De tanto ouvir a frase “Vida longa à Rainha!”, Elizabeth II da Inglaterra já completou 94 anos. E não são anos de uma vida comum: é quase um século sendo a monarca mais poderosa do planeta. No seu reinado, à frente de um dos maiores impérios de que já se teve notícia (a Inglaterra foi potência colonizadora), Elizabeth viu 12 presidentes americanos sendo eleitos -e reeleitos- e só não enterrou cinco papas porque Bento XVI ainda está vivo, apesar de não ocupar mais a cadeira de São Pedro.
Em novembro de 2016, a Netflix lançou o primeiro episódio de “The Crown” (em português, “A coroa”) que conta a história de todo o reinado da monarca britânica, desde a morte de seu pai, o Rei George VI, em 1952. Na série mais cara já produzida pela Netflix, vemos a princesa de 25 anos que acabou de se casar com o belo Duque de Edimburgo, Phillip, tendo que se transformar, de repente, em “Vossa Alteza Real, a Soberana do Reino Unido”.
Não é um caminho fácil! Se “The Crown” nos ensina algo, é que berços de ouro são pesados demais e poucos são realmente capazes ou virtuosos o suficiente para suportá-los. “Mas, para o bem ou para o mal, a Coroa caiu sobre a minha cabeça”, diz Elizabeth na voz de Claire Foy, a atriz de olhos claros que deu vida à rainha nas telas.
Roteiros impecáveis à parte, este texto é sobre a monarquia. Afinal, como a série retrata esta forma de governar que persiste ininterrupta nas terras inglesas? Descobrimos muitas coisas. Em primeiro lugar, aprendemos, junto com a jovem Elizabeth Windsor, que a coroa não é mais um ornamento sem sentido, ou que os reinados não são meros “teatros” onde não se reconhece a passagem do tempo.
Se você é daqueles que acreditam que a monarquia é inútil, arcaica e ultrapassada, “The Crown” mudará sua mente com facilidade. Na história, vemos que o papel exercido por uma família nobre não é apenas o de acenar para seus súditos plebeus: a figura da Rainha é poderosamente centralizadora. Por isso, confere estabilidade para a política nacional e principalmente mantém o povo unido, sob um ideal, debaixo de uma coisa maior do que eles mesmos: a nobreza humana. Daí, surge o sentimento irresistível de pertencer a algo superior à própria vida: o sublime, transcendental e divino.
Ter uma Rainha dá sentido ao povo inglês. Ela representa a rica história, as virtudes e os costumes de seu povo. O mundo pode estar desabando: se a Rainha aparece para confortar os seus súditos, o Reino Unido inteiro se acalma. Por isso mesmo, a série trata o Trono com toda a dignidade que de fato ele tem: é uma verdadeira missão divina ser a Soberana de um povo, abdicar de si e se perder na sombra da Coroa.
Sim, doar a vida! Elizabeth vive em constante conflito entre ser mãe, esposa, filha, irmã, e ainda ter tempo para assumir o reinado da Inglaterra. Ela, a todo momento, abre mão de suas próprias vontades para que a Coroa permaneça de pé. Não é mais dona de si desde o dia que o pai morreu: pertence ao povo britânico. A soberania de um monarca, ao contrário do que muitos pensam, não lhes permite realizar todos os caprichos pessoais: em “The Crown”, a Rainha é uma serva que se curva diante da Constituição.
E, de fato, é isto que são os reis: guardiões da lei, da ordem e da Justiça. Velhos ditados costumam dizer que o país tem a cara do seu soberano. Por isso mesmo é que Elizabeth anda de salto alto sobre casca de ovos: não lhe é permitido falhar. O menor deslize quebraria para sempre a magia do reinado e o encanto da Coroa, exercido há tanto tempo sobre o povo. Se “Lilibeth” for “gente como a gente”, poderia até ter seus 15 minutos de fama, mas deixaria também de ser a Rainha, o ser de ar “inalcançável”. Um teatro? Pode ser, mas dos bons. É, em último nível, um teatro necessário. Cheio de significado.
Todos os membros da família real que tentaram, nas 4 temporadas, colocar suas imagens pessoais acima da Coroa, falharam vergonhosamente e caíram no descaso. Ao contrário da Rainha, eles escolheram os 15 minutos. Mas no fim, só Elizabeth resiste: porque humilde, compreendeu perfeitamente o seu papel enquanto Soberana. Sim, obviamente ela trocou poucos minutos de barulho por 68 anos estáveis de reinado. Como? É bem simples! Elizabeth II descobriu o segredo da monarquia: reinar é ser o maior dos servos.
Ou em outras palavras, ditas por outra pessoa: “Quem se humilhar, será exaltado”.