Enquanto o cidadão comum se preocupa com o preço do pão e o futebol de domingo, os tambores de guerra voltam a rufar em nosso hemisfério. A mais recente crise entre Estados Unidos e Venezuela, com uma frota naval americana posicionada no Caribe, é tratada pela grande mídia como um espetáculo distante. Mas será apenas um problema venezuelano? Uma análise mais densa e irônica da geopolítica revela um roteiro familiar: a intervenção primeiro no país vizinho, com o Brasil, o gigante adormecido e vulnerável, na mira seguinte.
O paralelo histórico não é com a desastrosa guerra do Iraque — que começou com a justificativa falsa de armas de destruição em massa e mergulhou o país em uma década de caos —, mas sim com a “bem-sucedida” invasão do Panamá em 1989. Na ocasião, os EUA depuseram Manuel Noriega, um narcotraficante acusado, sob o pretexto de defender a democracia e combater as drogas. O sucesso panamenho é agora o modelo para a Venezuela: um ditador acusado de narcotráfico (Nicolás Maduro), eleições questionadas e ameaças a cidadãos americanos. A justificativa é praticamente uma cópia colada.
A chamada Operação Lanza del Sur já começou, com o presidente Donald Trump autorizando o uso da força militar contra cartéis de droga latino-americanos, caracterizados como “narcoterroristas”. O objetivo declarado é combater o tráfico, mas especialistas veem nisso um pretexto para uma guerra mais ampla contra o governo de Caracas.
A linha tênue na fronteira: quando o problema do vizinho vira seu
Aqui reside o primeiro ato da peça. A Venezuela não é uma ilha. Sua extensa fronteira de 2.199 km com o Brasil é mais do que uma simples linha no mapa; é uma região permeável, marcada por imigração em massa, mineração ilegal e a presença de grupos criminosos como o ELN e facções do PCC. Um conflito armado na Venezuela não “ficaria lá”. Geraria um colapso humanitário de proporções bíblicas, com uma nova e avassaladora onda de refugiados entrando pelo norte do Brasil, além de potencialmente espalhar a violência insurgente para nosso território. O Brasil já recebeu mais de 680 mil venezuelanos nos últimos anos, a maioria cruzando a fronteira terrestre. Uma intervenção militar multiplicaria esse número exponencialmente.
O Brasil no alvo: o gigante adormecido com o coração exposto
E então, chegamos ao segundo ato. Por que o Brasil seria o próximo? A resposta é uma combinação explosiva de vulnerabilidades estratégicas e riquezas cobiçadas.
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A força armada obsoleta: Nossas Forças Armadas, infelizmente, não estão preparadas para dissuadir uma potência global. Um artigo de 2025 revela que a Marinha ainda utiliza alvos aéreos Banshee 600, equipamento descontinuado há anos e que opera bem abaixo da altitude exigida para ameaças modernas. Um estudo interno do Exército aponta uma “grande defasagem” nos alvos aéreos utilizados para treinar com os principais sistemas de mísseis atuais. É como tentar enfrentar um caça F-35 com um avião de papel.
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A renúncia ao poder máximo: Em um mundo onde potências ostentam arsenais nucleares, o Brasil, por uma escolha histórica nobre, mas talvez ingênua, abriu mão da bomba atômica. Nosso programa nuclear, outrora ambicioso, foi desmontado com a redemocratização. A Constituição de 1988 e a adesão ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) nos ataram as mãos. Enquanto nações como as da Coreia do Norte ou Irã usam a ameaça nuclear como escudo, nós ficamos com a exposição do pacifismo. A força de uma nação, ironicamente, parece residir mais na sua capacidade de destruição do que na sua contribuição para a paz.
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O celeiro e a mina do mundo: Este é o cerne da cobiça. O Brasil não é um país qualquer; é um país-continente estratégico. Praticamente alimentamos o mundo, sendo um dos maiores produtores globais de alimentos. Mas isso é só o começo. Nosso subsolo é uma arca de tesouros para a tecnologia do futuro:
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Terras raras: O Brasil detém a segunda maior reserva mundial desses minerais críticos, essenciais para turbinas eólicas, motores de carros elétricos, smartphones e tecnologia militar. A China domina mais de 70% da produção global, e o Ocidente está desesperado para quebrar esse monopólio. Nossas reservas são a chave.
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Petróleo e outros minerais: Somos uma potência energética com vastas reservas de petróleo no pré-sal. Além disso, temos nióbio (90% das reservas globais), níquel, grafita e muito mais. O governo até esboça um plano para uma Política Nacional de Minerais Críticos, mas ainda é um projeto lento e burocrático, enquanto empresas estrangeiras já chegam para garantir seu quinhão.
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O roteiro já foi escrito
O roteiro é claro e cínico. Primeiro, gera-se uma crise na Venezuela, justificada pelo combate ao narcoterrorismo. A comunidade internacional se divide, a ONU protesta inutilmente e a invasão acontece. O país mergulha no caos. A instabilidade se espalha pelas fronteiras, afetando Colômbia e Brasil.
Na sequência, o “problema da segurança regional” é ampliado. O Brasil, com seu governo que prega diálogo em vez de força, sua fronteira instável e suas forças armadas defasadas, é enquadrado como um “Estado frágil” incapaz de gerir sua própria riqueza e garantir a estabilidade continental. A pressão econômica e diplomática aumenta. A necessidade de “proteger” o fornecimento global de alimentos e minerais críticos serve de justificativa moral para uma intervenção mais direta, seja por meio de operações “híbridas”, golpes financeiros ou, no limite, da força.
A ironia final é trágica: um país que optou pela paz atômica e que tem a capacidade de alimentar o mundo pode ser invadido exatamente por essas qualidades, num mundo que ainda obedece à lógica do mais forte. A pergunta que fica não é se o Brasil está na mira, mas quando os holofotes do império se voltarão definitivamente para nós. A menos que, é claro, acordemos do nosso sono estratégico a tempo.




