Entenda por que o RS é um dos únicos estados do Brasil sem atuação do Comando Vermelho
Especialistas ouvidos pelo DE apontam que fatores como grupos criminosos locais consolidados e forte identidade cultural inviabilizaram que organização criada no RJ se expandisse para o território gaúcho.
Comando Vermelho está presente em presídios de 23 estados; entenda
Criado no Rio de Janeiro, o Comando Vermelho (CV) está presente em 23 estados brasileiros, conforme dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). A organização criminosa só não mantém células em penitenciárias do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio Grande do Norte e Distrito Federal.
Dez dias após a megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, o DE ouviu especialistas que apontaram as razões de o Comando Vermelho não ter atuação ativa no território gaúcho.
O primeiro ponto da explicação está relacionado à formação dos grupos criminosos do RS ou, ao que Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da Escola de Direito da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, denomina como “ecossistema criminal próprio”.
O CV surge no fim da década de 1970. Entre os anos de 1990 e 2000, o RS já contava com organizações locais com controle estabelecido de comunidades em presídios, em especial o Presídio Central de Porto Alegre, que chegou a ser considerado o pior do país.
“Esses grupos se organizaram antes da expansão nacional do Comando Vermelho e acabaram ocupando o espaço de poder criminal de forma autônoma”, explica Azevedo.
O juiz de Direito Sidinei Brzuska, com mais de duas décadas na Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, destaca que, nos últimos anos, se intensificou a expansão das facções do estado para o interior.
“Praticamente todas as prisões mais relevantes são dominadas. Pararam de disputar pontos de tráfico aqui [Porto Alegre] e foram dominar cidades que ainda não tinham crime organizado, ampliaram a base territorial. Não ficou vácuo de poder para gente de fora vir aqui ocupar”, avalia.
Outro fator que contribuiu para barrar o avanço do Comando Vermelho é o alto número de facções com atuação no estado gaúcho. O RS chegou a reunir a maior quantidade de grupos criminosos – ao menos dez – em uma unidade federativa, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“A multiplicidade de grupos locais cria um campo competitivo que torna difícil a hegemonia de uma organização nacional. Cada facção ocupa nichos específicos (bairros, presídios, municípios) e constrói redes próprias de proteção e financiamento”, complementa Azevedo.
O diretor do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke, ressalta que, embora não haja bandeira fincada do Comando Vermelho no Rio Grande do Sul, isso não impede alianças com as organizações locais.
“Especialmente no fornecimento de droga. Prova disso foi a aceleração da guerra em 2016 e 2017, quando a gente teve o que eu tenho chamado de ‘guerra civil nacional’, entre os dois grupos (Comando Vermelho e PCC), e houve uma disparada também aqui no estado”, diz Kopittke.
Azevedo reforça que a relação tem viés comercial e não de subordinação organizacional. O professor observa que há “interações pontuais em rotas de distribuição ou compras de grandes cargas, mas sem que isso se converta em expansão territorial”.
“Há diálogo e negócio, mas não incorporação simbólica nem comando centralizado, o que distingue o RS de estados em que o CV ou o PCC se tornaram ‘matrizes’ das dinâmicas locais”, esclarece.
Na contramão do CV, que busca expansão interestadual, os grupos criminosos do RS tendem à interiorização, consolidando-se em cidades médias e do entorno da Região Metropolitana de Porto Alegre. Rodrigo Azevedo afirma que a estratégia reduz a exposição e aproveita o crescimento do consumo local e das rotas que ligam o estado a outras regiões.
“É uma forma de controle capilar e territorializada, mais voltada à sustentabilidade dos negócios ilícitos do que à conquista simbólica de ‘bandeiras’ nacionais”, sustenta. Renato Dornelles relembra que houve tentativas de organizações criminosas do RS se expandirem para Santa Catarina: “Os espaços ficaram mais difíceis de ser disputados diante da chegada do PCC, e também há lá uma facção forte local”.
A Secretaria da Segurança Pública do RS informou que o estado é “notabilizado por características socioculturais muito peculiares” e que “está distante do centro do país e de suas principais rotas logísticas”. “Esses dois fatores socioculturais e geopolíticos se somam à ação vigilante e contundente dos órgãos de segurança pública gaúchos”, alega a pasta.
Para encerrar, a nota da Secretaria de Segurança Pública do RS destaca que “a busca de uma inferência causal para a não ocorrência de um dado fenômeno é tarefa especialmente difícil e recomenda a permanente apreciação do cenário posto de modo que possamos manter o RS na vanguarda da segurança pública brasileira.”




