A denúncia foi oferecida contra o tratorista Lucas de Sousa; os professores universitários Juliano José Rezende Fernandes e Vitor Rezende Moreira Couto; o diretor da faculdade, Marcos Barcellos Café; e a gestora do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (Siass), Edinamar Aparecida Santos da Silva
O promotor de Justiça Vilanir de Alencar Camapum Júnior está denunciando cinco pessoas pelo homicídio culposo do estudante Lucas Silva Mariano, morto em 24 de junho de 2017, ao ser prensado pelas engrenagens de um misturador de ração, no setor de confinamento experimental de bovinos de corte, na Escola de Veterinária da UFG, no Campus Samambaia, em Goiânia. A denúncia foi oferecida contra o tratorista Lucas de Sousa; os professores universitários Juliano José Rezende Fernandes e Vitor Rezende Moreira Couto; o diretor da faculdade, Marcos Barcellos Café; e a gestora do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (Siass), Edinamar Aparecida Santos da Silva.
Consta no inquérito que, às 7 horas do dia do acidente, estudantes dos cursos de agronomia, zootecnia e medicina veterinária participavam de aula prática para confecção de ração no setor de confinamento, atividade que continuou no período da tarde, após o almoço, quando foram divididos pelo tratorista Lucas de Sousa em duas equipes para cumprimento de tarefas. Uma delas foi composta pelo aluno de veterinária Lucas Mariano e outros dois alunos, além do próprio tratorista. Eles deveriam preparar quatro tipos diferentes de ração para o trato de animais, sendo que o procedimento exigia três fases, a realizada no volumoso, que consiste em colocar o bagaço de cana dentro do vagão misturador. A segunda, quando o equipamento é levado até a área do galpão para que sejam acrescentadas sacas de concentrado à mistura, e a terceira, de levar o vagão até a caixa d’água para que o produto seja acrescido à substância.
Assim, o primeiro trato começou às 13h30, quando o tratorista e um aluno entregavam os balaios de bagaço para a vítima, que havia subido no vagão e estava sobre as travessas da esteira misturadora para, dali, despejar os balaios dentro do vagão. A máquina, conforme constatado, era bastante alta, tanto que, para acessar a sua parte superior, era preciso usar uma escada, como fez o estudante. Por este mesmo motivo, não era possível despejar os balaios dentro dela, estando a pessoa no chão. Conforme aponta o promotor, a vítima desceu do equipamento e a equipe foi para o galpão dos concentrados para a segunda etapa da operação, tendo ele novamente ficado em cima das travessas da máquina para ajudar no abastecimento do concentrado, que consistia em despejar sacas de 40 kg dentro do vagão. Neste momento, o tratorista afirma que o aluno pediu para ficar dentro do equipamento, com receio de cair da esteira e, de dentro, auxiliou no abastecimento do restante do concentrado.
Assim, com o consentimento do tratorista, o estudante entrou no vagão pela primeira vez naquele dia. O promotor esclarece que, para realizar a tarefa, era feita uma pilha de paletes ao lado do vagão, onde um aluno subia e de onde ele recebia os sacos de concentrado e repassava para a vítima, que estava dentro. Na sequência, Lucas Mariano saiu e o tratorista conduziu a máquina até a caixa d’água para finalizar o processo. Ali, a vítima colocou uma mangueira de água no vagão, aguardando a balança se estabilizar, o que demora em torno de 15 segundos. O tratorista ligou a tomada de força, começando o despejo de água e a mistura dos ingredientes, para posterior distribuição aos animais.
Ao iniciarem a preparação do segundo tipo de ração, o trator foi deslocado para a área do volumoso para colocar o bagaço da cana dentro do misturador mas, desta vez, a vítima entrou no vagão, desde a primeira fase. Concluída a etapa, o estudante pegou carona dentro da máquina até o galpão do concentrado, não acompanhando um dos seus colegas, que foi a pé. No trajeto, um outro colega chegou a brincar com Lucas, que estava dentro do vagão. No galpão de concentrado, de dentro do vagão, onde ele já estava, Lucas despejou os sacos de 40 kg que lhe eram repassados. Ao terminar, o tratorista disse que ele poderia descer da máquina, quando este virou-se para o lado oposto, em direção à escada. Nesse meio tempo, o professor Victor chegou no local para tratar rapidamente de assuntos de trabalho. O tratorista, então, levou a máquina e o vagão para a caixa d’água, convicto que não havia ninguém dentro dela. A vítima não tinha descido e, mais uma vez, pegou carona dentro do vagão. Ao chegar, o tratorista aguardou os 15 segundos para estabilização da balança e, em seguida, ligou a tomada de força, dando início ao funcionamento das lâminas do misturador, que colheram a vítima. Nesse instante, uma aluna gritou que Lucas Mariano estava dentro do misturador, quando o tratorista desligou a máquina e subiu no vagão para tentar socorrer a vítima, que já não tinha mais pulso.
Condutas
Em relação ao tratorista Lucas de Sousa, o promotor relata que ele confessou que havia recomendação do professor Juliano para acionar as máquinas somente depois de verificar se não havia ninguém dentro do vagão. Além disso, sabia da conduta arriscada dos alunos mas permitia que eles entrassem no vagão, como foi o caso da vítima. Para o MP, ele foi negligente no cumprimento da medida de segurança que poderia ter evitado a acidente, tornando-se um dos responsáveis pela morte de Lucas Mariano. Diversos alunos e o próprio tratorista atestaram que o serviço seria muito mais difícil e de pior qualidade se não entrassem no misturador. Segundo depoimento do trabalhador, havia necessidade de entrar por dois motivos – porque o vagão era muito alto e também para esparramar a ração. Foi revelado ainda que a opção de não entrar no vagão levava os alunos a adotarem condutas arriscadas como aconteceu com a vítima, quando ela estava equilibrando-se sobre as lâminas do misturador, momentos antes de entrar no vagão pela primeira vez. Outra opção era equilibrar-se sobre a pilha de paletes. O professor Victor afirmou em depoimento que, se houvessem plataformas fixas, a tarefa seria mais segura.
Ficou provado que, além da entrada no misturador o fato de pegar carona não era isolado, mas frequente. Assim, os professores tinham conhecimento da prática, tanto que um deles declarou já ter advertido estudantes dentro do vagão e, inclusive, esteve no local quando a vítima entrou pela primeira vez. O professor Juliano delegou, conforme apurado, ainda que tacitamente, ao tratorista Lucas as funções de chefe imediato, professor ou coordenador do estágio, uma vez que era ele quem distribuía as tarefas, ensinava o uso do maquinário e autorizava os procedimentos alternativos, ainda que arriscados. Lucas de Sousa reconheceu, no entanto, nunca ter feito curso formal sobre operação e segurança das máquinas, tendo sido treinado por técnicos anteriores do confinamento.
O promotor observa que as atividades do Siass ainda não tinham chegado naquele setor, portanto, o tratorista não tinha competência técnica para assumir a responsabilidade delegada a ele pelo professor Juliano. Para o promotor, tanto o professor Juliano, que era coordenador das Atividades do Estágio do Confinamento Experimental de Bovinos de Corte, como o professor Victor, colaborador ou cocoordenador do Estágio, eram responsáveis pela segurança de seus alunos, tendo sido omissos e negligentes nesse dever de cuidado. Quanto ao diretor da escola, o promotor destaca que ele tem conhecimento suficiente para saber das máquinas existentes no estágio e demais setores da unidade e que colocavam em risco as pessoas que exerciam suas atividades. Ele também sabia que o Siass era competente para análise de riscos, mas não requisitou a inspeção para essa identificação, ainda que o órgão tivesse entrado em funcionamento há 7 anos, negligenciando no dever de proteção, em culpa concorrente pela morte de Lucas Mariano.
Por fim, em relação à gestora do Siass, o MP aponta o fato de ter deixado passar mais de 7 anos sem cumprir seus deveres legais com a Escola de Veterinária. Para o promotor, caso ela os tivesse realizado tempestivamente, os riscos do processo de trabalho no estágio teriam sido identificados e adotadas as medidas de prevenção, não ocorrendo o acidente. Assim, o diretor negligenciou ao não pedir a atuação do Siass, mesmo conhecendo os riscos do ambiente, enquanto a gestora do órgão também negligenciou ao não solicitar informação do diretor sobre os ambientes de maior risco e não iniciar, tempestivamente, as medidas protetivas.
*Com informações da Assessoria de Comunicação Social do MP-GO