Opinião: garantida no mata-mata, Lusa vive atrito entre números, bola e crítica
Apesar da classificação antecipada para a segunda fase da Série D e os 100% de
aproveitamento no Canindé, desempenho da Portuguesa ainda preocupa torcida
Quem não acompanha a Série D e toma conhecimento do cenário imagina
tranquilidade, confiança e embalo. Ao vencer o Água Santa por 2 a 1 no fim de
semana, a Portuguesa confirmou com antecipação a classificação para o mata-mata
da competição.
Além disso, essa vitória ainda manteve não apenas a invencibilidade, mas o
índice de 100% de aproveitamento da Lusa jogando no estádio do Canindé. Seis das
sete vitórias neste Campeonato Brasileiro foram conquistadas sob os domínios
rubro-verdes.
Ficam faltando ainda duas rodadas nesta fase de grupos. No caso lusitano, os
desafios serão o Maricá-RJ fora e o Boavista-RJ em casa. A missão agora é tentar
manter até o fim o primeiro lugar do grupo e descobrir o adversário da próxima
fase.
A Portuguesa, que é o A6, cruza na segunda fase com o grupo A5. Levando
em conta aquela máxima inútil, “se a primeira fase acabasse hoje” o time do
Canindé enfrentaria o quarto colocado, o Mixto-MT, com ida em Cuiabá e volta em
São Paulo.
A retórica adotada pelos investidores antes de a SAF ser aprovada reforçou muito
a “maior folha salarial do campeonato”, o acesso como “o foco do ano”, um
futebol “impositivo e heavy metal” e até um exageradíssimo desejo de
“invencibilidade”.
Claro que muitos não levaram nada disso ao pé da letra. Sabia-se que havia um
natural tom de vendedor. Só que foram promessas feitas e é também natural que a
torcida cobre. Portanto, em parte, essa carga vem de uma alta expectativa
gerada.
Somado a isso está o pessimismo lusitano, justificado, oriundo não só das bolas
na trave, dos quases, dos gols sofridos nos últimos minutos, dos absurdos do
apito, etc, mas principalmente de uma década de derrocada, de rebaixamentos, de
dor, de vergonha.
Isso tudo mostra que o clima no Canindé não é resultado apenas de trauma ou
exagero. Há uma mistura de inconformismo pela dita maior folha salarial ter
rendido algo tão pouco superior com incômodo por se ver pouquíssima evolução
nessa campanha.
A palavra “evolução” é a mais citada pelo treinador desde o início do
campeonato, mas o que se vê é algo bem tímido. É quase necessário torturar os
dados para mencionar algumas. Neste jogo contra o Água Santa, por exemplo, foi
muito pouco diferente.
Foi a terceira escalação seguida tentando emplacar essa estrutura: Betinato no
gol; Carlos Eduardo na lateral direita e Matheus Leal na esquerda; Gustavo
Henrique e Eduardo Biazus no miolo de zaga; Tauã, Portuga e Marcelo Freitas no
meio; na frente, Cristiano aberto, Cauari na outra beirada e Lohan mais
centralizado.
O jogo mal começou e a Lusa já abriu o placar. Talvez o melhor lance de
Cristiano desde que foi deslocado para a nova função. Como meia, destacou-se
nesta temporada. Agora, com a chegada de Marcelo Freitas, tem jogado mais
aberto. Mais pela direita, vezes pela esquerda. Em alguns momentos até sendo um
segundo homem de ataque.
Uma rara descida ao fundo, um raro cruzamento para a área. Uma consequentemente
rara cabeçada de Lohan, que precisa justamente disso para render, como
centroavante tradicional que é. Após a bola explodir na trave, Marcelo Freitas,
no rebote, marcou.
Daqueles gols que mudam e condicionam a partida. Uma disputa que ficou bem
favorável e cuja vantagem poderia ter se ampliado alguns minutos mais tarde, não
fosse um impedimento marcado em uma jogada do lateral-esquerdo Matheus Leal.
A Portuguesa tem um elenco com fragilidades técnicas. “Em uma Série D, quem não
tem?”, perguntariam com razão. Mas qual clube tem a maior folha salarial da
divisão? Qual clube tem um ciceroneado departamento de análise de dados e
desempenho?
Do banco de reservas não tem saído solução quase nenhuma para os problemas que
surgem nesta Série D. A Lusa, além disso, tem se mostrado um time de uma
formatação só, bem rígida, presa, em que quase toda troca de peças só derruba o
nível técnico.
A defesa tem fragilidades na bola aérea desde que Cauan de Almeida assumiu como
técnico, ainda no Paulistão. As laterais penam defensivamente e na direita já
houve três tentativas, sem nenhuma ter se mostrado a definitiva. O meio ainda
vem sendo alvo de mudanças e tentativas de encaixe, enquanto o ataque até piorou
nessa reta final.
O segundo tempo foi como se esperava que seria. Uma dificuldade enorme para a
Portuguesa se impor. É um time que tem o domínio da bola, toma a iniciativa das
ações, mas sofre para produzir alguma coisa, criar alguma chance, finalizar.
Até que, aos 39 minutos, percebendo que não receberia combate algum pela
direita, De Paula arriscou um cruzamento para a área e Lohan enfim guardou o
dele de cabeça. Mais um lance que mostra o quanto o centroavante precisa disso.
Placar final: 2 a 1.
Pontos positivos? Cristiano enfim funcionando, pelo menos em um lance, mais
aberto? De Paula voltando bem de lesão com assistência para o segundo gol? Uma
Lusa perdendo um pouco o medo de cruzar mais à área e fazendo valer ter um 9
mais tradicional? O jovem Keven ganhando os primeiros minutos como profissional?
Já os pontos negativos são os mesmos de sempre, citados neste texto. Preocupa,
sim, um time com tanta dificuldade defensiva na bola aérea em uma Série D
essencialmente de chuveirinho. Também preocupa um time que, diante de uma defesa
mais fechada, pena para conseguir criar algo. Não há imposição e muitas vezes
falta pegada.
No banco de reservas, aqui entre nós, poucos alentos. A volta de lesão de Robson
dá uma tranquilizada. Fato. De Paula enfim sendo opção também dá esperança, mas
é preciso tempo. De resto, muito já se testou e pouco se espera. Talvez no DM
esteja uma esperança, que é o atacante Hericlis, ainda se recuperando de
contusão.
Só que é isso: tudo parece justo, apertado, no fio da navalha demais para o
trabalho que a SAF diz desenvolver. Mata-mata é outro campeonato e muitas vezes
se resolve com elementos raros na campanha lusitana até aqui, como pressão,
pegada, intensidade.
Nem terra arrasada, nem céu de brigadeiro. A Lusa não pode cair na armadilha nem
de que está tudo bem e de que a torcida é só chata, nem de que tudo está perdido
e de que a eliminação é questão de tempo. Essa dosagem será fundamental para o
mata-mata.
A Portuguesa tem uma chance de ouro nas mãos nesta Série D. Há duas formas de
atirá-la no lixo de antemão. Uma é se apegar a uma evolução e a uma
competitividade falsas. Outra é abraçar um discurso caótico e derrotista sem nem
tentar agarrar essa chance. A soma de ambas, que é o que vem se desenhando, pode
ter consequências desastrosas.
*Luiz Nascimento, 33, é jornalista da rádio CBN, documentarista do Acervo da
Bola e escreve sobre a Portuguesa há 15 anos, sendo a maior parte deles no ge.
As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem as do site.*