O maior gasto do Ministério da Defesa está relacionado ao pagamento de pessoal, especialmente com aposentadorias e pensões para militares e seus familiares. Assim, a contribuição do ministério no pacote de ajuste fiscal do governo passa pela revisão das regras previdenciárias, incluindo o polêmico benefício vitalício para filhas solteiras de militares, que ainda vigora.
Em 2023, o governo federal desembolsou R$ 26,6 bilhões para pagar pensões de membros das Forças Armadas e seus dependentes, conforme os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO). Além disso, R$ 32,2 bilhões foram destinados a salários de militares inativos, reformados ou na reserva, totalizando R$ 58,8 bilhões em gastos — quase o dobro dos R$ 31,8 bilhões registrados em 2014, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2024, essa despesa atingiu R$ 43,9 bilhões apenas entre janeiro e setembro.
Financiamento integral pelo Tesouro Nacional
As Forças Armadas consideram esses gastos essenciais, argumentando que o pagamento de salários e benefícios para militares na reserva ou reformados é parte fundamental da manutenção das tropas. Segundo um relatório do Ministério da Defesa, esses proventos são financiados exclusivamente pelo Tesouro Nacional, sem qualquer contribuição dos militares, patronal ou oriunda de rendimentos de capitalização.
Especialistas em Previdência reconhecem que a profissão militar possui características particulares, como risco elevado e exigências físicas, o que justifica regimes especiais de proteção social em diversos países. No entanto, no Brasil, as condições previdenciárias dos militares são consideradas mais vantajosas em comparação às dos demais servidores públicos federais.
Pensão vitalícia para filhas solteiras continua beneficiando 148 mil mulheres
Um dos pontos mais controversos é a pensão vitalícia concedida a filhas solteiras de militares falecidos, um benefício que foi parcialmente extinto em 2000. A regra deixou de valer para militares que ingressaram nas Forças Armadas a partir de 2001, mas aqueles que entraram antes dessa data mantiveram o direito, desde que realizassem uma contribuição simbólica. Em 2023, essa contribuição gerou apenas R$ 9,1 bilhões, resultando em um déficit de R$ 49,7 bilhões.
Na prática, esse direito se perpetuou para muitos. Um militar que ingressou nas Forças Armadas aos 18 anos em 2000, hoje com 42 anos, ainda poderá garantir a pensão para uma filha que tenha, por exemplo, 7 anos, desde que ela se mantenha solteira. Esse benefício pode se estender até o final deste século. Entre 2020 e 2024, o número de beneficiárias aumentou 9,5%, chegando a 148,2 mil, segundo o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público 2024, da entidade República.org.
Desigualdades históricas no serviço público
Vanessa Capagnac, gerente de Dados e Comunicação da República.org, aponta que essas disparidades refletem uma construção histórica de privilégios em carreiras do setor público, como militares, auditores e membros do Judiciário. Ela destaca que, enquanto essas categorias defendem altos salários devido à responsabilidade de suas funções, outras, como os professores, ficam à margem.
Para o economista Rogério Nagamine, especialista em políticas públicas, é essencial incluir a Previdência dos militares em qualquer pacote de ajuste fiscal. Ele argumenta que esse setor foi pouco afetado pela reforma da Previdência de 2019, que impactou a maioria dos trabalhadores do setor privado: “É hora de maior colaboração dos militares, com regras mais alinhadas às dos servidores civis e do INSS.”