Neurônios podem mudar de tipo em organoides 3D, revela estudo inovador

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Neurônios conseguem mudar de um tipo para outro, afirma estudo inovador

Ao demonstrar que neurônios inibitórios mudam de identidade em organoides 3D,
cientistas provaram que o ambiente influencia a plasticidade cerebral

Uma pesquisa recente divulgada pelo grupo interdisciplinar Braingeneers, da UC
Santa Cruz e da UC San Francisco nos Estados Unidos, desafia o paradigma
tradicional da neurociência que considera os neurônios como fixos e imutáveis
após sua formação inicial no cérebro.

Células cerebrais responsáveis pela transmissão de sinais (impulsos elétricos e
químicos) pelo corpo, os neurônios eram até agora considerados permanentes, ou
seja, cada um dos seus tipos específicos, como neurônio motor, sensorial ou
interneurônio, possuía uma identidade celular definida e inalterável.

Mas, segundo o estudo publicado na revista iScience, a identidade do
subtipo neuronal pode ser bem mais flexível do que se imaginava. Trabalhando com
organoides, modelos 3D do tecido cerebral, os autores testaram in vitro como os
neurônios se desenvolvem e se adaptam.

As descobertas não só revelaram um tipo de plasticidade de destino inesperada,
como também ofereceram insights inéditos “sobre como diferentes subtipos de
neurônios influenciam a função cerebral, e podem desempenhar um papel nos
distúrbios do neurodesenvolvimento”, diz o estudo.

Para o primeiro autor do artigo, Mohammed Mostajo-Radji, pesquisador do
Instituto de Genômica da UC Santa Cruz, o novo parâmetro “está nos fazendo
repensar como os neurônios são realmente feitos e mantidos, e a influência do
ambiente nesse processo”.

O córtex cerebral possui dois tipos principais de neurônios: 80% excitatórios e
20% inibitórios. Destes, 60% são positivos para a parvalbumina (PV+), uma
proteína que se liga ao cálcio e está associada a processos neurais que envolvem
a transmissão ultrarrápida de informações.

Além de seu papel na capacidade do cérebro de se adaptar e mudar, os neurônios
PV+ estão ligados a distúrbios como autismo e esquizofrenia. Quando eles não
funcionam corretamente, podem prejudicar processos cognitivos (atenção, memória, raciocínio) e
sensoriais.

Isso torna esses interneurônios inibitórios muito importantes para pesquisas
sobre o desenvolvimento cerebral e doenças neurológicas e psiquiátricas. Para
Mostajo-Radji, a chave do sucesso na produção inédita desses neurônios em
laboratório foi o uso de estruturas 3D, mais parecidas com o cérebro real.

O desenvolvimento eficiente das células em ambientes tridimensionais mostrou que
essas estruturas são essenciais para replicar processos biológicos complexos.
Além de questionar métodos tradicionais, a pesquisa também abre caminho para
reproduzir outros modelos ainda não viáveis em culturas planas.

A produção desses neurônios positivos para parvalbumina em laboratório permite
avanços no estudo de doenças e na criação de modelos cerebrais mais precisos.
“Agora, podemos fazer um modelo mais realista do cérebro”, afirma Mostajo-Radji
em um release.

Mas os testes não pararam por aí. Para reforçar suas hipóteses, os pesquisadores
adicionaram outro tipo de neurônio inibitório, chamado somatostatina, ao modelo
organoide 3D. Nessas condições, eles notaram alguns neurônios da somatostatina
se transformando em PV+.

Mesmo sem ter a compreensão exata das condições genéticas e ambientais
envolvidas na transição, os autores afirmam que a descoberta por si abre a
possibilidade de que as mudanças de identidade neuronal ocorridas in vitro
possam também ocorrer em células vivas do cérebro.

Apostando nessa possibilidade, Mostajo-Radji propõe que “talvez haja um processo
em que isso tenha sido realmente observado no cérebro, mas negligenciado.
É uma janela empolgante que devemos explorar, e alguns outros laboratórios em
todo o país estão começando a pensar da mesma forma”.

Apesar de já terem algumas pistas sobre quais vias genéticas podem estar em jogo
na transição entre subtipos neuronais, os pesquisadores pretendem aprofundar
também a investigação de células excitatórias para compreender o seu papel no
destino das células inibitórias.

A capacidade recém-descoberta de recriar plasticidade cerebral em organoides 3D
abre novas frentes de pesquisa sobre o desenvolvimento do cérebro, o surgimento
de doenças neurológicas e possíveis terapias de reprogramação celular, usando
células do próprio paciente para regenerar partes danificadas.

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