ONGs: Projeto sobre emendas pode recriar escândalo dos “Anões do Orçamento”
A criação da Secretaria Especial de Orçamento Público motivou o posicionamento das organizações. A Transparência Internacional e a ONG Contas Abertas divulgaram nesta quarta-feira (12) uma nota criticando o projeto que altera as regras de execução orçamentária, que deve ser votado pelo Congresso nesta quinta-feira (13).
Segundo as entidades, a proposta representa “um retorno às condições que favoreceram o escândalo dos Anões do Orçamento”, que ocorreu no início dos anos 1990 e envolveu um grupo de parlamentares de baixa estatura física que integravam a Comissão de Orçamento do Congresso.
Liderados pelo então deputado João Alves, eles cobravam propinas de prefeitos e empreiteiras para incluir obras no Orçamento da União e desviavam recursos por meio de entidades fantasmas. À época, a CPI do Orçamento expôs o esquema, resultando na cassação de alguns envolvidos e impulsionando reformas para coibir a corrupção no processo orçamentário.
O motivo da nota das ONGs, como revelou a CNN, é a criação de um novo órgão: a Secretaria Especial de Orçamento Público. Conforme o texto do projeto, essa secretaria será responsável pela definição da política e dos critérios para a divulgação de dados, publicações e informações orçamentárias.
Na prática, isso retira atribuições das consultorias de Orçamento, Fiscalização e Controle da Câmara e do Senado, órgãos compostos por técnicos concursados e independentes de parlamentares.
Essas consultorias foram fundamentais nos últimos anos para apontar inconsistências na execução orçamentária, incluindo os esquemas conhecidos como “Orçamento Secreto” e “emendas Pix”, caracterizados pela falta de transparência e rastreabilidade dos recursos públicos. Para as ONGs, a mudança proposta pode dificultar a divulgação de informações essenciais.
“De modo incompreensível, e sem qualquer justificativa técnica, pretende-se criar um novo órgão, a Secretaria Especial de Orçamento Público. Vinculada diretamente à Presidência do Congresso Nacional, este novo órgão concentrará todo o trabalho relativo às leis orçamentárias, escanteando a atuação das consultorias técnicas de orçamento da Câmara e do Senado, podendo criar empecilhos à divulgação de informações a respeito do orçamento. O arranjo configura um retorno às condições que favoreceram o escândalo dos Anões do Orçamento”, afirma a nota.
As organizações ressaltam que a proposta representa um retrocesso de 30 anos. Deputados do PL viram réus no STF por desvio de emendas.
“A Consultoria de Orçamentos do Senado foi criada em 1994, no rescaldo da CPMI que apurou o esquema de corrupção envolvendo, não por coincidência, emendas parlamentares. Esses órgãos são compostos por servidores concursados, com algum nível de independência, e têm se notabilizado por fornecer informações detalhadas e de qualidade por meio de notas técnicas que informam o debate público e o próprio processo legislativo orçamentário. Retirá-los desta função representa um retrocesso de 30 anos no já combalido processo orçamentário brasileiro”, alertam.
O fortalecimento das consultorias foi uma recomendação da CPMI dos Anões do Orçamento, justamente para aprimorar o processo orçamentário no Congresso, fortalecer seus órgãos técnicos e garantir a “máxima transparência e publicidade na tomada de decisões”.
“É alarmante que, 31 anos depois, o Congresso siga avançando de maneira diametralmente oposta às suas próprias recomendações”, conclui a nota. A CNN procurou o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), e o relator do projeto, Eduardo Gomes (PL-TO), vice-presidente do Senado, e aguarda posicionamento.
A íntegra da nota conjunta da Transparência Internacional e da ONG Contas Abertas critica a proposta de Resolução em discussão para regulamentar o processo de formulação das emendas parlamentares. Alega que reverte avanços institucionais já consolidados e contraria decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. Deste modo, sua aprovação, nos moldes em que se encontra, não atenderá ao plano de trabalho homologado pelo STF, nem aos interesses da sociedade.
Apesar da falta de transparência e participação no processo legislativo, o texto a ser votado não foi sequer protocolado oficialmente a menos de 24 horas da sessão. A opacidade no processo legislativo se repete no próprio teor da proposta em discussão.