Eles só pensam naquilo (por Mary Zaidan)
Mesmo a anos-luz do calendário do eleitor, tudo na política do país gira em torno das eleições de 2026 e até de 2030. O dono do PSD, Gilberto Kassab, secretário de Governo de São Paulo, deve ter comemorado os números do Datafolha sobre o seu chefe Tarcísio de Freitas (Republicanos). A pesquisa reforça o que o espertíssimo auxiliar diz há mais de ano: o melhor para o Tarcísio é não trocar o certo pelo duvidoso. Apontado como o melhor nome para preencher o espaço do inelegível Jair Bolsonaro na disputa presidencial, Tarcísio seria derrotado por Lula na corrida pelo Planalto, mas reeleito ao governo paulista com folga se a eleição fosse hoje.
Curiosamente, tanto o presidente quanto o governador paulista têm avaliações de seus governos piores do que a intenção de voto registrada pelos respondentes das pesquisas em que seus nomes são expostos. O único candidato que desafiaria a reeleição de Tarcísio seria Geraldo Alckmin (PSB), ex-rival de Lula, hoje vice-presidente do antigo desafeto. Mas Tarcísio aparece em ampla vantagem, com 41% das intenções de voto contra 25% de Alckmin, no primeiro turno, e de 53% a 39% no segundo. Ainda assim, o índice de aprovação do governo Tarcísio, que caiu para 41% contra 44% de abril do ano passado, é o mais baixo dos últimos cinco ocupantes do Palácio dos Bandeirantes em relação ao mesmo tempo de governo transcorrido. Perde para João Dória, que tinha 57% (Paraná Pesquisas), para o terceiro mandato de Alckmin, com 52% de aprovação, para José Serra, com 53%, e para Alckmin 2, com 60%. E sua reprovação, relativamente baixa, dobrou em apenas um ano, de 11% para 22%.
No caso de Lula, a vitória em 2026 se daria em cima de qualquer oponente, incluindo o ex Bolsonaro, que insiste na absurda ladainha de que sua inelegibilidade teria sido treta para afastá-lo da disputa. Embora tenha reagido alguns pontos percentuais segundo o Datafolha, a aprovação do petista continua em tímidos 29% (era 24% em fevereiro), e perigosos 38% (era 41%) de desaprovação. Há, portanto, uma explícita desconexão entre a aprovação da gestão e a preferência de voto. Provavelmente porque políticos só pensam naquilo: a eleição futura, mesmo ela estando a anos-luz no calendário do eleitor, mais preocupado com a vida para levar. Reforça-se aqui o divórcio entre representados e representantes.
No caso de Kassab, seus olhos miram para mais além: 2030 e 2034. Sonha vencer como vice na chapa de Tarcísio em 2026, assumir o governo em 2029, quando Tarcísio deixaria o cargo para disputar o Planalto, e se reeleger para mais quatro anos. Parece ficção, mas a estratégia repete o que o pessedista fez com sucesso na Prefeitura de São Paulo. Substituiu o então prefeito José Serra, que abandonou o cargo para concorrer (e vencer) a disputa estadual, e se elegeu um ano depois para um mandato completo. No final, Kassab foi prefeito da capital paulista por cinco anos.
A trajetória de Kassab impressiona. Foi secretário municipal do prefeito Celso Pitta (invenção de Paulo Maluf), ministro do presidente Michel Temer, secretário do governador Dória. Na sua campanha televisiva para a Prefeitura, em 2008, usou a imagem de Lula, com popularidade nos píncaros à época. Criou o PSD, definido por ele como um partido “nem direita, nem esquerda, nem de centro”, e desde 2011 engorda a legenda ano a ano. Em 2024 elegeu 887 prefeitos. Está fechado com Tarcísio, recebe Bolsonaro, detém fatia generosa do governo Lula, com titularidade nos cobiçados ministérios da Agricultura e de Minas e Energia, além do da Pesca. Isso, mesmo sem sua legenda entregar votos, não raro agindo mais como oposição do que como governo. Mais da metade de seus deputados – 23 dos 44 – assinaram a urgência para o projeto de anistia para golpistas.
Lula, que já se definiu como “metamorfose ambulante”, também abraçou Maluf e, mais recentemente, posou ao lado de Fernando Henrique Cardoso, a quem acusou de ter lhe deixado uma herança maldita – afirmação calhorda, reconhecidamente falsa. Tarcísio não escapa: serviu Dilma Rousseff como chefe do controverso Dnit antes de abraçar o capitão. Ou seja, a troca no Ministério do Turismo do deputado Juscelino Filho, denunciado por desvio de emendas, pelo deputado Pedro Lucas, ambos do União Brasil e do Maranhão, é fichinha. Se confirmado, será mais um ministro apadrinhado pelo presidente do Senado Davi Alcolumbre (AP), apoiador de kassab que pulou para o lado de Lula já na transição.
Como o país é pautado por eleições e os candidatos têm certeza de que poucos vão se lembrar ou se importar com receitas antigas, qualquer mistura vale. Mas é quase incompreensível que tantos ingredientes tóxicos consigam ser vendidos como palatáveis ao eleitor. Mary Zaidan é jornalista