Nova espécie de cigarra que só canta durante a seca é descoberta no Cerrado goiano
Comum no ambiente urbano de Iporá (GO), inseto recebeu nome em homenagem à localidade onde foi descoberto.
Ariasa iporaensis foi descoberta em Iporá (GO) — Foto: Douglas Maccagnan
À primeira vista, ela passa despercebida. De tamanho e cor similares a outras cigarras, a Ariasa iporaensis custou a ser reconhecida como uma nova espécie. Mas uma análise mais cuidadosa revelou que o Brasil havia ganhado mais um representante desse grupo de insetos sonoros.
A descoberta aconteceu em Iporá (GO) e foi publicada neste ano por pesquisadores da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e da Universidade Federal de Goiás (UFG). O termo “iporaensis”, presente no nome do inseto, significa “natural de Iporá”.
“A descoberta dessa nova espécie foi uma surpresa, pois ela é abundante em praças e canteiros centrais de avenidas da área urbana de Iporá, por conta disso, consideramos relevante fazer essa homenagem ao município”, explica Douglas Maccagnan, entomólogo e um dos autores do estudo.
Espécie é um dos poucos insetos do Cerrado que se reproduz no período de seca — Foto: Douglas Maccagnan
A principal pista de que se tratava de uma espécie nova não veio logo de cara: os pesquisadores chegaram a confundir a cigarra com a Ariasa columbiae, espécie morfologicamente semelhante.
“Foi muito emocionante saber que estávamos trabalhando com uma espécie ainda desconhecida pela ciência”, conta o professor.
A confirmação das suspeitas de uma nova espécie veio somente após revisões de literatura científica, análises morfológicas detalhadas, observações de comportamento e gravações bioacústicas.
Cigarra é muito parecida em tamanho e cores com outras espécies — Foto: Douglas Maccagnan
PEQUENA NO VISUAL, ÚNICA NO CANTO
Do ponto de vista físico, a Ariasa iporaensis não foge muito do que se espera de uma cigarra: corpo castanho com tons esverdeados e tamanho de cerca de 2,5 centímetros. Mas um detalhe anatômico chamou a atenção dos cientistas: o rostro, estrutura que funciona como um canudo para sugar seiva, é mais comprido que o de outras espécies, chegando até o abdômen.
Porém, é no comportamento que ela realmente se destaca. É a única cigarra da região que canta durante todo o período da seca, entre março e setembro – uma raridade entre os insetos do Cerrado, que costumam se manter silenciosos e escassos nesta época do ano.
“O período seco do Cerrado é caracterizado pela queda das folhas das árvores e pela redução de insetos. O fato da Ariasa iporaensis ocorrer justamente nesse período faz com que ela possa ser uma importante fonte de nutrientes para outros animais, especialmente aves que comem insetos, aumentando ainda a relevância ecológica da espécie”, ressalta Douglas.
Cigarra é muito parecida em tamanho e cores com outras espécies — Foto: Douglas Maccagnan
O canto também tem suas particularidades. Segundo os pesquisadores, o som emitido pelos machos lembra um assobio fino que dura alguns segundos. É possível ouvi-lo em praças, avenidas e áreas verdes da cidade de Iporá, mostrando que a espécie se adaptou bem ao ambiente urbano. Ela não está ameaçada de extinção.
Como em outras cigarras, apenas os machos da Ariasa iporaensis emitem sons – um chamado para atrair as fêmeas. E foi justamente ao registrar esse canto por vários anos que os cientistas perceberam que havia algo diferente ali.
O artigo relata que as cigarras geralmente emergem em grandes grupos durante algumas semanas. Mas essa espécie tinha um padrão longo e constante de emergência e canto por meses a fio, o que é incomum neste grupo de insetos.
A espécie também inovou no modo de botar ovos: ao contrário do padrão mais comum, de depositar ovos em galhos finos e mortos, a fêmea da A. iporaensis deposita os seus diretamente na casca grossa de troncos de árvores, como o ipê-branco. Segundo os autores do estudo, isso pode ser uma adaptação às queimadas, comuns no Cerrado durante o inverno.
Atualmente, há 188 espécies de cigarras registradas no Brasil, mas os especialistas estimam que esse número possa chegar a cerca de 500. No mundo todo, são pouco mais de 3 mil espécies catalogadas.