Definição de obesidade mudou. O que isso significa para o tratamento?
Reformular diagnóstico da obesidade pode ajudar a erradicar os conceitos errôneos que contribuem para o estigma, dizem especialistas. O artigo foi escrito pelos professores de medicina Louise Baur, da Universidade de Sidney; John B. Dixon, da Universidade Tecnológica de Swinburne; e Priya Sumithran e Wendy A. Brown, da Universidade Monash, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.
A obesidade está associada a muitas doenças comuns, como diabetes tipo 2, cardiovasculares, doença hepática gordurosa e osteoartrite do joelho. Atualmente, ela é definida usando o índice de massa corporal de uma pessoa, ou IMC, que é calculado levando em conta o peso (em quilogramas) dividido pelo quadrado da altura (em metros). Em pessoas de ascendência europeia, o IMC para obesidade é de 30 kg/m² ou mais.
Mas o risco à saúde e ao bem-estar não é determinado apenas pelo peso – e, portanto, pelo IMC. Fizemos parte de uma colaboração global que passou os últimos dois anos discutindo como isso deveria mudar. Hoje, publicamos como achamos que a obesidade deve ser definida e porquê. Como destacamos no The Lancet, ter um corpo maior não deve significar que você tenha diagnóstico de “obesidade clínica”. Isso deve depender do nível e da localização da gordura corporal – e se há problemas de saúde associados.
O risco de problemas de saúde depende da porcentagem relativa de gordura, ossos e músculos que compõem o peso corporal de uma pessoa, bem como onde a gordura está concentrada. Atletas com massa muscular relativamente alta, por exemplo, podem ter um IMC elevado, até mesmo acima de 30 kg/m², mas seu peso maior é devido ao excesso de músculos e não de tecido adiposo. Alguns atletas têm um IMC na categoria de obesidade. A gordura armazenada profundamente no abdômen e ao redor dos órgãos internos pode liberar moléculas prejudiciais no sangue. Essas podem, então, causar problemas em outras partes do corpo.
O IMC, por si só, não nos diz se uma pessoa tem problemas de saúde relacionados ao excesso de gordura corporal. Ter um IMC acima de 30 não significa ter problemas de saúde associados. Isso pode ocorrer em uma pessoa muito alta ou em alguém que tende a armazenar gordura corporal no abdômen, mas que tem um peso “saudável”. Por outro lado, outras pessoas que não são atletas, mas têm excesso de gordura, podem ter um IMC alto, mas nenhum distúrbio de saúde associado. O IMC é, portanto, uma ferramenta imperfeita para nos ajudar a diagnosticar a obesidade.
O objetivo da Lancet Diabetes & Endocrinology Commission on the Definition and Diagnosis of Clinical Obesity era desenvolver uma abordagem para essa definição e diagnóstico. A comissão, estabelecida em 2022 e liderada pelo King’s College London, reuniu 56 especialistas em aspectos da obesidade, incluindo pessoas com experiência vivida. A definição e os novos critérios de diagnóstico da comissão mudam o foco do IMC como definidor isoladamente. Incorpora outras medidas, como a circunferência da cintura, para confirmar um excesso ou distribuição não saudável de gordura corporal.
Definimos duas categorias com base em sinais e sintomas objetivos de saúde precária:
1. OBESIDADE CLÍNICA
Uma pessoa com obesidade clínica apresenta sinais e sintomas de disfunção orgânica contínua e/ou dificuldade com atividades cotidianas da vida (como tomar banho, ir ao banheiro ou se vestir). Existem 18 critérios de diagnósticos para obesidade clínica em adultos e 13 para crianças e adolescentes. Estes incluem: falta de ar, insuficiência cardíaca, pressão arterial elevada, doença hepática gordurosa, anormalidades nos ossos e articulações que limitam os movimentos em crianças.
2. OBESIDADE PRÉ-CLÍNICA
Uma pessoa com obesidade pré-clínica tem altos níveis de gordura corporal que não causam nenhuma doença. Não apresentam nenhuma evidência de redução da função dos tecidos ou órgãos devido à obesidade e podem realizar atividades cotidianas sem impedimentos. No entanto, esses indivíduos geralmente correm maior risco de desenvolver doenças como insuficiência cardíaca, alguns tipos de câncer e diabetes tipo 2.
A obesidade clínica é uma doença que exige acesso a cuidados de saúde eficazes. Para aqueles com este diagnóstico, o foco do tratamento é melhorar os problemas de saúde causados pela obesidade. Devem ser oferecidas às essas pessoas opções de tratamento baseadas em evidências após discussão com o profissional de saúde. O tratamento incluirá o controle das complicações associadas à obesidade e pode incluir tratamento específico visando diminuir a massa gorda.
Para aqueles com obesidade pré-clínica, os cuidados com a saúde devem se concentrar na redução de riscos e na prevenção de problemas de saúde relacionados. Isso pode exigir aconselhamento de saúde, incluindo suporte para mudança de comportamento e monitoramento ao longo do tempo. Dependendo do risco individual da pessoa – como histórico familiar de doenças, nível de gordura corporal e alterações ao longo do tempo – ela pode optar por um dos tratamentos acima.
Esses novos critérios para o diagnóstico de obesidade clínica precisarão ser adotados em diretrizes de prática clínica nacionais e internacionais e em uma série de estratégias. Uma vez adotados, será essencial treinar profissionais de saúde e gestores de serviços de saúde, além de educar o público em geral. Reformular a narrativa da obesidade pode ajudar a erradicar os conceitos errôneos que contribuem para o estigma, incluindo suposições falsas sobre o estado de saúde de pessoas com corpos maiores. Uma melhor compreensão da biologia e dos efeitos da doença sobre a saúde também deve fazer com que as pessoas acima dos padrões de magreza não sejam consideradas culpadas pela condição.
Indivíduos com obesidade ou que têm corpos maiores devem contar com avaliações e conselhos personalizados e baseados em evidências, livres de estigma e culpa. Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto! Para ficar por dentro de tudo sobre ciência e nutrição, veja todas as reportagens de Saúde.