O teste rápido e barato que detecta metanol e pode salvar vidas, mas que ainda
espera investimento
Pesquisadores da Unesp desenvolveram, há três anos, uma técnica inédita que pode
se tornar aliada diante dos crescentes casos intoxicação após consumo de bebidas
alcoólicas.
Pesquisadores Unesp desenvolveram, há três anos, uma técnica inédita que
pode se tornar aliada diante dos crescentes casos intoxicação por metanol —
Foto: Isaac Fontana/EPA/BBC
O governo de São Paulo confirmou no sábado (4) a segunda morte por consumo de bebida com metanol,
um composto químico de uso industrial, presente em solventes, combustíveis e
outros produtos.
São Paulo soma 14 casos
confirmados de intoxicação pela substância,
imprópria para consumo humano devido à sua elevada toxicidade, incluindo os dois
óbitos confirmados. As vítimas são dois homens, de 46 e 54 anos, ambos moradores
da capital.
O governo estadual investiga ainda outros 148 casos, com sete mortes suspeitas —
quatro na cidade de São Paulo, duas em São Bernardo do
Campo e uma em Cajuru.
A Polícia Civil de São Paulo
apura se bebidas eram falsas ou adulteradas, ou se o metanol foi usado na higienização do produto.
Como o metanol é incolor e tem o mesmo odor do etanol, não há como identificar a
presença da substância nem bebidas. A recomendação é evitar completamente o
consumo de destilados.
Mas pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara
desenvolveram, há três anos, uma técnica inédita que pode se tornar aliada
diante dos crescentes casos intoxicação pela substância após consumo de bebidas
alcoólicas.
O método, criado em 2022 no Instituto de Química (IQ), permite identificar de
forma simples, barata e rápida se amostras de gasolina, etanol, cachaça, vodca
ou uísque contêm quantidades acima do limite permitido de metanol.
Diferentemente da tradicional cromatografia gasosa, que custa até R$ 500 por
análise, exige laboratório especializado e pode levar horas para apresentar
resultado, a técnica da Unesp funciona em poucos minutos, sem necessidade de equipamentos sofisticados.
O processo é realizado em duas etapas. Primeiro, adiciona-se um sal à amostra,
seja gasolina, etanol ou bebida, que transforma o metanol em formol. Em seguida,
um ácido é incorporado à mistura, provocando alterações na cor da solução. O
tempo de reação é de cerca de 15 minutos para etanol e bebidas alcoólicas e de
25 minutos para gasolina.
Ao observar a coloração final, é possível identificar a olho nu se a amostra
apresenta concentrações acima do permitido.
A classificação é feita com base nas cores resultantes:
– verde indica ausência de quantidades significativas de metanol;
– verde amarronzado aponta entre 0,1% e 0,4%;
– marrom, entre 0,5% e 0,9%;
– roxo, de 1% a 20%;
– e azul-marinho, de 50% a 100%.
A expectativa dos pesquisadores é transformar a descoberta em kits de baixo
custo, estimados em cerca de R$ 10.
A pesquisadora Larissa Modesto, mestranda do IQ à época da pesquisa e que
liderou o estudo, diz que a adoção em larga escala é viável. Mas ainda é preciso
investimentos.
Seria necessário uma empresa que produz kit analíticos comprar os direitos de
comercialização da patente da Unesp, produzir o kit e vender. Como para metanol
em bebidas o limite é extremamente baixo (20 mg/100mL de bebida), qualquer
tonalidade de roxo que se formar já é suficiente para não receber aquele
carregamento de bebida.
Especialistas independentes avaliam que a inovação pode ser decisiva no contexto
de intoxicação em bebidas alcoólicas.
Márcia Ângela Nori, professora do curso de Engenharia de Alimentos da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e coordenadora da câmara de
Engenharia Química do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia
(Crea-BA), considera que a possibilidade de um kit para identificação rápida de
metanol em combustíveis e bebidas seria uma inovação importante, desde que haja
precisão nos resultados.
“Diante da perfeição de falsificação dos rótulos, esta seria mais uma
ferramenta de controle na defesa do consumidor”, diz Nori, elogiando a
iniciativa do grupo de pesquisa da Unesp.
“Mas o importante é sempre realizar a compra rastreada, ou seja, oriundo de
empresas que possuam responsáveis técnicos de processo de fabricação”, pondera a
engenheira química.
Já Fabio Rodrigues, pesquisador do Instituto de Química da Universidade de São
Paulo (USP), ressalta a necessidade de avaliar custos, capacidade de produção em escala e limites mínimos de detecção.
“O princípio químico do teste é coerente e dá a resposta necessária sobre a
presença de metanol”, diz o pesquisador.
“Ou seja, o método parece ser possível de uso e eficiente, mas é preciso
entender a viabilidade de produção em grande quantidade. A reação é semelhante
às usadas em bafômetros. O desafio está em entender a viabilidade de fabricação
em grande quantidade.”
O projeto já conta com duas patentes registradas no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI), com apoio da Agência Unesp de Inovação (AUIN), e
negocia com setores público e privado para viabilizar a produção dos kits.
Larissa Modesto, que liderou a pesquisa na Unesp, afirma que empresas do
setor privado e o poder público já manifestaram interesse na aplicação do método
em grande escala.
O metanol encontrado em bebidas adulteradas, como vodca, é altamente
tóxico e, em doses elevadas, pode causar cegueira ou até levar à morte.
COMO O METANOL AGE NO CORPO
O metanol é altamente tóxico e, em doses elevadas, pode causar cegueira ou até
levar à morte. A legislação brasileira limita a presença da substância em
combustíveis a 0,5% e, em bebidas destiladas, a 20 miligramas a cada 100 ml.
A substância é rapidamente absorvida pelo corpo. Os primeiros sintomas podem
ser sentidos de duas até 48 horas — a depender de quanto da substância foi
ingerido.
Uma vez absorvido pelo trato digestivo, ele passa pelo fígado e se transforma
nesses dois metabólitos tóxicos, que entram na circulação e chegam rapidamente
ao sistema nervoso. As células mais vulneráveis são os neurônios.
O corpo também passa a produzir substâncias muito ácidas durante a digestão
desse produto. Isso faz com que o sangue fique mais ácido do que deveria, uma
condição chamada acidose metabólica.
Para tentar compensar, a pessoa começa a respirar de forma rápida e curta, numa
tentativa de eliminar esse excesso de acidez pelo ar.
Essa combinação de efeitos — toxinas circulando no sangue, acidose metabólica,
sobrecarga do coração, dos pulmões e dos rins — pode levar à falência múltipla
de órgãos, porque cada sistema vital passa a funcionar de forma inadequada,
sobrecarregando os demais e comprometendo a capacidade do corpo de manter
funções essenciais.
O tratamento é feito em ambiente hospitalar e sempre supervisionado por
profissionais de saúde. O etanol pode ser administrado por via oral ou
intravenosa, mas apenas na forma farmacêutica, em grau de pureza adequado para
uso médico.
O objetivo é manter níveis constantes de álcool no sangue por um período
prolongado, até que o metanol seja eliminado naturalmente pela respiração e pela
urina, sem se transformar em ácido fórmico.
Esse processo é geralmente combinado com hemodiálise, que ajuda a filtrar o
sangue e acelerar a retirada do metanol e de seus subprodutos. Assim, o corpo
consegue se livrar da substância antes que ela cause danos irreversíveis.
Outra opção, mas ainda não disponível no Brasil, é o fomepizol, um medicamento
desenvolvido justamente para tratar intoxicações por metanol.
Neste sábado, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou a compra do
antídoto para o tratamento de pessoas intoxicadas por metanol.
O ministério divulgou que fechou, junto à Organização Panamericana de Saúde, a
compra de 2,5 mil unidades do medicamento. Elas serão compradas de um fornecedor
do Japão.
Segundo o ministro, também serão compradas 12 mil unidades de etanol
farmacêutico, outra substância usada para tratar de intoxicação.