Opinião: golaço redentor de Tauã salva uma Lusa ainda aquém
Quatro anos e 102 partidas depois, volante marca primeiro e merecido gol pela Portuguesa; atleta decidiu o 2 a 1 sobre o Porto Vitória-ES, em outro jogo de futebol fraco.
Tauã é um dos símbolos da tentativa de reconstrução da Portuguesa pós-centenário. Chegou ao clube em 2021, formou uma bem sucedida dupla de volantes com o amigo Marzagão, tornando-se campeão da Série A2 em 2022 e ajudando a recolocar a equipe na primeira divisão depois de sete longos anos em um lugar que não era dela.
Criticado principalmente pelos passes errados, dali em diante encarou estaduais começando no banco de reservas. “Não tem perfil de A1”, diziam muitos. Com muito suor e dedicação, e até perdendo a companhia de Marzagão, reconquistou espaço. Foram três anos começando como reserva e terminando como titular absoluto, sendo peça fundamental na virada de chave do time nas três competições, vital para que a Lusa permanecesse na elite do Paulistão. Mais do que isso, cresceu e evoluiu bastante.
O volante adquiriu uma importante compreensão que falta a muitos, não só no futebol, mas em todas as áreas de atuação: saber no que se é bom e no que não se é tão bom. Concentrar o suor, o esforço e o foco em aprimorar um e mitigar o outro. E assim Tauã chegou a essa Série D de Campeonato Brasileiro. A torcida pode ter dúvida sobre quase todas as posições, menos a dele. Não importa se estará com a 5, com a 8 ou com a 15 que usa atualmente. Vestirá a camisa como nenhum outro.
Corre o campo inteiro, se entrega da mesma forma na primeira e na última jogada, não vê bola perdida, morde, atiça, faz uma marcação carrapato como poucos, conversa com o árbitro, briga com o adversário, separa quando é hora, sabe jogar o jogo da divisão. Depois de quatro anos, é o último remanescente daquela Portuguesa de Série A2 e Copa Paulista. Tem, como ninguém hoje no futebol rubro-verde, a noção do que é esse clube, do que é essa torcida, e do que é necessário para o tão sonhado futuro.
Por falar em sonho, um deles quase vinha virando pesadelo. Ou lenda. Ou uma espécie de sina interminável. Tauã nunca havia marcado um gol pela Lusa. Sim, é volante, daqueles raiz, de contenção, de marcação, etc. Só que, com esse, eram 102 jogos. Quis o destino que esse tabu acabasse neste sábado, diante do Porto Vitória-ES, no solo sagrado do Canindé, nos acréscimos de um jogo feio e truncado, de fora da área, um petardo, indefensável, inalcançável, no ângulo, estufando as redes, explodindo a torcida.
A torcida se vê em Tauã. É como se cada um e cada uma na arquibancada tivesse chutado aquela bola com ele. Com força, com fé, com esperança. Com a vontade de destravar um jogo amarrado, feio, morto. Com a vontade de se livrar desse calvário, de virar a chave, de recuperar a confiança no acesso, na vitória, na volta por cima. Sim, porque o gol de Tauã salvou uma Portuguesa ainda bem aquém daquela que se espera nessa Série D. Daquela que a torcida sabe, até por experiência na divisão, que será necessária em uma longa e tortuosa fase de mata-mata em busca da semifinal.
Dez rodadas se passaram e o técnico Cauan de Almeida ainda busca a escalação ideal. Não apenas por responsabilidade dele, sejamos justos, mas porque o elenco carece de peças e algumas só chegaram agora. Após um fim de semana sem jogo, com uma semana a mais de treinamento, viu-se um novo onze inicial da Portuguesa. Bertinato no gol; Carlos Eduardo na lateral direita e Matheus Leal na esquerda; Gustavo Henrique e Eduardo Biazus no miolo de zaga; Tauã, Portuga e Marcelo Freitas no meio; Igor Torres em uma beirada, Cauari na outra e Cristiano um pouco mais adiantado.
Carlos Eduardo e Marcelo Freitas, recém-chegados na janela de transferências, fizeram a estreia. Matheus Leal voltou à esquerda após duas rodadas. Igor Torres e Cauari também voltaram a começar jogando. Portuga ganhou a titularidade no meio. Cristiano continuou como titular absoluto, claro, mas atuando em uma posição diferente.
A primeira vista, uma equipe mais ofensiva. Saiu, por exemplo, Barba. Um volante de saída, mas um volante. Entrou no lugar Portuga, um meia, mais para meia-atacante. Em alguns momentos pode funcionar. Em outros, o jogo pode pedir algo mais seguro. É absolutamente natural um time tão mexido encontrar dificuldades. Ainda que tenha tido duas semanas de treinos, foi o primeiro jogo. Erros de passe, buracos na marcação, jogadas desconexas, etc. Isso tudo acaba sendo normal. Só que foi pior do que isso. A Portuguesa simplesmente não conseguiu produzir quase nada. São raríssimas as lembranças de qualquer um que esteve no Canindé de chances de gol. E nem foi porque o Porto Vitória-ES impôs uma marcação cerrada, jogou bem, criou muitíssimo.
Não. A Lusa foi improdutiva, pouquíssimo impositiva e quase nada efetiva. O gol de Marcelo Freitas no primeiro tempo, abrindo o placar, teve sim o mérito dele de arriscar de longe. Aliás, mostrou até em outros momentos do jogo ter essa qualidade. Só que aquela bola só balançou as redes graças a um desvio do zagueiro do time capixaba. O próprio gol do Porto Vitória-ES, empatando no segundo tempo, só saiu graças a uma falha clamorosa do estreante lateral direito Carlos Eduardo. Perdeu uma bola que não se perde nem em treino. Gustavo Henrique até tentou acompanhar o jogador adversário em direção ao gol, mas foi pego de surpresa por aquele erro grosseiro e grotesco. É preciso tomar cuidado ao tirar conclusões e fazer julgamentos definitivos com base em um jogo e poucos minutos em campo. Quer dizer que Carlos Eduardo (assim como Alysson Dutra na rodada passada) seja péssimo e não tenha nenhuma condição de ser titular? Ainda não. Mas que foi uma estreia desastrosa, infelizmente foi. Preocupa, claro. Afinal, a lateral direita tem sido um pesadelo. Talles apoia bem, mas marca mal. Sciência marca um pouco melhor, mas oscila bastante, natural pela idade. O ideal seria uma estreia sólida, convincente. Não rolou. Mas é preciso honestidade. Ainda na leva das atuações negativas esteve Cauari, bem apagado e aparentemente desconectado. Igor Torres, do outro lado, até corre, luta e tenta, mas muitas vezes esbarra nas próprias limitações técnicas. Cristiano mal viu a bola chegar.
Boas atuações praticamente não houve. Mas houve alguns indícios. Marcelo Freitas, por exemplo, deu certa perspectiva. Falta tempo, rodagem, até teste dentro do próprio time, sobretudo envolvendo Cristiano. Ainda não encaixou, mas pode encaixar e ajudar. Portuga demorou um pouco a se encontrar, mas o caso dele é muito mais do dilema do que a equipe pretende do que da atuação em si. A atuação de destaque mesmo foi de Tauã, pelo golaço, e por salvar essa Portuguesa desbaratada que se viu em campo.
As próprias trocas de Cauan surtiram pouco efeito. Em parte, claro, porque já era um time em adaptação, desencaixado. Em parte, sejamos sinceros, pela falta de qualidade técnica. A pobreza técnica desse elenco é um dos pontos de preocupação. Sim, a Lusa é líder do grupo, venceu todos os jogos no Canindé até aqui, soma apenas duas derrotas e está virtualmente classificada. Os números são excelentes. Poucos sonhariam com esses números antes de a Série D começar. Só que, até pela situação matemática atual, a preocupação está no mata-mata e no futebol, na bola jogada.
Faltam quatro rodadas e as últimas quatro atuações foram ruins. As duas vitórias que vieram dessas atuações foram graças a um gol contra (Nova Iguaçu-RJ) e um golaço do meio da rua nos acréscimos (Porto Vitória-ES) de quem nunca havia marcado. Sim, é Série D. Não há muito futebol bonito por aí. Na verdade, quase nenhum. Nem se espera isso. O que se espera é competitividade, intensidade e adaptação. A Portuguesa ainda parece um time preso a um só esquema e refém de um banco paupérrimo.
Pode ser suficiente? Até pode. Mas o receio da torcida não é só exagero ou trauma. A hora de corrigir, melhorar e evoluir é agora. Até aqui, pouco se viu. O desempenho tem sido tão desanimador quanto foi ver o estado lastimável do gramado do Canindé.
Para finalizar, outra preocupação: a postura. Está claro, evidente, transparente que o elenco está unido, que o clima é excelente, que a relação com o treinador é ótima, etc. Só que, dentro dos jogos, ainda é comum ver o time baixar de intensidade, baquear quanto toma gol, não demonstrar poder de reação, vibração, pegada nessas horas.
Parece ser, inclusive, um dos motivos para Cauan ser tão criticado pela torcida. Em vários momentos, o jogo está pedindo isso. E a torcida não vê em campo, nem no banco. É uma característica dele. Ok. Só que é preciso encontrar alguma liderança, que seja até dentro de campo, capaz de puxar, religar, replugar, reconectar.
Nada está perdido. Não está tudo horrível. Não há terra devastada. Nada disso. Os números são bons, a classificação está encaminhada. Só que é preciso, pelo menos da porta para dentro, admitir com honestidade o desempenho. Nem sempre vai haver um golaço do meio da rua, um gol contra, um pênalti dado. Não é implicância. É bola.
*Luiz Nascimento, 33, é jornalista da rádio CBN, documentarista do Acervo da Bola e escreve sobre a Portuguesa há 15 anos, sendo a maior parte deles no ge. As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem as do site.