Em 44% das famílias goianas, quem coloca comida na mesa e chefia a casa é uma mulher. E esta organização familiar vem crescendo: uma década atrás, em 2012, o percentual era de 32,2%. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2019, a mais recente do IBGE.
Aos 41 anos de idade, Dayenn Bennet tem dois filhos, Rafael, de 12 anos, e Amélia, que completou seis em maio. Em 2018, se separou e, de lá para cá, conta que precisa dar conta de tudo. “Sigo cuidando deles como se fosse total responsabilidade minha. Percebo que o pai não recebe essa mesma carga que eu tenho”. Segundo ela, a pensão alimentícia não cobre a metade dos gastos. “Tenho que trabalhar em dobro”.
Precisar dar conta de tudo, ou quase tudo, é uma fala que se repete entre estas mulheres. “Creio que um homem não faria este papel tão bem quanto eu faço”, afirma Raquel da Silva, de 39 anos, mãe de Nikoly, 14, e Sophia, de nove anos. Logo depois, ela ri, falando que foi ousada ao dizer isso. E continua:
“Quando eu era casada, já fazia esse papel sozinha, então, hoje, eu opto por estar só e cuidar das minhas filhas”.
Cada vez mais comum
Segundo a Pnad do IBGE, em 2019, das 2,4 mil famílias goianas entrevistadas, 1,3 mil eram chefiadas por homens e outras 1,09 mil por mulheres – 44,2% do total. Em 2012, eram 2,06 mil famílias, das quais 1,3 mil eram chefiadas por homens e apenas 664 tinham comando de mulheres.
Para a pesquisadora e integrante do grupo Mulheres Cientistas e Maternidades Plurais, da Universidade Federal de Goiás (UFG), Vanessa Clemente, o aumento do número de mulheres chefes de família acontece porque muitas são abandonadas com seus filhos e precisam assumir toda a criação.
“Muitas vezes, os filhos destas mulheres não recebem pensão alimentícia, nem o amor ou a presença paterna na criação. Elas se veem na posição de ter que assumir a casa e toda a responsabilidade da criação dos filho. Ao mesmo tempo, por serem mães, têm mais dificuldade de entrar no mercado e ter a carteira de trabalho assinada”, explica.
Uma mulher, infinitas tarefas
A jornada dupla, ou até tripla, é relato comum entre elas. Dayenn tem dois empregos e trabalha das 7h às 23h, de segunda a sexta-feira. Nos “intervalos” entre uma jornada e outra, busca ou leva os filhos na escola e compra a marmita do almoço. “Minha rotina é frenética. Não tem aquele momento dos cuidados, com calma, onde sento e ensino os deveres da escola às crianças. Também não consigo descansar”, comenta.
Renata, chefe de família há oito anos, cuida sozinha das filhas, é podóloga, vendedora e estudante de podologia. “O maior desafio que enfrento é conseguir me dedicar às minhas filhas. Quando a gente trabalha o tempo todo, ajudar nas tarefas e levar para a escola é meio complicado. Quando somos separados, a mãe geralmente tem esse papel. É meio cansativo, mas prazeroso, você saber que está conseguindo encaminhar seus filhos”, comenta.
Tanta demanda, segundo a pesquisadora da UFG, leva ao esgotamento. “Ficam com saúde emocional muito debilitada em função da sobrecarga porque, além do trabalho [com salário], tem o que não é remunerado, do cuidados dos filhos e da casa: este é considerado invisível e não reconhecido”, comenta.
Dayenn sente falta de uma rede de apoio, ao mesmo tempo em que percebe o quanto as pessoas acreditam que a mulher precisa dar conta de tudo sozinha. “Isso pesa tanto! Falas como ‘filhos devem ficar com a mãe’ ou ‘mulher é guerreira’ chegam com cara de elogio, mas, na verdade, nos dão um peso ainda maior e, às vezes, insuportável”, desabafa.