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Paulo Freire: o que “direita” e “esquerda” pensam do pedagogo

Por Sara Andrade

Há cem anos nascia Paulo Freire. Essa data foi lembrada no Brasil com ares emprestados daquela canção de Fábio Júnior: “Você foi meu herói, meu bandido”. Enquanto membros do Governo Federal e uma séria de educadores brasileiros questionavam o seu título de “Patrono da Educação” nacional, no último dia 19, políticos da oposição, professores e até o Google (sim!), prestavam homenagens ao homem que, para bem ou para mal, foi determinante no modo de aprender das últimas gerações.

E você? Não é professor, nem político, e nem especialista em Paulo Freire, mas como muitos, foi à escola, e gostaria de entender como se deu o processo a que talvez você mesmo foi submetido. Afinal de contas, Paulo Freire é o grande herói da educação brasileira, ou um dos grandes responsáveis por seus fracassos? O Diário do Estado chamou dois professores com opiniões distintas para debaterem o caso.

O Método

Paulo Freire implantou um projeto de alfabetização baseado em ensinar a ler através palavras que são comuns no dia a dia do aluno. Assim, entenderia-se a formação das palavras repetindo frases como: “Eva viu a uva”, que contém vogais e consoantes semelhantes. Esse método concorre com o mais comum, o da fonética, em que o aluno aprende o som das letras, e logo começa a formar sílabas: “ba-be-bi-bo-bu”.

Freire também difundiu no Brasil uma educação atrelada à política, estimulando o que chamava de “senso crítico dos alunos”. O pedagogo acumulou 48 títulos de Doutor Honorário em universidades brasileiras e fora do país, fato comumente resgatado por seus admiradores para validar a sua importância.

Debate

Para Melquisedec Ferreira, títulos de Honoris Causa não significam muito. Sociólogo, professor de literatura e criador da página “A Formação do Imaginário”, com 90 mil seguidores no Instagram, Melk (como é conhecido pelos alunos), diz: “O mérito de um educador não é ser louvado, condecorado, citado em milhões de artigos. O único mérito de um educador é educar”.

Ele chama atenção para o fato de que “onde quer que as ideias de Freire tenham sido aplicadas, não há nada: não há diminuição do analfabetismo, não há mais cultura, mais vida intelectual. Qual o nosso destaque no PISA (indicador educacional)? Ser muito ruins em ciências, leitura e matemática”.

Drª Fabiane Lopes de Oliveira é professora da Faculdade de Educação da UFG e dirige o comitê goiano da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Para ela, que declarou não ter considerações negativas ao trabalho de Freire, estes resultados ruins não podem ser atribuídos a ele, mas ao sistema educacional como um todo, que para seu bom funcionamento, depende de “políticas públicas e investimentos, como em salários dignos e formação continuada”, o que ela lembra que é falho.

Mas o professor Ferreira volta a atenção para Freire citando um documento: “Vejam o Critical View of Paulo Freire´s Work” (Visão Crítica do trabalho de Paulo Freire), por John Ohlinger: ali não é Bolsonaro ou quem quer que seja criticando. São pessoas que conviveram com Freire e aplicaram suas ideias. Depois de décadas, não encontraram nada que preste”.

No plano social, a Drª Fabiane Lopes descreve o trabalho de Paulo como tendo “foco principal aos menos favorecidos. Sua experiência foi exitosa em alfabetizar, mas também em tornar consciente da sua participação social aqueles que não tinham sido incluídos na sociedade. Paulo Freire mostra que todos os cidadãos e cidadãs podem ter participação, inclusive refletindo, criticando e questionando sua posição subserviente, buscando romper com um ciclo vicioso em que os que têm pouco não podem ter oportunidade de evoluir, crescer, prosperar”, ela aponta.

Ela sobe a bola, e Melk decide rebater. “Por mais que se fale de Freire como um grande revolucionário e libertador, tudo o que Freire fez foi privilegiar o Statuos Quo”, polemiza o professor de literatura. “O papel da linguagem não é ampliar a nossa voz no mundo para entender pessoas diferentes, fora do meu gueto?”, pergunta. “Freire ampliou as diferenças culturais e sociais, porque ao invés de sair do seu horizonte imediato, o aluno só aprende a operar dentro da linguagem do seu gueto, da sua comunidade”, argumenta. “A ‘pedagogia do oprimido’ mata a possibilidade do oprimido se libertar dos grilhões que pesam sobre ele e sua classe social”, conclui.

Mas em ao menos uma coisa os dois concordam: Paulo Freire, de fato, é o patrono da educação no Brasil. “Sou Freireana e defendo-o com o título”, reafirma Fabiane. “É ele mesmo!”, concorda Melk, mas por razões distintas. “Não por conta da metodologia pedagógica, mas pelo objetivo de transformar a educação em um projeto de luta de classes”. O Diário do Estado então questionou o sociólogo se isso era um problema.

“Ser preto ou branco, pobre ou rico, proletário ou burguês… isso define plenamente uma pessoa? Óbvio que não. Você só ajuda alguém a se livrar da opressão quando tira dela o olhar das circunstâncias adversas e expande para que ela veja dentro dela mesma que há possibilidades que estão ali não porque ela é pobre ou explorada, mas só porque ela é pessoa. Todo mundo é capaz de compreender Machado de Assis e Gabriel Garcia Márquez, mas o foco na luta de classes reduz o horizonte da pessoa”, explica Melk Ferreira. “Tudo o que ela poderia fazer para se livrar da opressão acaba caindo no esquema partidário, e ela acaba escrava do partido, dos militantes”.

E você, de qual lado está? Se há senso crítico Freireano sobre o céu de anil, talvez você já tenha escolhido entre herói e bandido. Ou talvez prefira observar, por enquanto. Em todo caso, eis aqui a sua lupa.