Por: Dra. Paloma de Paula Orrigo
Como observado pela lei anterior – Lei n. 11.101/2005, a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Dessa forma, as empresas em crise econômica, em observância aos requisitos estabelecidos pelo artigo 48 da Lei citada, ajuizavam o pedido de recuperação judicial, observando também o artigo 51, apontavam as razões e a necessidade da concessão da recuperação judicial, e ainda, juntavam o rol da documentação comprobatória que visava demonstrar a real necessidade do deferimento.
Contudo, com a proliferação do COVID-19 pelo Brasil, e o fechamento do comércio, de órgãos públicos, bem como, com as medidas sanitárias de contenção do vírus, algumas empresas encontraram-se em uma situação bem peculiar, visto que não conseguiram organizar ou solicitar as documentações necessárias preconizadas pela Lei Falimentar em tempo hábil, o que poderia ensejar em inúmeros prejuízos à Requerida, como penhora nas contas, arrestos ou outra medida de constrição/expropriação em virtude de medidas constritivas decorrentes de ações de execução contra si ajuizadas, comprometendo todo o soerguimento da atividade empresarialou da atividade rural do produtor rural.
Com o advento da nova Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei n. 14.112/2020) sancionada em 24/12/2020 pelo Presidente da República, foram observadas algumas alterações, uma vez que tal situação não poderia ser razão de prejudicar ou comprometer ainda mais a crise econômica que aquele empresário vem passando.
Uma dessas mudanças foi a possibilidade de concessão de tutela provisória para antecipar os efeitos do período de blindagem antes do deferimento da Recuperação Judicial da empresa e/ou produtor rural, suprindo uma lacuna na lei anterior, bem como, superando antiga divergência doutrinária sobre a possibilidade de antecipação de tutela em ações constitutivas.
A nova lei preconiza em seu artigo 6º, § 12 a possibilidade do juiz, nos moldes do art. 300 do Código de Processo Civil de antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da Recuperação Judicial.
Para um melhor entendimento, podemos vislumbrar que o empresário em crise (ou produtor rural), não poderia aguardar o deferimento do processamento do seu pedido de Recuperação Judicial em razão da atipicidade da situação econômica e sanitária que o Brasil se encontrava, sem ao menos, ter chance de renegociar suas dívidas com o auxílio do poder Judiciário.
Tal exemplo iria ao encontro com o princípio basilar da Lei Falimentar: o princípio da preservação da empresa, a qual aponta que o objetivo da Recuperação Judicial seria de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Vale destacar que diante da sensibilidade do tema, os Tribunais já vêm demonstrando sensatez na análise dos pedidos de antecipação dos efeitos da blindagem. Nesse ponto, vale destacar a decisão proferida pela Juíza Maria da Penha Nobre Mauro, da 5ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, nos autos do pedido de Recuperação Judicial formulado pela Associação Sociedade Brasileira de Instrução – ASBI e Instituto Cândido Mendes – ICAM, processo nº 0093754-90.2020.8.19.0001, que, a partir da análise do contexto histórico, da função social e da adequação do ordenamento jurídico à concepção moderna da atividade empresarial, deferiu a tutela provisória de urgência para antecipar os efeitos do stayperiod, a contar do protocolo da petição inicial.
Dito isto, a possibilidade de antecipação dos efeitos do stayperiod é uma garantia ao empresário de que o Poder Judiciário, quando demonstrada a necessidade e urgência, irá socorrê-lo, ainda que sem o preenchimento dos requisitos preconizados, para que dessa forma, tenha tempo hábil e consiga providenciar as documentações necessárias ou ainda, garantir o funcionamento da atividade empresarial até o deferimento do processamento, após análise pormenorizada do laudo judicial elaborado pelo Perito Judicial em sua Constatação Previa.
Dra. Paloma de Paula Orrigo Ribeiro Leite é advogada da área de recuperação judicial e atua no escritório Mestre Medeiros Advogados Associados. E-mail: [email protected]