O erro de Super Mario que deixou os gamers obcecados: Minus World

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A falha em ‘Super Mario’ que deixa gamers obcecados

Lançado há 40 anos, o jogo Super Mario Bros trazia um erro que levava o jogador para um ambiente que não deveria existir — e que se tornou uma lenda na história dos videogames.

A DE lançou o jogo original da série Super Mario 40 anos atrás — Foto: Nintendo

Fãs de videogames sempre procuram o inesperado quando se sentam para jogar. Afinal, há muito tempo, todos os grandes títulos trazem os chamados “easter eggs” (ovos de Páscoa, em tradução livre), áreas secretas, falhas técnicas intencionais e outras surpresas nos seus vastos mundos de fantasia.

Um exemplo é o jogo de corridas da Ubisoft “Driver: San Francisco”. Nele, se você dirigir um DeLorean — o carro da série de filmes “De Volta para o Futuro” (1985-1990) — a 88 milhas por hora (142 km/h), abrirá um nível secreto chamado Blast from the Past.

Em The Sims 4 (2014), digitar o código “motherlode” adicionará instantaneamente um bom dinheiro à sua conta.

Mas a história desses elementos imprevisíveis nos videogames remonta a 1985. Setembro marcou os 40 anos do lançamento de “Super Mario Bros”, o primeiro jogo da consagrada série Super Mario, para o sistema Nintendo Entertainment System (NES). E um erro de verdade chegou ao lançamento.

O erro fazia com que Mario deslizasse por uma parede e entrasse em uma zona especial, de onde surgia o acesso ao ‘Minus World’ — Foto: Nintendo

O erro ocorria logo no início do jogo. Ele fazia com que o protagonista Mario (um encanador italiano que recebeu a tarefa de salvar uma princesa de um castelo) pulasse em uma parede específica em um ângulo determinado.

Se você pulasse corretamente, seu personagem deslizaria pela parede até uma das Warp Zones, as regiões em que Mario poderia transitar entre os níveis, descendo por um cano.

Mas, se você o mandasse descer por um cano naquela Warp Zone, ele chegaria em um lugar que não deveria existir — um nível subaquático que acabava em um ciclo infinito. A única forma de sair dali era morrer ou reiniciar o jogo.

Este erro de código ocorria no nível 2 do Mundo 1, que era apresentado na tela como “World 1-2” (“mundo 1-2”, em inglês).

Depois que o Mario deslizasse pela parede e descesse o cano no Mundo 1-2, deveria surgir um texto na tela, indicando em qual novo mundo e nível ele estava entrando.

Mas o erro fazia com que surgisse um espaço em branco onde, normalmente, ficaria o número do mundo. Por isso, surgia a indicação “World -1”. Por isso, este nível secreto ficou conhecido como “Minus World”.

Os rumores sobre o fenômeno se espalharam entre os gamers logo após o lançamento do jogo. Ele se tornaria parte do folclore do mundo dos jogos eletrônicos em 1988, quando a revista americana “Nintendo Power” escreveu sobre o erro.

“Explore o misterioso Minus World”, dizia a reportagem. Ela ensinava os leitores como ter acesso ao nível oculto.

Atualmente, o Minus World é conhecido como “o maior erro de todos os tempos” no mundo dos games. Mas sua descoberta trouxe diversas questões que precisavam de uma resposta.

Teria a DE incluído aquele nível deliberadamente? Haveria outros níveis secretos em “Super Mario Bros”? E haveria outros segredos escondidos em outros jogos?

O lendário autor de games da DE Shigeru Miyamoto negou que o Minus World fosse uma função deliberada do jogo.

Mas o nível secreto aumentou ainda mais a aura de imprevisibilidade atribuída ao “Super Mario Bros”. Finalmente, ali estava um jogo com um mundo que se desenrolava gradualmente, diferente de tudo o que existia antes dele.

“Eu me lembro de achar [‘Super Mario Bros’] meio que estonteante”, relembra o autor e estudioso de videogames Brendan Keogh, que jogou Mario pela primeira vez na casa de um amigo, depois da escola.

“Naquele momento, a maioria dos games que eu jogava não tinha cenários, eles eram simplesmente pretos”, segundo ele.

“Por isso, ver os irmãos Mario, com esse mundo muito coerente, com criaturas fantásticas, campos, árvores, arbustos e nuvens… ele parecia meio que ilimitado, em termos do que poderia estar escondido e que você ainda não tinha visto.”

Alguns dos outros “segredos” do jogo foram colocados ali deliberadamente. Se você atravessar um telhado, por exemplo, poderá pular sobre ele e andar por um nível inteiro.

Até que surgiu essa grande surpresa acidental. Ninguém sabe ao certo quem descobriu o Minus World, mas só pode ter sido por erro.

O ‘Minus World’ era um nível subaquático que entrava em um loop infinito, impedindo Mario de escapar dali — Foto: Nintendo

Existem na internet diversas explicações técnicas complexas sobre o motivo desse erro. E, mesmo não sendo o nível mais emocionante do jogo (até porque ele nunca poderia ser completado), o Minus World atraiu a imaginação das pessoas em todo o mundo.

Scott Pelland trabalhou como Diretor de Publicações da DE nos anos 1980 e 1990. Ele afirma que os funcionários encarregados de atender às ligações telefônicas dos gamers — conhecidos como Conselheiros de Jogos — receberam inúmeras chamadas sobre o Minus World.

“Foi uma das questões mais populares por bastante tempo”, relembra ele.

Em uma entrevista em 2010, Miyamoto admitiu que, como não causava falhas nos jogos (e, talvez, devido ao apaixonado folclore em torno dele), o Minus World poderia, na verdade, ser considerado um recurso de “Super Mario Bros”, embora não fosse deliberado.

Gerações após o lançamento do jogo, a influência da falha sobre a cultura dos videogames permanece tão marcante quanto seu impacto imediato sobre os obsessivos jogadores do game da DE.

“Foi o Minus World que nos fez acreditar, pela primeira vez, que tudo era possível nos videogames”, anunciou a revista “Edge”, em 2015. E esta crença inspirou os desenvolvedores de jogos a realmente pensar fora da caixa.

“Frog Fractions”, por exemplo, foi um jogo baseado em navegador, lançado em 2012.

Ele começava com uma premissa simples. Os jogadores controlariam um sapo que capturava insetos com a língua. Segundo sua sinopse, aquele era um jogo educativo que ensinava frações às crianças.

Mas não era verdade. Se você fizesse um truque específico no nível inicial de pegar insetos (não vamos dar spoilers sobre o truque aqui), você era levado para uma aventura totalmente imprevisível no espaço, com tribunais, túneis subaquáticos e batalhas de dança.

Seu criador, Jim Stormdancer (antes, Jim Crawford), declarou à BBC que se inspirou naquela reviravolta mirabolante dos jogos “Super Mario Bros” para recriar a sensação de descrença vivida pelos gamers que descobriram seus segredos.

“Você consegue reforçar a ideia de que tudo pode acontecer”, ele conta, em referência ao Minus World.

“Você pode jogar esse game por uma semana e, de repente, pular no ponto certo e entrar em algo que você não sabia que existia.”

Ele se lembra de ter encontrado o Minus World pela primeira vez quando era jovem.

“Deslizei pelos tijolos. Aquilo realmente me trouxe a sensação de um mundo mágico, ao qual tenho acesso pelo controlador e pelo toque.”

Depois do Minus World, os jogadores de videogame passaram a esquadrinhar cada centímetro quadrado virtual dos seus jogos favoritos, em busca da oportunidade de encontrar outras funções inesperadas resultantes de erros de código. E muitos surgiram ao longo dos anos.

Um erro em “Spyro: Enter the Dragonfly” (2002) permitia que você pulasse diretamente para a última fase cerca de 30 segundos depois de entrar no nível 1, se fizesse o dragão protagonista realizar um movimento conhecido como “salto-bomba” (ground pound, em inglês), perto do portal direito.

Dirija seu carro balançando em “Grand Theft Auto 4” (2008) e você poderá dispará-lo para o céu. Ficar preso agachado em “Halo 2” (2004) e pular em um trecho específico da geometria do jogo fará você dar um supersalto para áreas antes inacessíveis.

Havia dragões que voavam para trás no jogo “The Elder Scrolls 5: Skyrim” (2011) e personagens sem rosto em “Assassin’s Creed” (2007). E também era possível capturar um emaranhado de pixels chamado “Missingno”, nos jogos “Pokémon” Vermelho e Azul (1996).

Todos esses erros inseridos acidentalmente pelos desenvolvedores eram avidamente procurados pelos gamers. E este tipo de fenômeno fazia com que eles acreditassem que poderia haver, nesses mundos de ficção, algo além do que os olhos podem ver.

O especialista em games Danny O’Dwyer talvez tenha definido melhor a questão em um documentário no seu canal no YouTube, chamado Noclip. Ele enalteceu o mistério de jogos como “Frog Fractions”, defendendo que o mistério, agora, está se dissipando, em um mundo de jogos cada vez mais lapidado e livre de erros.

“É uma sensação que parece evaporar, à medida que os anos passam”, declarou ele. “A DE sensação breve, mas poderosa, de que talvez não saibamos tudo sobre o game que estamos jogando.”

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.

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