Prefeito e 5 vereadores eleitos em 2024 estão na lista suja do trabalho escravo
Três deles não pagaram as multas aplicadas e estão inscritos na dívida ativa da
União. Situações não os impedem de exercer os cargos.
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Prefeito e cinco vereadores eleitos em 2024 estão na ‘lista suja’ do trabalho
escravo
Um prefeito e cinco vereadores eleitos em 2024 são responsáveis por negócios
multados por manterem trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Entre as irregularidades identificadas em operações realizadas por Ministério do
Trabalho, Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF) estão falta de
acesso à água potável, condições insalubres e exposição a substâncias tóxicas
(leia mais detalhes abaixo). Esta terça-feira (28) é Dia Nacional de Combate ao
Trabalho Escravo.
Os dados são de um cruzamento feito pelo DE entre os 63 mil prefeitos e
vereadores eleitos em 2024 e os das 717 pessoas e empresas que aparecem na
última edição da lista suja do trabalho escravo, divulgada em abril daquele ano
pelo Ministério do Trabalho e atualizada em dezembro.
Criada em 2003 pelo Ministério do Trabalho, a lista suja tem como objetivo
combater o trabalho escravo no Brasil, funcionando como uma ferramenta de
transparência e prevenção. O cadastro, atualizado semestralmente, inclui
empresas e indivíduos flagrados submetendo trabalhadores a condições análogas à
escravidão — no último ano, o país teve o maior número de denúncias de
trabalhadores nessas situações. A inclusão ocorre após fiscalização realizada
pelo órgão e sem vínculo com condenações judiciais.
Entre os presentes na lista estão o prefeito Marcus Rinco (União), de Alto
Paraíso de Goiás (GO); e os vereadores Fernando Morandi (PSB), de Porto Vitória
(PR); Eduardo Lima (PSB), de Beberibe (CE); Fabiano (MDB), de Vera Mendes (PI);
Manoel Nascimento (Republicanos), de Amarante (PI); e Gilvan Macedo (Avante), de
Ipirá (BA).
Estar na lista suja do trabalho escravo não impede os vereadores e o prefeito de
exercerem seus cargos. Eles só seriam impedidos caso tivessem sido condenados na
Justiça de forma definitiva – o crime é um dos previstos na Lei Ficha Limpa. Nenhum dos seis foi condenado.
> “A inserção da empresa na lista suja não é uma punição”, diz a auditora-fiscal
> do Trabalho, Jamile Freitas Virginio. “O que pode eventualmente ter são
> repercussões negativas, mas a inserção é a transparência de uma informação
> que é muito importante para que a sociedade tome as suas decisões”.
Coordenador do programa de combate ao trabalho escravo da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), o frei Xavier Plassat vê contradição em alguém autuado por trabalho
escravo ser gestor público.
> “A gente pensa que uma pessoa que está [concorrendo] para um cargo de vereador
> ou prefeito está sempre em busca de um bem comum, mas vemos que, na prática,
> pode não ser bem assim”.
Ao todo, 149 trabalhadores foram resgatados por estarem submetidos a condições
como: jornadas de trabalho exaustivas, trabalho forçado e alojamento precário —
morando ou não em seus locais de trabalho.
O resgate não significa que o trabalhador estava impedido de sair do posto de
trabalho, mas que os seus direitos não estavam sendo garantidos.
Além da inclusão na lista suja, os eleitos ou suas empresas foram multadas pela
exploração. Três não as quitaram e foram inscritos na dívida ativa da União.
Segundo o presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP, Eduardo Correa
da Silva, essa situação pode levá-los a ter alguns direitos restringidos, mas também não impede que exerçam seus cargos.
“Apesar de fazerem parte da administração pública, eles respondem como uma
pessoa física ou jurídica. O próximo passo [nesses casos] é o ajuizamento de uma
ação fiscal contra esse agente, e a partir daí, ele pode ter algumas
consequências, que vão desde a impossibilidade de obter financiamentos públicos
ou certidões negativas, bloqueio de bens por penhora judicial até ao impedimento
de participar de licitações públicas”.
CARVOARIA DE PREFEITO INTERDITADA POR ‘RISCOS GRAVES’ AOS TRABALHADORES
1 de 6 Prefeito reeleito em Alto do Paraíso de Goiás (GO), Marcus Rinco (União),
é dono da Nascente Agro-Industrial, que produz carvão vegetal na cidade. A
empresa teve 15 autuações. — Foto: Arte/DE
Prefeito reeleito em Alto do Paraíso de Goiás (GO), Marcus Rinco (União), é
dono da Nascente Agro-Industrial, que produz carvão vegetal na cidade. A empresa
teve 15 autuações. — Foto: Arte/DE
O prefeito reeleito em Alto do Paraíso de Goiás (GO), Marcus Rinco (União), é
dono da Nascente Agro-Industrial, que produz carvão vegetal na cidade. A empresa
teve 15 autuações do Ministério do Trabalho, em 2021, por não fornecer água
potável para consumo, nem banheiros adequados nos postos de serviço.
“Os trabalhadores atuantes no local eram obrigados a fazer suas necessidades
fisiológicas no mato. No local também não tinha papel higiênico”, ressalta o
relatório da operação. Interrogado pelos auditores, Rinco afirmou que “no campo,
não havia instalações sanitárias e que se alguém precisasse, fazia suas
necessidades no campo a céu aberto”.
Na ocasião, a empresa foi interditada pela equipe fiscal por “riscos graves e
iminentes” aos trabalhadores. Os funcionários foram transferidos pelos auditores
do trabalho para outro alojamento sediado na mesma fazenda.
Rinco foi multado em R$ 34,5 mil.
À DE, a defesa de Rinco afirmou ter corrigido as situações e estar cumprindo
“todas as obrigações trabalhistas determinadas pela lei”.
‘FEZES HUMANAS ESPALHADAS’
2 de 6 Eduardo Lima (PSB), vereador em Beberibe (CE), é dono da Fazenda
Pimenteiras e foi autuado. — Foto: Arte/DE
Eduardo Lima (PSB), vereador em Beberibe (CE), é dono da Fazenda Pimenteiras e
foi autuado. — Foto: Arte/DE
Eduardo Lima (PSB), vereador em Beberibe (CE), é dono da Fazenda Pimenteiras,
que produz castanha de caju na região. Na operação realizada em 2022, o
ministério resgatou 22 pessoas, sendo dois menores de idade (17 e 16 anos),
trabalhando de domingo a domingo, em um local sem água e banheiro, segundo
relatório.
“Por essa razão, vimos fezes humanas espalhadas pelo chão, tendo em vista que à
noite, os trabalhadores, por receio e por segurança, faziam suas necessidades
diretamente no chão ao lado das casas”, relata um dos auditores que estavam na
equipe de fiscalização. A maioria dos funcionários não tinha recebido os valores
acordados pelo trabalho no dia da operação.
Em razão do trabalho infantil e análogo ao escravo, Lima recebeu 19 autos de
infração. Como as multas não foram pagas, ele está inscrito na dívida ativa da
União, e deve R$ 315.131,33. Eduardo foi procurado pela DE por meio de ligações
e mensagens, mas não respondeu às tentativas de contato
DORMINDO EM BARRACO DE MADEIRA E LONA
3 de 6 Fabiano (MDB), vereador em Vera Mendes (PI), é dono de uma pedreira
autuada seis vezes na cidade. — Foto: Arte/DE
Fabiano (MDB), vereador em Vera Mendes (PI), é dono de uma pedreira autuada seis
vezes na cidade. — Foto: Arte/DE
Fabiano (MDB), vereador em Vera Mendes (PI), é dono de uma pedreira autuada seis
vezes na cidade, após o Ministério do Trabalho resgatar 10 funcionários que
moravam em barracos de madeira cobertos com lonas plásticas.
Para fazer as refeições, eles improvisavam um fogão com um gradil de ferro e
madeira. No local também não havia mesas ou cadeiras.
“Vale ressaltar que a atividade de extração de pedras, além de uma tarefa árdua,
pois é realizada sob sol causticante o dia inteiro, típico da região, é uma
atividade que oferece outros inúmeros riscos à integridade física dos
trabalhadores”, destaca um dos auditores do trabalho, responsável pela
fiscalização local.
O vereador está inscrito na dívida ativa com multas pendentes de R$ 23.971,71.
Em nota enviada pela sua defesa, Fabiano afirma que todas as medidas “foram
tomadas para corrigir as irregularidades apontadas”.
MORADIA DE PALHA E MADEIRA
4 de 6 Manoel Nascimento (Republicanos), vereador em Amarante (PI), é dono de
uma empresa especializada em extração e britamento de pedras e foi autuado. —
Foto: Arte/DE
Manoel Nascimento (Republicanos), vereador em Amarante (PI), é dono de uma
empresa especializada em extração e britamento de pedras e foi autuado. — Foto:
Arte/DE
Manoel Nascimento (Republicanos), vereador em Amarante (PI), é dono de uma
empresa especializada em extração e britamento de pedras no município. No local,
o Ministério do Trabalho resgatou 22 funcionários que trabalhavam sem acesso à
água própria para consumo e a banheiros.
Eles se dividiram em três alojamentos de palha precários, sem saneamento básico.
“Para dormir ao fim de um dia de jornada extenuante, os trabalhadores estendiam
suas redes nas estruturas dos barracos”, conta um dos auditores fiscais presente
na inspeção.
Em razão da exploração, Nascimento foi autuado 14 vezes e tem um débito ativo de
R$ 244 mil por multas administrativas. Procurado pela DE, o vereador afirmou que
se manifestará apenas judicialmente.
SEM ÁGUA POTÁVEL, FOLGA, 13º E FGTS
5 de 6 Gilvan Macedo (Avante), vereador em Ipirá (BA), foi autuado por não
fornecer água potável e não realizar o pagamento do 13º e FGTS para seus
funcionários na GM Transportadora e Logística. — Foto: Arte/DE
Gilvan Macedo (Avante), vereador em Ipirá (BA), foi autuado por não fornecer
água potável e não realizar o pagamento do 13º e FGTS para seus funcionários na
GM Transportadora e Logística. — Foto: Arte/DE
Gilvan Macedo (Avante), vereador em Ipirá (BA), foi autuado por não fornecer
água potável e não realizar o pagamento do 13º e FGTS para seus funcionários na
GM Transportadora e Logística, que também atua com cartão vegetal.
Os trabalhadores realizavam o carregamento de carvão sem registro, não recebiam
adicional noturno e não tinham folgas. A remuneração de todos era por produção,
a cada saco de 2kg, 2,5kg e 4kg de carvão ensacado correspondiam,
respectivamente, a R$ 0,16, R$ 0,25 e R$ 0,40.
“A remuneração por produção levava os trabalhadores a remuneração média de R$
160 ao dia, antes de descontados, almoço, café, transporte, o que os obrigava a
um ritmo de produção intenso e exaustivo”, relata o auditor fiscal do caso.
Na ocasião, o Ministério do Trabalho resgatou 5 trabalhadores nessas condições e
a Justiça do Trabalho multou Macedo em R$ 21,2 mil.
Em nota, a defesa do vereador afirma que “foram cumpridas as exigências
necessárias, bem como a quitação dos valores referente a multas e taxas”.
EXPOSIÇÃO A FUMAÇA TÓXICA
6 de 6 Fernando Morandi (PSB) é dono da Cerâmica e Carvoaria Morandi, localizada
em uma fazenda em Porto Vitória (PR), na mesma cidade em que agora é vereador. A
empresa foi autuada após o Ministério do Trabalho resgatar três trabalhadores. —
Foto: Arte/DE
Fernando Morandi (PSB) é dono da Cerâmica e Carvoaria Morandi, localizada em uma
fazenda em Porto Vitória (PR), na mesma cidade em que agora é vereador. A
empresa foi autuada após o Ministério do Trabalho resgatar três trabalhadores. —
Foto: Arte/DE
Fernando Morandi (PSB) é dono da Cerâmica e Carvoaria Morandi, localizada em uma
fazenda em Porto Vitória (PR), na mesma cidade em que agora é vereador. A
empresa foi autuada após o Ministério do Trabalho resgatar três trabalhadores.
Os funcionários trabalhavam diretamente com a produção de carvão vegetal, na
qual parte do trabalho dependia da atuação em fornos de lenha. Eles, no entanto,
não tinham acesso aos equipamentos de segurança necessários e o local de
trabalho não possuía chaminé, nem ventilação adequada, o que deixava os
trabalhadores expostos a substâncias tóxicas próprias da queima do carvão.
“A fumaça produzida impregnava todo o local tornando o ambiente ‘defumado’,
inclusive as roupas e cobertores dos trabalhadores”, descreve um auditor fiscal.
Os alojamentos feitos para os funcionários eram de madeira apodrecida, com
paredes com frestas e furos que permitiam a entrada de ratos, insetos e do vento
frio típico da região. Por conta disso, um dos trabalhadores foi diagnosticado
com leptospirose, doença transmitida pela urina de ratos.
A Cerâmica e Carvoaria Morandi foi multada 15 vezes, somando uma dívida de quase
R$ 23 mil, que foi paga em 2022. O vereador foi procurado, mas não se
manifestou.
* Colaboraram nesta reportagem: Gilmara Roberto (DE Goiás), Thiliane Leitoles
(DE Paraná), Leonardo Igor (DE Ceará), Lucas Marreiros (DE Piauí), Lívia
Ferreira (DE Piauí) e João Souza (DE Bahia).