Motta e Alcolumbre: Ano de Cooperação e Embate com o Executivo

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Na reta final do primeiro ano à frente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) alternaram momentos de “lua de mel” e conflitos abertos com o Poder Executivo. O segundo semestre de 2025, em especial, consolidou um severo desgaste na relação com o Palácio do Planalto. Em novembro, um evento inédito marcou o atrito com o Executivo: os dois presidentes se afastaram dos líderes do governo em suas respectivas Casas. Motta rompeu com a liderança do PT na Câmara, Lindbergh Farias, após críticas à sua condução no PL Antifacção, sendo acusado de favorecer a oposição ao entregar a relatoria ao deputado Guilherme Derrite (PP-SP), ex-secretário da Segurança Pública do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Já Alcolumbre distanciou-se do senador Jaques Wagner (PT-BA), declarando que o governo não contaria mais com sua “fiança política”. Alcolumbre cancela sabatina de Messias e volta a criticar o governo. Outro ponto que estremeceu a relação de Alcolumbre com o Executivo foi a indicação de Jorge Messias para ocupar a vaga deixava por Roberto Barroso no STF (Supremo Tribunal Federal). Como resposta, o senador desengavetou pautas com alto impacto fiscal, como a aposentadoria especial de agentes de saúde, e passou a dificultar a tramitação de pautas como a taxação de bets. Para analisar esse cenário, a IstoÉ ouviu os cientistas políticos Cláudio Couto (FGV-SP) e Graziella Testa (IDP). IstoÉ: Qual sua análise do primeiro ano de Hugo Motta e Davi Alcolumbre nas presidências da Câmara e do Senado? Cláudio Couto: Foi um período tumultuado e marcado por ambiguidades. Hugo Motta, embora eleito com apoio do governo, mostrou-se muito mais próximo da oposição e agiu como um antagonista do Planalto, descumprindo acordos iniciais. Já o presidente Alcolumbre manteve uma postura mais cooperativa e equidistante durante boa parte do tempo, mas partiu para o confronto após a indicação de Jorge Messias ao STF. Ele adotou uma postura que lembra a de atores que buscam produzir dano ao país por meio de ‘pautas bomba’ em troca de concessões. A relação, que começou bem, deteriorou-se significativamente nestas últimas semanas. Graziella Testa: Vivemos um momento de redefinição das funções da presidência das Casas. O período do ‘orçamento secreto’, que dava superpoderes aos presidentes, acabou formalmente, mas a interlocução com o Executivo — que antes era dos líderes partidários — permanece centralizada na figura do presidente da mesa. Davi Alcolumbre usou sua experiência para transformar o Senado na principal ferramenta de governabilidade do governo. Por outro lado, Hugo Motta teve uma atuação dúbia. Em alguns momentos, faltou-lhe pulso institucional, especialmente em cenas lamentáveis de desordem no plenário. Ao final do ano, ele assumiu uma posição muito próxima à de Arthur Lira, tentando fazer uma ponte com o governo que não é salutar nem razoável. IstoÉ: Podemos classificar o ‘morde e assopra’ de Motta e Alcolumbre como uma nova forma de ‘Presidencialismo de Coalizão’ ou é uma estratégia para manter o Executivo refém? Cláudio Couto: Isso é a consolidação de um Congresso que se autonomizou demais. O Legislativo ganhou um poder imenso sobre a política orçamentária, mas esse poder não veio acompanhado de responsabilidade estruturante para o país. Os parlamentares estão focados em satisfazer suas bases locais e pouco preocupados com o resultado das políticas nacionais. Essa dinâmica em 2025 apareceu de forma menos histriônica que em anos anteriores, mas talvez tenha sido mais letal para o caixa do governo. Graziella Testa: Não classificaria como uma ‘nova forma’, pois o presidencialismo de coalizão é um arranjo institucional fixo. O que vemos hoje é uma relação menos clara dos partidos. O governo perdeu ferramentas de governabilidade, como a liberdade de execução orçamentária. Não é exatamente um ‘morde e assopra’, mas uma negociação constante e fragmentada, caso a caso. Isso é um desafio tremendo para a manutenção do poder do Presidente da República. IstoÉ: Hugo Motta prometeu uma gestão de ‘consenso’. Esse consenso foi benéfico ou serviu para blindar o Legislativo de críticas sobre ‘pautas bomba’? Cláudio Couto: Não acredito que houve uma gestão de consenso. Houve uma gestão com posições muito claras, bem mais favoráveis à oposição e ao chamado ‘Centrão’ do que ao governo. Não usaria essa ideia de consenso para descrever o que acompanhamos. Graziella Testa: Estamos em um momento negativo de organização das regras do Legislativo. Mudanças regimentais reduziram o espaço das minorias e o ‘produtivismo’ excessivo prejudicou o processo legislativo. Pautas passam com menos alarde devido à agilidade excessiva e às votações remotas sem critério. Isso afasta a participação da sociedade e gera decepção pública com o Congresso. Quando o cidadão não encontra espaço no Legislativo, acaba recorrendo ao Judiciário. IstoÉ: O Senado deixou de ser uma ‘Câmara Revisora’ para se tornar um ‘motor da chantagem institucional’ sob Alcolumbre? Cláudio Couto: Não diria que o Senado supera a Câmara em agressividade, mas ambas as Casas têm hoje muito poder e pouca responsabilidade. Na maior parte do ano, a postura mais agressiva veio da Câmara. Contudo, nas últimas semanas, a situação se inverteu e vimos um Senado muito mais combativo. Isso varia conforme as circunstâncias políticas. Graziella Testa: O Senado ganhou importância devido à dificuldade de construção de coalizão com os partidos. O centro político brasileiro foi esvaziado: a direita caminhou para a extrema direita e os partidos de centro se dispersaram. Nesse vácuo, o Senado passou a ser uma ‘âncora’ para o Executivo negociar mais diretamente. Alcolumbre simplesmente ocupa esse espaço deixado pela fragmentação partidária. IstoÉ: O governo termina 2025 com uma base sólida ou ainda é dependente do apoio dos presidentes das Casas? Cláudio Couto: O governo é frágil e obrigado a fazer muito mais concessões do que no passado. Com o ‘governo congressual’, os parlamentares têm acesso aos recursos sem precisar fazer concessões substantivas ao programa do Executivo. Se o governo tenta retardar emendas, as retaliações vêm imediatamente. Isso gera uma falta de responsabilização: a população culpa o Executivo pelos resultados das políticas, mesmo quando elas têm ‘a cara’ do Congresso.

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