou ainda dos pedidos especiais deles por um macarrão especial que ela cozinha.

Memória afetiva

Na pesquisa da revista Gente, a impressão sobre as avós varia conforme a faixa de idade delas em ordem decrescente. As mais velhas entre 70 e 80 anos costumam ser lembradas como alguém que faz comidas gostosas, alguém que deve ser respeitado, faz a vontade dos netos e é a convidada de honra do fim de semana. Por outro lado, as mais jovens entre 50 e 70 anos são tidas como alguém que dá amor, faz comidas gostosas, faz as vontades dos netos, alguém que se deve respeitar.

Apesar de diferentes tipos de avós, a representatividade delas continua presente para as crianças. Para a psicóloga Carolina Nobre, o susto da maioria das pessoas ao se depararem com avós mais moderninhas está relacionado ao fato de que essas mulheres  estão mais jovens, modernas e ocupadas, além de elas poderem viver com liberdade, sem exercer atribuições com as quais não se identificam ou não podem corresponder.

“O papel da mulher sempre foi fundamental mas silenciado, hoje com a independência da mulher e com a voz ativa no mercado de trabalho não exercendo obrigatoriamente o papel de mãe/avó ou terceirizando essa função é possível notar o valor desse papel e até mesmo a ‘falta’. Mudou a relação mas não necessariamente os afetos que podem ser criados e mantidos de várias maneiras. Hoje, avós e netos podem ir para uma balada juntos, beber juntos e esse tipo de programa não deixa de criar laços, afinidade e afetos”, pontua.

Os laços podem ser estabelecidos mesmo à distância e com os cuidados do netos terceirizados em berçários ou por babás, segundo Nobre. A principal estratégia é a construção de memórias afetivas que podem ter a tecnologia como aliada por permitir rotina de conversas, brincadeiras, jeito diferente de falar um com o outro, músicas para se referir um ao outro. “Para criança chega a ser uma diversão, mas cabe à família saber até onde ir. Terceirizar integralmente o cuidado da criança pode gerar impactos emocionais irreparáveis”, alerta a psicóloga.