Não é simples saber a causa do apagão em parte da Europa
A Europa possui um sistema interligado de transmissão que permite o intercâmbio de energia entre vários países. É uma rede muito resiliente, mas é importante lembrar que nenhum sistema é imune a falhas. Uma questão fundamental para quem trabalha com a segurança de sistemas — sejam eles quais forem — é que em algum momento uma falha poderá ocorrer. O princípio é de que não há sistema imune a falhas. Tendo isso em consideração, o importante é ter bons planos de contingência.
A Rede Europeia de Operadores de Sistemas de Transmissão de Eletricidade (ENTSO-E) interliga basicamente todos os países europeus, à exceção da Grã-Bretanha, Irlanda e Irlanda do Norte, Islândia, Países Bálticos, Chipre e Malta. Isso permite que os diversos países comercializem energia elétrica entre si, buscando a melhor tarifa e a melhor capacidade de atendimento. Isso otimiza os investimentos na montagem da infraestrutura em cada país, pois as condições naturais (disponibilidade de água, ventos ou luz solar) podem variar ao longo do ano. Se um país desejasse ter uma geração elétrica totalmente independente, isso demandaria investimentos consideráveis que levassem em conta todas as questões climáticas. Sairia muito caro. Dessa forma, um país que tenha excedente de energia em um determinado período pode comercializar esse saldo para outros países que estejam em déficit. É um mercado dinâmico, que funciona muito bem em grande parte do tempo. O mapa a seguir dá uma boa ideia da complexidade desse sistema. As linhas vermelhas são redes de alta-tensão e as verdes são sistemas de baixa tensão.
No Brasil, temos um sistema interligado similar ao europeu, gerenciado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Esse sistema permite, por exemplo, que excedente de energia eólica produzida no Nordeste seja enviado para a região Sudeste, quando esta enfrenta dificuldades de geração hidroelétrica por falta de chuvas. Tanto o Sistema Interligado Nacional brasileiro quanto a ENTSO-E garantem o suprimento de energia diante das mais diversas condições de operação. Isso dá uma garantia de que a energia elétrica dificilmente irá faltar.
Entretanto, como foi dito, não há sistemas imunes a falhas. Essas redes contam com sistemas redundantes que permitem desviar a distribuição de energia de redes principais para redes secundárias, automaticamente em caso de problemas. Em muitos casos, isso ocorre tão rapidamente que os consumidores nem percebem. Apesar disso, há falhas que podem ocorrer e levar rapidamente a um desligamento em cascata de diversos sistemas em caso de uma pane não prevista. É raro, mas acontece. Por exemplo, quando ocorre uma falha em parte da rede elétrica, como a quebra de uma linha de transmissão ou a parada repentina de uma usina, o sistema tenta redistribuir a energia para outras linhas. Se essas linhas não suportarem a sobrecarga, elas também se desligam, provocando uma reação em cadeia que pode rapidamente se espalhar e causar apagões em larga escala.
Essas redes são sincronizadas (50 Hz na Europa e 60 Hz no Brasil) e todas as usinas geradoras precisam operar na mesma frequência. Quando ocorre algum desequilíbrio súbito entre geração e consumo, como o desligamento de várias usinas ou a perda de uma grande linha de transmissão, a frequência do sistema pode oscilar perigosamente, acionando sistemas automáticos de proteção para evitar danos aos equipamentos. Isso pode resultar em apagões de grande escala. Não deve ser descartada, todavia, a ocorrência de ciberataques como os que aconteceram na Ucrânia em 2015 e 2016. Esses ataques exploram vulnerabilidades porque muitas redes elétricas combinam sistemas antigos, conexões expostas à internet, falhas humanas e dificuldades em atualizar e isolar redes críticas, facilitando ataques que podem comprometer sua operação. Portanto, não é simples detectar rapidamente onde ocorreu uma falha que levou à queda de fornecimento em uma ampla região. O mapa demonstra o quão complexa é uma rede como a da ENTSO-E. Poderão decorrer dias até que a falha inicial seja realmente conhecida.
Há quem defenda que a segurança do sistema elétrico só poderia ser obtida com o uso de usinas termoelétricas que atenderiam localmente as cidades ou grupos de cidades. A alegação é de que, caso ocorra uma falha, ela ficaria restrita a somente um local. Essa alternativa, entretanto, apresenta alguns problemas. O primeiro deles é o custo, pois a geração termoelétrica é a fonte mais cara de energia. Isso pesaria no bolso dos consumidores. Outro problema está relacionado à emissão de poluentes e de gases de efeito estufa, pois boa parte dessas usinas são movidas a combustíveis fósseis. Haveria, também, o desperdício, pela falta de utilização, de recursos naturais renováveis (água, vento e sol) que geram energia a um custo muito menor. A construção de sistemas elétricos mais seguros e resilientes passa pelo fortalecimento das redes interligadas, pelo aprimoramento da proteção contra falhas e pelo uso crescente de fontes renováveis. Apostar em soluções locais e altamente poluentes, além de elevar custos, contraria a tendência global de modernização e sustentabilidade no setor energético.