Gilberto Gil tem evidenciadas a força e a atualidade perenes da obra autoral na ‘refazenda’ do álbum ‘Raça humana’
Jota.Pê, Mãeana, Mestrinho e Os Garotin sobressaem na releitura do disco
roqueiro de 1984 em que o artista seguiu a onda pop da New Wave.
1 de 2 Gilberto Gil tem o repertório autoral do álbum ‘Raça humana’ recriado em
edição ‘Reloaded’ que chega aos aplicativos de áudio em 31 de outubro — Foto:
Reprodução / Facebook Gilberto Gil
Gilberto Gil tem o repertório autoral do álbum ‘Raça humana’ recriado em edição
‘Reloaded’ que chega aos aplicativos de áudio em 31 de outubro — Foto:
Reprodução / Facebook Gilberto Gil
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO [https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/]
Título: Raça humana – Reloaded
Artistas: Ana Frango Elétrico, Chico César, Flor Gil, Jota.Pê, Jovem Dionísio,
Mãeana, Mariana Volker, Mestrinho, Os Garotin, Silvia Machete e Teago Oliveira
Cotação: ★ ★ ★ 1/2 [https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/]
♬ [https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/] “O rock deu uma
Blitz na MPB”, resumiu Gilberto Gil
[https://g1.globo.com/tudo-sobre/gilberto-gil/] em frase lapidar que sintetizou
a quebra da hegemonia da MPB na mídia e nas elites culturais a partir da a
explosão da banda carioca Blitz no verão de 1982 em ação involuntária que abriu
mercado e ouvidos para o rock e o pop produzidos no Brasil por uma geração jovem
sem devoção cega à MPB.
Atentos aos sinais, até pela própria natureza tropicalista que os torna
receptivos ao novo que sempre vem, Caetano Veloso e Gilberto Gil logo se abriram
para aquele pop rock dos anos 1980 que injetou frescor na música brasileira. Basta ouvir o álbum Extra, lançado por Gil em 1983, para perceber a mudança de ares na discografia do artista.
Raça humana, álbum seguinte apresentado pelo artista baiano em 1984 (ano em que
Caetano lançou Velô, disco de ambiência roqueira), seguiu na mesma linha com
maior ênfase. Em Raça humana, Gil foi na onda da New Wave com mix de guitarras e sintetizadores em repertório de apelo pop.
É esse álbum que, 41 anos depois, é recriado por vozes da nova geração da música brasileira em edição Reloaded produzida pela Xirê e programada para chegar aos aplicativos de áudio na próxima quinta-feira, 31 de outubro. As nove faixas são reproduzidas na ordem original do LP de 1984.
A intenção é perpetuar a obra e o legado de Gilberto Gil, embora hoje ninguém faça isso melhor do que o próprio Gil, que vem arrastando multidões pelo Brasil com turnê, Tempo rei, em que revisa o cancioneiro monumental de carreira iniciada em 1962 na cidade natal de Salvador (BA).
Com exceção de Chico César, cantor projetado em 1995 e convidado a revisitar a música-título Raça humana ao lado de Flor Gil (neta do dono do disco e cantora ainda em processo de maturação), todo o elenco foi revelado no corrente século XXI.
O conjunto da obra autoral reunida por Gil no álbum Raça humana não é das mais coesas da discografia do compositor. Ainda assim, foi em Raça humana que apareceram duas grandes músicas que atravessaram gerações e se encontram entre as melhores criações do artista.
Uma é a balada filosófica Tempo rei, revisitada com sensibilidade em Raça humana – Reloaded por Mãeana com o toque da sanfona de Mestrinho e citação ao fim de verso (“És um senhor tão bonito”) da canção Oração ao tempo (1979), de Caetano Veloso, em gravação produzida por Bem Gil e Sebastião Notini.
A outra é o reggae Vamos fugir, parceria de Gil com Liminha, produtor do álbum Raça humana. Em Reloaded, Vamos fugir ganha o toque da banda Jovem Dionísio. A música é tão boa que sobrevive a um registro menos aliciante de arquitetura eletrônica (moldada pelo sintetizador do produtor da faixa, Rodrigo Lemos da Silva) que procura dar outro balanço para o reggae.
Música revitalizada por Gil no roteiro do show da corrente turnê Tempo rei, Extra II (Rock do segurança) ressurge reconstruída em gravação de Ana Frango Elétrico, responsável pela produção musical da faixa. O rock ganhou o DNA de Ana.
Pessoa nefasta – faixa que alcançou certa projeção na época do lançamento do álbum Raça humana – também passou por processo similar de reconstrução ao ganhar abordagem personalíssima de Silvia Machete e Teago Oliveira em gravação turbinada com metais (arranjado pelo maestro Dudinha) e com samples dos vocais de Gil, extraídos do registro original de 1984.
Se Mariana Volker reaviva Feliz por um triz com correção, fazendo o que pode por uma música em si menos atraente, Jota.Pê reitera o vigor e a classe vocal ao revitalizar A mão da limpeza, música sobre o racismo estrutural da sociedade arquitetada pelo “branco sujão”, assim exposto por Gil em verso da letra.
Ao denunciar nessa letra crítica a injustiça social do Brasil racista, Gil expressa orgulho negro. “Limpando as manchas do mundo com água e sabão / Negra é a mão de imaculada nobreza”, canta Jota.Pê na gravação produzida pelo baterista e percussionista Kabé Pinheiro. Ponto mais alto da refazenda do dsico de 1984, A mão da limpeza é a única faixa de Reloaded que se impõe sobre o registro original de Gil no álbum Raça humana.
O trio Os Garotin também faz bonito em Índigo blue em gravação arranjada por Julio Raposo e Pepê Santos sem diluição do poder de sedução da levada do refrão.
De cara para o gol, o cantor e sanfoneiro Mestrinho também marca bonito ao xaxar arretado na recriação do baião Vem morena (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1950), única música cantada por Gil no álbum Raça humana fora do trilho autoral que guia o disco.
Entre altos e baixos, comuns em tributos coletivos em que cada artista orquestra a produção da própria faixa com liberdade estética, Raça humana – Reloaded reafirma a força e a atualidade perenes do cancioneiro de Gilberto Gil, arquiteto de obra que se perpetuará de forma espontânea porque figura entre os maiores tesouros da música do Brasil.
2 de 2 Capa do álbum ‘Raça humana – Reloaded’ — Foto: Divulgação
Capa do álbum ‘Raça humana – Reloaded’ — Foto: Divulgação




