Para o mundo, música brasileira ainda é sinônimo de bossa nova. Por quê?
Violão dedilhado, voz sussurrada e elegância melancólica refletem no som de três
das revelações musicais mais comentadas de 2025: Olivia Dean, Laufey e
Beabadoobee.
O país da Tropicália, do samba, do sertanejo, do forró, do tecnomelody, do Clube
da Esquina, da pisadinha, do arrocha e do funk ainda é o país da bossa nova.
Pelo menos quando o assunto é o que gringos pensam sobre música brasileira.
O violão dedilhado, a voz sussurrada e uma elegância melancólica refletem no som
de três das revelações musicais mais comentadas de 2025: a britânica Olivia
Dean, a islandesa Laufey e a filipina Beabadoobee.
1 de 4 A cantora inglesa Olivia Dean — Foto: Divulgação/Universal Music
Nascidas entre 1999 e 2000, essas cantoras não têm origem brasileira, mas
parecem ter passado anos caminhando por Ipanema ou vendo barquinhos em
Copacabana.
São delas músicas com vocais delicados e arranjos minimalistas que dão a
impressão de que o mundo está em câmera lenta. A trinca de jovens reforça a
ideia de que o Brasil ainda é o país da bossa nova, um estilo relativamente
pouco ouvido e pouco influente no Brasil.
Não dá para ignorar que movimentos como Tropicália e o Clube da Esquina foram e
são redescobertos por estrangeiros. Kurt Cobain, do Nirvana, expressou admiração
pelos Mutantes, e Alex Turner, do Arctic Monkeys, citou Lô Borges.
O funk foi parar nos rankings do streaming turcos e ucranianos, por exemplo.
Nesse contexto, faz sentido lembrar ainda do impacto global de hits sertanejos
dançantes como “Ai se eu te pego” e “Tchê Tchererê Tchê Tchê” no começo dos anos 2010.
2 de 4 Astrud Gilberto, ícone da bossa nova — Foto: Reprodução/ TV Globo
Mas nada disso mudou a percepção internacional de que somos o país da bossa.
Para quem não é brasileiro, o som do Brasil ainda é João Gilberto, Tom Jobim,
Astrud Gilberto. Há sessenta anos.
Em 1965, João Gilberto e Astrud Gilberto ganharam o Grammy de Álbum do ano com
“Getz/Gilberto”. “The Girl from Ipanema”, cantada por Astrud, levou o prêmio de
Gravação do Ano. Na mesma edição, os Beatles levaram a estatueta de Artista
Revelação.
Em 2023, o Brasil voltou a disputar um dos principais prêmios do Grammy,
justamente na categoria Revelação, com Anitta. A popstar carioca certamente é um
dos nomes que espalha a música brasileira (o funk, principalmente) pelo mundo,
em um pacote global que inclui altas doses de reggaeton e pop. Em alguns
momentos, também flertou com a bossa nova: como na balada “Will I See You”; e na
era “Girl From Rio”. É mais uma prova da força da bossa. Existem várias.
3 de 4 A cantora islandesa Laufey — Foto: Divulgação
Billie Eilish escreveu uma música mais mansa e a batizou de “Billie Bossa Nova”.
Ela disse que “Garota de Ipanema” era uma de suas músicas preferidas de todos os
tempos. Certa vez, fui entrevistar Alessia Cara, subestimada cantora canadense, e
perguntei o que ela conhecia de música brasileira: a primeira referência era
bossa nova. Nunca tinha ouvido falar de Mutantes. Billie também demonstrou não conhecer
Caetano Veloso quando foi informada que o cantor a havia citado em uma música.
Para elas, e para quase todas, a estética da música brasileira é praiana,
intimista, suave. E perfeita para fones de ouvido. O som é sofisticado sem fazer
esforço, melancólico sem drama, e funciona como “marca Brasil” em qualquer
contexto: trilha de filme, série ou festa com pegada cosmopolita e refinada.
Há também um fator estético: o que o mundo hoje chama de pop ASMR, ou pop
sussurrado, tem herança da bossa nova. O público global procura intimidade, arranjos
discretos, voz baixa no fone de ouvido. E, curiosamente, esse é justamente o
estilo que João Gilberto já praticava há mais de 60 anos. O Brasil de fora,
portanto, continua associado à suavidade, à introspecção e ao charme da bossa.
4 de 4 Capa original do álbum ‘Chega de saudade’, de João Gilberto — Foto:
Reprodução
A bossa nova foi o primeiro gênero brasileiro a conquistar o mundo, ainda nos
anos 50 e 60. Seus standards entraram em paradas internacionais, cruzaram com
o jazz, influenciaram músicos de fora e se tornaram a primeira imagem sonora
que muitos tiveram do Brasil.
O pianista Sérgio Mendes (1941-2024) se tornou a principal figura para
fortalecer a presença da bossa no mercado americano: cravou 14 músicas no Hot
100 da revista “Billboard”, incluindo duas no quarto lugar.
Ironia à parte, é fascinante: o país mais ruidoso, diverso e ritmicamente
inventivo do planeta ainda é lembrado lá fora por seu sussurro elegante. A bossa
nova não perdeu relevância. Ao contrário, ela se mantém viva, reciclada e
reinterpretada por artistas globais, enquanto outros sons continuam lutando para
vingar de vez fora do Brasil.
No fim, é uma mistura de charme, história e “exportabilidade”. O Brasil continua
inventando ritmos e gêneros que mudam o jogo, mas, quando alguém toca o play em
outro país e pergunta “isso é brasileiro?”, é provável que a resposta seja
sempre: “bossa nova, claro”.




