Caso de motoboy baleado nu em banheiro é o único da Operação Escudo que segue
sem definição do Ministério Público de São Paulo
Episódio completou dois anos no sábado (30). Órgão informou que a investigação
se encontra em ‘fase avançada’ e que três PMs foram interrogados na Promotoria
de Justiça em agosto.
Exclusivo: câmeras corporais mostram PMs atirando em motoboy durante operação
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Exclusivo: câmeras corporais mostram PMs atirando em motoboy durante operação
O caso do motoboy Evandro Alves da Silva, que foi baleado nu enquanto usava o
banheiro por policiais militares,
[https://de.de.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/09/01/exclusivo-cameras-mostram-pms-atirando-em-motoboy-nu-em-banheiro-durante-operacao-escudo.ghtml],
é a única investigação sobre a Operação Escudo que segue em aberto sem definição
do Ministério Público de São Paulo
[https://de.de.globo.com/sp/sao-paulo/cidade/sao-paulo/] (MP-SP).
O episódio completou dois anos no sábado (30), mas o MP-SP ainda não ofereceu a
denúncia à Justiça nem solicitou o arquivamento do caso. Evandro foi indiciado
pela Polícia Civil pelos crimes de resistência e porte ilegal de arma.
O DE dos tiros
Era 30 de agosto de 2023, mais um dia de Operação Escudo, quando o motoboy
Evandro foi baleado nu enquanto usava o banheiro num imóvel em que funcionava um
ponto de apoio para mototaxistas no Morro José Menino, em Santos, litoral de São
Paulo.
Naquele dia, para tentar sobreviver, Evandro — mesmo ferido com tiros de calibre
12 — pulou a janela do banheiro, após quebrar o vidro, e caiu de uma altura de 7
metros nos fundos da casa.
Em depoimento, os PMs alegaram estar em patrulhamento no morro, quando diversos
suspeitos correram para uma viela após avistarem a viatura. Eles, então,
desceram do carro e correram até o imóvel, onde Evandro estaria armado.
Contudo, as imagens das câmeras corporais revelaram outra versão dos
fatos. Mostram que Evandro estava no banheiro no momento em que foi atingido. Os
vídeos registram que ele levou disparos, pulou de uma altura de 7 metros, estava
sem roupas e pediu ajuda agonizando.
1 de 3 Evandro oferece serviço de mototáxi no Morro José Menino, em Santos. —
Foto: Reprodução
Evandro oferece serviço de mototáxi no Morro José Menino, em Santos. — Foto:
Reprodução
O motoboy contou ao de [https://de.de.globo.com/sp/sao-paulo/] que havia sido
abordado por policiais encapuzados dois dias antes de ser baleado. Na ocasião,
os agentes invadiram o imóvel para questioná-lo sobre possíveis antecedentes
criminais (leia mais abaixo).
Por conta do ocorrido em 2023, ele foi indiciado pela Polícia Civil pelos crimes
de resistência e porte ilegal de arma.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, em nota, que o
inquérito policial foi concluído e que aguarda o parecer do Judiciário para
“medidas cabíveis em relação aos agentes”.
Evandro, de 45 anos, hoje trabalha como motoboy e mototaxista. Ele é casado com
a advogada Anna Fernandes Marques há mais de 20 anos, com quem teve três filhos.
Mas, em 2001, ele foi o motorista em um caso de sequestro-relâmpago, que
terminou em morte. Foi condenado a 25 anos de prisão. Evandro cumpriu 20 anos em
regime fechado e o restante no aberto.
A ressocialização foi feita por mim e pela minha família, e não pelo Estado, que
é quem deveria gerar essa ressocialização. Eu sempre mostrei para ele o outro
caminho, que eu acredito ser o certo. E aí ele trabalhando, o Estado vem e
quebra tudo o que eu venho construindo em quase 25 anos […] Hoje a vida dele é
completamente diferente, ele é pai de família. O passado ficou no passado.
— Anna Fernandes Marques, advogada e esposa de Evandro
O DIA DOS TIROS
Cerca de seis meses antes da ação policial, Evandro teve a ideia de oferecer o
serviço de mototáxi no Morro José Menino e alugou um pequeno imóvel — composto
por uma sala, uma cozinha e um banheiro — para funcionar como ponto de apoio e
descanso para ele e os colegas.
No dia dos fatos, ele estava sozinho no imóvel com a porta trancada e havia
tirado a roupa para usar o banheiro, quando três policiais militares do 5°
Batalhão de Ações Especiais (Baep) apareceram. O quarto integrante da equipe
permaneceu na viatura.
A equipe é formada pelos policiais:
* Sargento Thiago Freitas da Silva
* Soldado Daniel Pereira Noda
* Soldado Carlos Vinicius Batista Bruno
* Soldado Santos (nome completo não foi informado no inquérito)
> “Quando eu sentei no vaso, meteram a mão na porta. Eram os policiais. Eles
> perguntaram: ‘Quem que está aí? É o Evandro?’ Eu achava que eram os motoboys.
> Quando eu abri a cortina, o policial estava com a calibre 12 apoiada na
> janela, e ele me deu um tiro. Eu levantei a mão, e ele disparou e pegou no meu
> peito”, relembrou.
2 de 3 Evandro quebrou a janela e caiu de uma altura de sete metros. — Foto:
Reprodução
Evandro quebrou a janela e caiu de uma altura de sete metros. — Foto: Reprodução
Em pânico, Evandro quebrou uma pequena janela do banheiro e pulou de uma altura
de 7 metros. Sangrando e sem roupas, caiu de bruços nos fundos do imóvel.
“Na hora, o ato não foi pensando em fugir. Pensei na minha esposa e na minha
filha. Eu pensei: ‘Elas não vão me ver no caixão com caixão lacrado’.”
As imagens das câmeras mostram os PMs descendo da viatura, tentando forçar a
porta e, em seguida, posicionando armas de grosso calibre na janela. Em
segundos, efetuaram pelo menos seis disparos. Ao perceberem que Evandro havia
pulado da janela, entraram no imóvel.
Enquanto o motoboy agonizava de dor nos fundos da casa sob a mira da arma de um
dos PMs, ele suplicava: “Pelo amor de Deus, chefe, me salva, eu não sou bandido,
estão me confundindo”.
Pelas imagens, um dos agentes chegou a colocar uma luva de plástico e revistou o
corpo de Evandro à procura de arma — que não foi encontrada.
O resgate demorou: o Corpo de Bombeiros e o Samu chegaram 30 minutos depois dos
disparos. Evandro foi socorrido em estado grave para a Santa Casa de Santos,
onde ficou 45 dias internado — sendo 23 deles em coma.
DENÚNCIA DA ARMA
A PM apreendeu uma pistola semiautomática cromada, de calibre 7,65 mm, dentro do
imóvel usado como ponto de encontro pelos mototaxistas. Por esse motivo, Evandro
foi indiciado por porte ilegal de arma.
Mas as imagens trazem dúvidas: às 10h58, a câmera corporal de um PM mostra
apenas um casaco preto sobre a cama. Dois minutos depois, a pistola aparece no
mesmo local, de onde é recolhida por um agente e levada até a viatura.
3 de 3 Às 10h58, a câmera mostra apenas um casaco sobre a cama. Dois minutos
depois, a pistola aparece no mesmo local. — Foto: Montagem de/Reprodução
Às 10h58, a câmera mostra apenas um casaco sobre a cama. Dois minutos depois, a
pistola aparece no mesmo local. — Foto: Montagem de/Reprodução
Tanto Evandro quanto sua esposa, que também é sua advogada, sustentam que a arma
encontrada na cena do crime foi plantada pelos policiais.
> “A arma estava no lado completamente oposto de onde o Evandro estava [no
> banheiro]. A arma é prateada, daria para ver [em cima da cama]. E outra coisa,
> pelos tiros que eles deram, por mais que o Evandro não quisesse atirar na
> polícia, pelo tanto de tiro que deram, o Evandro não teria revidado se ele
> estivesse com uma arma na mão?”, questiona Anna.
ABORDADO DOIS DIAS ANTES DO CRIME
Dois dias antes de ser baleado, Evandro contou ter sido surpreendido por
policiais do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) dentro do imóvel
alugado. Na ocasião, ele e um colega cortavam panfletos que seriam distribuídos
na comunidade quando a equipe chegou.
Segundo Evandro, dois PMs encapuzados invadiram o local e os colocaram contra a
parede. “Na hora, meu corpo amoleceu. Pensei: ‘Já era, vou morrer aqui’. Eles
mandaram a gente encostar na parede e começaram a engatilhar as armas. Falaram:
‘Quem dos dois tem passagem?’”, relatou.
O colega admitiu ter uma passagem por tráfico de drogas, enquanto Evandro, com
medo de ser executado, omitiu seu histórico criminal.
“Falei que só tinha uma passagem de quando era moleque, com 18 anos. Eu não ia
falar toda a verdade, estava com medo de morrer. Eles tiraram foto do meu
documento e foram embora”, disse.
Dois dias depois, uma equipe do Baep retornou ao imóvel. Foi nesse momento que a
abordagem terminou em tiros e deixou Evandro gravemente ferido. O motoboy
acredita que os agentes consultaram seus antecedentes criminais no sistema e por
isso voltaram.
LEIA TAMBÉM:
* MP encerra investigação sobre operações da PM que deixaram 84 mortos na
Baixada Santista
[https://de.de.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/07/03/mp-encerra-investigacao-sobre-operacoes-da-pm-que-deixaram-84-mortos-na-baixada-santista.ghtml]
* Dois anos da Operação Escudo: relatório revela abuso na ação policial e
vingança contra jovens negros e pobres
[https://de.de.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2025/07/28/dois-anos-da-operacao-escudo-relatorio-revela-abuso-na-acao-policial-e-vinganca-contra-jovens-negros-e-pobres.ghtml]
* 90% das remoções de corpos na 1ª fase da Operação Escudo ocorreram sem
necessidade e vítimas chegaram sem vida ao hospital, diz estudo
[https://de.de.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/09/19/90percent-das-remocoes-de-corpos-na-1a-fase-da-operacao-escudo-ocorreram-sem-necessidade-e-vitimas-chegaram-sem-vida-ao-hospital-diz-estudo.ghtml]
SEQUELAS
A ação policial de 2023 deixou marcas físicas e emocionais em Evandro. Ele teve
oito costelas fraturadas, perdeu o baço e um pedaço do pulmão — onde há uma bala
alojada.
“Hoje eu tenho muita falta de ar. Tenho umas crises que todo mundo fala para mim
que é crise de pânico. Eu nunca tive isso, sempre treinei, sempre gostei de
atividade física, andava de skate e surfava”, compartilhou.
Segundo o motoboy, os episódios costumam ocorrer quando ele cruza com viaturas
policiais. “Se der para entrar em algum lugar antes, eu entro, para não ter que
passar por perto deles.”
DEFESA DO MOTOBOY
O Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo
acompanha todos os casos relacionados às investigações sobre a atuação policial
na Operação Escudo, incluindo o de Evandro.
Na avaliação do órgão, “é caso de oferecimento de denúncia com os elementos que
já existem. Caso o Ministério Público não entenda da mesma forma, o Núcleo
indicou outras diligências que podem ser determinadas e que reafirmariam a
versão de Evandro. Após decisão do Ministério Público, serão avaliadas as
medidas que poderão ser adotadas”.
O QUE DIZ A SSP
“A Secretaria da Segurança Pública informa que todos os fatos relacionados à
ocorrência citada foram devidamente investigados pela Polícia Militar e pela
Deic de Santos, seguindo rigorosamente os critérios legais e com análise
minuciosa de todo o conjunto probatório, incluindo imagens das câmeras corporais
dos policiais envolvidos. Os inquéritos policiais foram concluídos e relatados à
Justiça, que agora analisa o caso. A Polícia Militar aguarda o parecer do Poder
Judiciário para a adoção das medidas cabíveis em relação aos agentes.”
O QUE DIZ O DE-SP
“O DE-SP informa que em todos os casos relativos à Operação Verão e à Operação
Escudo houve investigação ancorada no exame das imagens das câmeras corporais,
na oitiva de testemunhas, na tomada de depoimentos para conhecer a versão dos
agentes e na confrontação desses dados com os laudos periciais. Importante
também ressaltar que a fundamentação da decisão dos promotores de Justiça está
detalhada nos autos.
Destaque-se que, durante as Operações Escudo e Verão, o DE-SP instaurou um
Procedimento Investigatório Criminal para cada uma das mortes decorrentes de
intervenção policial, realizando uma investigação independente daquela feita
pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, apurações estas que fundamentaram o
oferecimento de sete denúncias contra 13 policiais militares.
Durante as investigações realizou-se busca ativa de testemunhas, resultando na
oitiva do total de 92 pessoas; 330 filmagens analisadas, somando o total de 166
horas de vídeos; 167 interrogatórios, além de inúmeras perícias realizadas pelo
Centro de Apoio à Execução (CAEx). Importante salientar ainda que, em face da
atuação do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo da
Atividade Policial (GAESP), não houve mortes durante a Operação Verão 2025 nas
mesmas circunstâncias de anos anteriores, demonstrando assim a seriedade com que
o DE-SP enfrenta o tema.”
Com um total de 5427 caracteres, sendo que o pedido era para 4000 caracteres.