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Pequenos negócios dentro e fora da internet exigem mais que dom para se tornarem sucesso

Última atualização 12/10/2022 | 17:11

O desejo de muitas pessoas é ter a carteira assinada ou a estabilidade do serviço público, mas as mudanças socioeconômicas “empurraram” jovens e adultos a experimentar o empreendedorismo. O atual cenário sinaliza que a tendência é o aumento de brasileiros chefiando seus micro e pequenos negócios, segmento responsável por parte da geração de empregos nacional e pouco mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB), chegando a 27%. 

Seja por vocação, necessidade ou acaso, atualmente 8,9 milhões negócios no País, sendo cerca de 645 mil  em Goiás, estão na ativa, de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O caminho tem muitos obstáculos e quem consegue superar coleciona motivos para celebrar o desenvolvimento e amadurecimento pessoal e profissional. A chef de cozinha Jacqueline Dutra aprendeu a se manter de pé buscando aprimorar habilidades que não tinha antes de montar seu ateliê gastronômico.

Ela garante ter o melhor produto entre os poucos concorrentes na área de alimentação saudável e funcional no mercado goianiense. A ex-líder de bistrôs e restaurantes se arriscou em uma sociedade antes de decidir ter a própria empresa como uma conquista pessoal. Jacqueline buscou conhecer mais sobre o assunto e conseguiu entender como fazer a gestão do tempo para conseguir criar e vender, sem abrir mão de  nenhum dos aspectos. A determinação do preço  tinha parâmetros equivocados, o que comprometia as contas do pequeno negócios.

“Antes eu me baseava apenas na concorrência. Depois, eu entendi que o meu produto é exclusivo e isso não funcionava porque meu produto é de alta qualidade e artesanal. Hoje, me baseio no meu custo tendo o limite de 35% do CMV, que é o Custo da Mercadoria Vendida. Eu uso essa estratégia e consigo arcar com outros elementos, como gás de cozinha, energia, matéria-prima, investimentos…Felizmente tenho bons resultados”, detalha a gastrônoma.

Pré-requisitos dos pequenos

O estudo é a palavra-chave dos micro e pequenos empreendedores. O economista Luiz Carlos Ongaratto defende a capacitação constante como um dos pilares para o sucesso do formato de negócio gerador de renda  para 20 milhões de brasileiros, segundo o Ministério da Economia. As “disciplinas” básicas para os patrões são analisar outras empresas, gestão de negócios, administração, pessoas e finanças. Ele alerta que um bom produto e/ou ideia por si sós não se transformam em um empreendimento, muito menos em dinheiro sem outros elementos.

“Empreendedor é para a pessoa que batalha, estuda, trabalha e persiste. Não tem a ver com o dom, mas com habilidades. Todos têm a capacidade de  desenvolvê-las na área comercial, de gestão e financeira. É preciso entender que um pouquinho de cada coisa forma um negócio. A baixa qualificação, inclusive, costuma ser o maior erro dos empresários. O investimento em marketing também conta, especialmente para os produtos que precisam ser vendidos rapidamente, como os perecíveis”, afirma.

Marcar presença na internet colabora muito para pequenas empresas deslancharem nas vendas. A construção da imagem pesa muito na decisão de compra do consumidor, assim como trilhar a jornada do cliente em potencial. O especialista em marketing Adailson Soares atribuiu ao detalhamento do produto e à diversidade de opções parte dos maiores acertos dos empresários na internet.

“A pessoa pode olhar e não conseguir decifrar o que está sendo vendido nem como está sendo vendido. Um cadastro bem feito ajuda a gerar vendas. Outro aspecto elementar, mas que muita gente não se atenta, se trata da diversificação de redes sociais, que vão além de Instagram e Facebook”, frisa. 

Vencer o medo e reprovação da família foram alguns dos desafios da estilista Letícia Jayme. A empreendedora apostou na no desejo de criar roupas, nascido quando ainda era criança, para conseguir chegar ao patamar atual. O ateliê montado no Jardim Caiçara, em Goiânia, sofreu modificações até ganhar o perfil que a proprietária almejava e a quantidade de clientes sofreu um “boom”. A delicadeza, minimalismo e qualidade das peças atraiu mulheres de outros estados. Criar uma página na internet foi essencial para marcar território dentro e fora da internet mesmo já tendo seguidoras cativas em uma rede social.

“Estamos aprimorando as vendas on-line e criamos um site para facilitar as vendas em outros estados. Nesse momento, a dedicação está em melhorar ainda mais a experiência do cliente nas compras à distância buscando formas de atendimento para que se sintam seguras ao comprar, acertem a numeração e tenham a melhor experiência conosco. O objetivo a longo prazo é adequar a produção e ter uma equipe maior para atender a demanda atual”, projeta.

Para a estilista, uma loja física da marca que leva o seu nome está na lista de sonhos. O trabalho reconhecido pela “comunidade” que criou ao longo do tempo permite almejar outros passos com planejamento. Letícia afirma que as clientes consomem, elogiam e divulgam a marca presencialmente e virtualmente nas mídias sociais. Essa publicidade, especialmente no on-line por meio do marketing digital, exige menos investimento comparado há alguns anos, quando se limitava à tv e rádio e oferece maior possibilidade de alcance de público.

Atenção ao mercado

Adailson destaca que estar na internet pode ser considerado o atributo mais elementar dos micro e pequenos negócios. Conquistar consumidores pede ainda inovações e atenção às tendências, conforme fazem grandes players do mercado. Ele cita como exemplo a falência da maior rede de locadora de vídeos de filmes e videogames do mundo, a Blockbuster, por não migrar para o digital, o que deu espaço para crescimento da provedora de streaming Netflix.

“O online não pode converter em vendas propriamente dito porque quem vai fazer a venda é o empresário. Se você tem um bom produto com boa apresentação e uma boa comunicação, através do on-line essa venda será realizada. Não podemos nos esquecer do peso do pós-venda que fideliza clientes. Quando bem feita, pode fazer com que um cliente satisfeito leve outro a comprar”, frisa o especialista.

Com a pandemia, alguns hábitos de compra mudaram e consumir em micro e pequenos negócios se tornou mais comum pela facilidade e custo. A hashtag “Compre do Pequeno” viralizou na época para impulsionar as vendas em empresas de bairro. O analista do Sebrae Goiás, Paulo Renato Adorno, lembra que as pessoas querem estabelecimentos em diversos segmentos que atendem as necessidades, o que inclui gastar nada ou bem menos com deslocamento. Nesse sentido, serviços e alimentação nas redondezas da casa ou do apartamento acabam sendo mais procurados e tiveram de se adequar à nova realidade. 

“Comprar no bairro pode ser mais barato ou mesmo sair pelo mesmo preço que a pessoa pagaria em um grande mercado se pontuar todos os custos envolvidos. Todo bairro tem um comércio tipo salão, barbearia, depilação, açougue, alfaiate e padaria que juntos criam uma demanda, por exemplo, por avental que pode ser fornecido ou consertado pela costureira ali da região e outros necessidades que são atendidas por eles mesmos”, explica.

Sem querer querendo

A necessidade fez do jovem Ricardo Lemes procurar alternativas para ganhar dinheiro. Aos 20 anos, ele optou por empreender há alguns meses em um pitdog no bairro em que mora. O mercado de alimentação sempre chamou atenção dele, mas teve de passar os últimos dois anos trabalhando com o pai como chaveiro por ainda não ter conseguido entrar para a faculdade de Direito em uma universidade pública. Ele conseguiu juntar algumas economias e investiu na estrutura para montar lanches no setor Vila Nova, na capital.

“Tem sido bom, o retorno é até legal, mas não sabia que seria tão difícil. Eu dependo de entregadores, mas, como são freelancers, nem sempre aparecem e me deixam na mão. Algumas vezes, eu preciso deixar o chapeiro sozinho na produção para fazer o delivery dos sanduíches. Espero conseguir gerir melhor todos esses aspectos para melhorar o atendimento e a cozinha”, diz.

Uma das opções consideradas por ele para manter o pequeno negócio é terceirizar completamente as entregas em aplicativos de comida. Casos como o de Ricardo demandam precauções para evitar que entrem na estatística de mortalidade de pequenos negócios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A estimativa é de fechamento de 60%das micro e pequenas empresas em até cinco anos de fundação. 

O economista Ongaratto explica que as pessoas costumam desistir nesse período e começam a trabalhar em outro emprego com rendimento maior que o lucro obtido quando atuava como empreendedor. Além disso, podem ocorrer falência, crise financeira, inclusive por dificuldade no acesso a financiamento bancário. O capital próprio e fluxo de caixa auxilia a superar esses entraves, conseguir ampliar o faturamento para crescer e honrar os compromissos mensais, segundo ele.